Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Luciana Yeung

Já escrevemos aqui no JOTA sobre a ausência de fundamentos legais e jurisprudenciais para revisão de contratos de venda antecipada de soja em razão de variação de preços, mesmo durante a pandemia do covid-19.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Também explicamos em detalhes a lógica econômico-jurídica desse contrato<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Agora explicaremos o porquê eles não devem ser revisados pelo Poder Judiciário em razão de alegada onerosidade excessiva.
Já é conhecida dos juristas, desde Roppo, a afirmativa de que o contrato é a roupagem jurídica de operação econômica.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> No entanto, os juseconomistas, como já defendemos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, aprofundaram essa ideia para conceber o contrato como uma operação econômica que ocorre em ambientes de mercados, e o direito contratual como parte da regulação jurídica dessas operações. Em mercados com elevados custos de transação, a regulação jurídica pode “lubrificar” transações e permitir que operações ocorram com mais frequência e segurança. O direito contratual é, portanto, o desenho jurídico de uma operação de mercado, que presume uma racionalidade econômica no processo de tomada de decisão.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A compra de soja futura é contrato comercial e, portanto, trata-se de uma relação de natureza empresarial a qual presume, portanto, sofisticação entre as Partes e identifica a relação negocial como fruto da barganha entre agentes econômicos que visam lucro.
O risco é o de uma revisão judicial (inclusive em caráter liminar) criar incertezas e prejudicar sobremaneira o mercado do agronegócio, ou seja, sufocar as relações contratuais, prejudicando os agentes econômicos e agricultores que necessitam desse mecanismo de fomento da produção do agronegócio a fim de evitar o financiamento bancário (que, em certa medida, concorre com o fomento agrícola via compra futura da soja).
Especificamente, o mercado de soja, caracteristicamente um mercado de commodity agrícola, é marcado por fortes riscos. As fontes desse risco são múltiplas: causas naturais (climáticas, pragas, desastres naturais); oscilações no mercado internacional (choques de demanda e de oferta por grandes produtores e/ou grandes compradores); a péssima infraestrutura brasileira (rodovias, greves de caminhoneiros, estivadores, etc., problemas logísticos nos portos, etc.); a insegurança jurídica na economia brasileira, como longamente debatido por diversos economistas<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>; deficiência estrutural no mercado de crédito nacional, também longamente debatido por economistas<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Sob tais circunstâncias, para tornar possível essa atividade econômica – que há alguns anos é o grande motor da economia brasileira, e também o grande propulsor da produtividade nacional (ao contrário do setor industrial e o de serviços, cujas produtividades estão estagnadas há diversas décadas) – foi imprescindível desenvolver mecanismos para pulverizar os riscos entre os diversos agentes desse sistema.
O contrato de venda a termo, ou venda futura, foi um dos mecanismos que surgiu com esse objetivo. Com ele, foi possível transferir os riscos do produtor para as organizações que vêm depois na cadeia produtiva: empresas de insumos, comercializadoras (tradings) e indústrias processadoras. Assim, o produtor rural não precisa arcar sozinho o ônus do risco, além de ser possível para ele ter fomento antecipado de recursos materiais e/ou insumos para sua atividade produtiva a ser realizada. Assim como os traders de soja diluem seus riscos (inclusive cambiais) com outros agentes econômicos como bancos de investimento, fundos e outros operadores desse mercado.
Assim como as demais atividades de compartilhamento de riscos, para que essa relação contratual seja sustentável, é necessária uma “via de mão dupla”: não é possível que apenas uma das partes arque com o ônus do risco, sempre e de maneira permanente. Caso contrário, não haverá interesse ou incentivo para a parte da trading de soja.
<blockquote class="jota-article__eye">Com a complexidade do sistema em questão, é fácil prever que, como já examinado acima, caso haja situação de quebra contratual, haverá um grande “efeito dominó” afetando negativamente diversos atores pertencentes à cadeia produtiva da soja.</blockquote>
