Opinião e Análise

Luciana Yeung

Luciano Benetti Timm

Quando se estuda a história do desenvolvimento econômico mundial, é notório como não existiu nação que conseguiu prosperar sem um vigoroso mercado de crédito. É com ele que indivíduos e organizações conseguem alavancar novos empreendimentos, expandir suas atividades econômicas e ter proteção para um mínimo de risco – algo tão inerente às atividades inovadoras e disruptivas.
Assim, a saúde do mercado de crédito é um sinal crucial para prever o potencial de desenvolvimento das sociedades. Por outro lado, um mercado de crédito frágil impossibilita o surgimento e o desenvolvimento de atividades econômicas e empreendedoras. Nesses casos, seria preciso instituições que sanassem essa deficiência. Especificamente, em países onde, por motivos diversos, a inadimplência é alta e os indivíduos de maneira geral têm dificuldades para honrarem suas dívidas, um mercado que venha fortalecer a saúde de todo o sistema, certamente seria algo extremamente necessário e valioso.
No Brasil, esse é exatamente o caso do mercado de cessão de créditos. As entidades desse setor prestam um serviço especializado que beneficia tanto as instituições credoras, quanto os clientes devedores em dificuldade por permitirem a renegociação de suas dívidas e extensão do prazo de pagamento, além de prevenir o superendividamento.
Ao compensar parcialmente os prejuízos causados pela inadimplência, a atuação do mercado de cessão de crédito permite que o sistema econômico possa funcionar com menor elevação de taxa de juros e com maior oferta de crédito. Sem esse mercado, portanto, os consumidores seriam, possivelmente, os maiores prejudicados, pois haveria uma elevação da taxa de juros para compensar as perdas com a inadimplência.
Assim, a cessão de créditos se apresenta como uma solução extremamente benéfica para todas as partes, inclusive demais fornecedores de bens e serviços relacionados ao mercado de recuperação de crédito. A importância do setor pode ser comprovada pelo seu tamanho, estimado – para os anos de 2019 a 2021 – em cerca de R$ 600 bilhões. Considerando-se os valores acumulados nos últimos 15 anos, este mercado chega a quase R$ 1 trilhão, de acordo com levantamento da Ivix, empresa especializada em reestruturação de empresas em crise, a pedido do jornal O Estado de S. Paulo (publicado no dia 11 de novembro de 2019).<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Mas para que o setor de compra de créditos possa contribuir na sua plenitude com o funcionamento da economia brasileira, é preciso que essas entidades possam funcionar com segurança e não excesso de incerteza. Nessa toada, o papel do Judiciário é crucial: se as decisões judiciais, em observância à lei, levarem em conta também os efeitos da atuação do setor de compra de crédito e sua importância para a economia do país, o mercado de cessão de crédito tenderá a funcionar de maneira mais ativa, ou seja, mais clientes poderão renegociar suas dívidas, e terão a chance de se tornarem adimplentes de maneira saudável. Por outro lado, as instituições credoras também terão opções de se desfazerem de produtos (créditos) que não lhes sejam mais interessantes, quer seja pela falta de expertise na cobrança, quer seja por necessidade de reestruturação a curto prazo.
No entanto, essas mesmas entidades têm se defrontado com um tipo pernicioso de litigância, considerando os milhares processos distribuídos pelo país, que (por si só) já trazem um custo financeiro e econômico relevante para os setores públicos e privados e que, ademais, podem sinalizar algum grau de litigância predatória.
Todavia, para além destes temas, mais importante ainda é que o Poder Judiciário esteja ciente dos efeitos (consequências) decisórios para além das partes envolvidas, prevendo as possíveis repercussões sociais. A este respeito, pode-se citar que como boa parte dos créditos comercializados correspondem a créditos prescritos, as decisões judiciais que reconhecem a impossibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas prescritas impactam negativamente no funcionamento de todo esse mercado e, por consequência, comprometem o sistema de crédito do país. Consequências diretas deste entendimento são sentidas diretamente na economia: as taxas de juros se tornam mais elevadas, como já mencionado, ou mesmo com a supressão de uma atividade econômica relevante.
Cabe ressalvar que tais decisões judiciais não encontram respaldo jurídico-dogmático. Com efeito, a prescrição da dívida não impossibilita a cobrança por vias extrajudiciais, desde que não o faça de forma vexatória ou abusiva, já que o legislador brasileiro deixa expresso que a prescrição apenas atinge a pretensão (art. 189 do CC/02).
A comercialização de dívida também é prevista no Código Civil e não há nenhum dispositivo, tanto do Código Civil como de outro normativo, que defina que só poderão ser cedidas dívidas que ainda não prescreveram. Lembra-se que no plano de direito privado, tudo que não é proibido, deve ser entendido como  permitido.
Dado que a comercialização de dívidas, prescritas ou não, se constitui em uma atividade econômica legal, logo, seria coerente concluir que a cobrança de dívidas prescritas também encontra respaldo no ordenamento jurídico). Não é porque a dívida prescreve que ela deixa de existir, tampouco que o devedor deixa de ser inadimplente, muito menos que o credor deixou de ter direito a receber seu crédito. Justamente pelo exposto, importante mencionar a recente decisão proferida em sede IRDR pelo E. TJRS n. 70085193753 que entendeu pela possibilidade de cobrança de dívida prescrita de maneira extrajudicial, em verdadeiro leading case que deve orientar o julgamento de outros casos semelhantes em tribunais estaduais de justiça (na esteira do que vem decidindo já o STJ). Além de demonstrar a correta interpretação sobre o tema, a decisão se destaca pela atenção dispensada aos impactos positivos que o mercado de cessão de crédito traz para o país.
Por último, mas não menos importante, decisão judicial conflitante com a orientação do STJ e em sentido contrário ao importante precedente da corte de justiça gaúcha, trará ao próprio Judiciário: (i) aumento de ações judiciais em que devedores buscam declaração de inexigibilidade da obrigação, indenização por danos morais e honorários de sucumbência e (ii) por outro lado, aumento no ajuizamento de ações pelos credores para satisfação ou salvaguarda de seus direitos (como por exemplo medidas interruptivas de prescrição).
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Retomada da economia pode destravar carteira de R$ 1 tri em ‘créditos podres’. Disponível em: <a href="https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,retomada-da-economia-pode-destravar-carteira-de-r-1-tri-em-creditos-podres,70003084411">https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,retomada-da-economia-pode-destravar-carteira-de-r-1-tri-em-creditos-podres,70003084411</a>

money-ga5b4b711a_1920

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Elas precisam funcionar com segurança e não excesso de incerteza

As entidades de compra de crédito e sua função social

Entidades de compra de crédito precisam funcionar com segurança e não excesso de incerteza