Afinal, não são somente produtores e traders que fazem parte deste sistema.
Por fim, ainda como característica de um mercado com estruturação bastante elaborada, vale lembrar que, com os contratos a termo, compras e vendas estão casadas, ou seja, o trader de soja também dilui seu risco “vendendo o contrato” ou seja sua posição no mercado, e, por isso, não há como falar em ganhos dos compradores sobre eventual alta de preço. O desfazimento da relação jurídica pactuada no passado obrigaria o trader a recomprar a soja a um preço distinto daquele pelo qual ele vendeu o ativo, gerando enormes prejuízos, além da impossibilidade de calcular seu risco (incerteza).
E é justamente por esse motivo que não há onerosidade excessiva e nem reequilíbrio a ser feito. O trader de soja já vendeu sua posição, assim como o produtor rural. Isso significa que os ganhos e perdas foram já distribuídos no mercado futuro. Não há prejuízo ao produtor porque ele vendeu a safra futura com a certeza de que cobriria seus custos; assim como o trader de soja não capturou o aumento de preços verificado. São os fundos de investimento de capturam a maior parte da variação de preços para cima e amargam o prejuízo na variação de preços para baixo.
E nem se diga que a COVID trouxe desequilíbrio econômico e aumento do dólar. O agronegócio brasileiro não teve perdas, ao contrário de outros setores econômicos (como turismo, aviação, bares e restaurantes) – ao contrário, a divulgação do PIB indicou aumento de 4%; e a variação do dólar nada ou pouco tem a ver com a COVID.
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O episódio 54 do podcast Sem Precedentes discute o julgamento da 2ª Turma do STF, que decidiu que Moro foi parcial em suas decisões no caso do tríplex do Guarujá contra Lula. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=Xm3qid_RRA4
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a><a href="https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/contratos-futuros-de-soja-uma-ma-noticia-ao-agronegocio-vinda-da-justica-de-sc-26012021">https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/contratos-futuros-de-soja-uma-ma-noticia-ao-agronegocio-vinda-da-justica-de-sc-26012021</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/contratos-futuros-de-soja-22022021">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/contratos-futuros-de-soja-22022021</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1988.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> TIMM, Luciano. Função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva vs. eficiência econômica. Revista dos Tribunais (São Paulo). , v.876, p.11 - 43, 2008.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Cumpre esclarecer que a economia moderna trabalha com a ideia de racionalidade limitada, um conceito que além de admitir que agentes econômicos buscam maximizar a utilidade de suas decisões, pressupõe que o processo de tomada de decisões possui, em si, limitações que o impedem de ser “o melhor possível”. Tais limitações da racionalidade clássica, pressuposta pelos modelos neoclássicos mais tradicionais, são chamadas de heurísticas e vieses, que eivam a capacidade de julgamento dos agentes de vícios incontornáveis, inerentes ao fato de sermos humanos. Um exemplo típico de viés que afeta o comportamento humano na tomada de decisões – amplamente estudado por pesquisas a respeito de políticas públicas – é o chamado “viés do otimismo”, um gatilho mental que nos inclina a superestimar a ocorrência de eventos positivos em nossas vidas, e subestimar a ocorrência de eventos negativos.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Por exemplo: CASTELAR PINHEIRO, Armando. “Direito e Economia num Mundo Globalizado: Cooperação ou Confronto?”, IPEA: Texto para Discussão No. 963, 2003; CASTELAR PINHEIRO, Armando. “Segurança Jurídica, Crescimento e Exportações”, IPEA: Texto para Discussão No. 1.125, 2005.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Por exemplo: ARIDA, Persio; BACHA, Edmar; LARA-RESENDE, André. “Credit, interest, and jurisdictional uncertainty: conjectures on the case of Brazil”. Inflation targeting, debt, and the Brazilian experience, 1999 to 2003, p. 265-293, 2005.

soja

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JOTA

Por que não há onerosidade excessiva quando os preços variam? E por que a Covid não tem nada a ver com isso?

Contratos de venda antecipada de soja

Contratos de venda de SOJA: por que não há onerosidade excessiva quando os preços variam? E por que a Covid não tem nada a ver com isso?