Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Willian Pereira

Algumas decisões recentes das Câmaras Especializadas do TJSP e da Justiça do Trabalho em matéria de contrato de franquias vêm causando surpresa no mercado pelo grau de paternalismo ou intervencionismo na liberdade de contratação desse modelo de negócios e foram objeto de discussão em eventos organizados pelo IDP, pela Universidade Mackenzie e pela Associação Brasileira de Franquias.
Tribunais de justiça imparciais e independentes que aplicam regras com previsibilidade e estabilidade são fundamentais à democracia e ao desenvolvimento econômico. É papel da ciência jurídica contribuir com a crítica, mas também com o aperfeiçoamento dos precedentes judiciais. 
Tendo participado dos debates nos referidos eventos acadêmicos citados, ficamos com a impressão de o que está faltando nas discussões judiciais é um pouco mais do substrato factual do ambiente de negócios em que os contratos de franquia são celebrados. Vale dizer, os julgamentos estão sendo proferidos mais com base em percepções e concepções ideológicas dos respeitáveis magistrados do que na realidade empírica dos dados. E é essa a motivação de nosso artigo, isto é, trazer elementos de análise econômica do direito contratual de franquia que possam contribuir para um aperfeiçoamento das decisões judiciais.
Nesse sentido, o universo dos contratos de franquia, onde direitos de marca e know-how são partilhados entre franqueadores e franqueados, a interseção entre direito e economia torna-se essencial para decifrar desafios inerentes ao modelo e mesmo compreender as disputas a eles relacionadas. Entre esses desafios, a problemática da "carona", da ponderação dos efeitos decisórios, a interpretação equivocada do contrato de franquia sob um viés consumerista ou trabalhista, são alguns dos pontos críticos que podem gerar insegurança jurídica e impactar a viabilidade econômica deste tipo de empreendimento sem que obviamente fosse a essa a intenção da justiça paulista.
Como aponta Negrão (2010), trata-se de um contrato que envolve a “distribuição de produtos ou serviços, cessão de uso de marca, registro ou patente, bem como prestação sucessiva e continuada desses recursos, cumulada com o direito de uso de tecnologias relacionadas à administração do negócio e de sistema operacional”.
Nesse diapasão, os contratos de franquia surgem como uma solução para empresas que desejam expandir geograficamente sem incorrer em altos custos de monitoramento (W. DNES, 2011) e de pesquisa de mercado (MINKLER, 1992). Através deste modelo, a empresa licencia sua marca e modelo de negócios a empreendedores independentes (os franqueados), que com conhecimento dos mercados locais, que atuam em seu nome, mas com um certo grau de autonomia operacional. Para os franqueados, o modelo de negócios tende a reduzir os riscos de uma iniciativa empresarial puramente autônoma de marca própria, cuja “taxa de mortalidade” segundo dados do SEBRAE são altíssimas! 
No campo da economia do direito, identificam-se algumas falhas de mercado no ambiente de franquias, a começar por problemas de assimetria informal do lado do franqueador, podendo levar o franqueado entrar numa “fria”. Por isso, a Lei de Franquias corretamente exige o franqueador forneça a Circular de Oferta de Franquia, com todas as informações econômicas relevantes do negócio.
De outra parte, existem também problemas de agência decorrentes da atuação do franqueado com um “representante” local da marca, muitas vezes não identificados por quem não conhece esse modelo de negócios e que tende a enxergar no franqueado, a única parte “vulnerável” no contrato, análogo à posição de um consumidor.
A verdade é que, no campo econômico e dos negócios, existem incentivos para o comportamento oportunista por parte do franqueado, decorrentes da assimetria informacional entre as partes. É que, se por um lado o conhecimento local dos franqueados gera uma redução de custos para os franqueadores, por outro, também gera a oportunidade para o franqueado omitir conhecimento em benefício próprio. Um dos comportamentos oportunistas é o de "carona", tendo como espécies a carona vertical e a carona horizontal. 
A "carona vertical" ocorre quando o franqueado se beneficia da reputação da marca, mas não se compromete em manter os padrões de qualidade, cortando despesas às custas da reputação da franquia. Por outro lado, a carona horizontal acontece quando um franqueado se beneficia dos esforços de outro franqueado em uma região próxima, sem contribuir proporcionalmente.
Existe também o problema do "sequestro de know-how", onde o franqueado pode abandonar a relação comercial de forma prematura, levando consigo todo o aprendizado e reputação conquistados para fazer concorrência à franqueadora no mesmo mercado. 
Mas como corrigir a assimetria informacional do lado do franqueado? Ora, a única forma de fazer isso é por meio de cláusulas contratuais. É natural que por conhecer melhor o negócio e a forma de prevenir comportamentos oportunistas que prejudiquem a rede, caiba ao franqueador propor cláusulas que, somente com a aceitação do franqueado, venham a integrar o negócio jurídico pactuado e, dessa forma, chegar a um modelo eficiente do ponto de vista econômico (lembrando que a eficiência é um conceito que presume a melhora de bem estar para a maioria das pessoas envolvidas e não apenas para uma delas).
O <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/TJSP">TJSP</a> vem decidindo, em alguns casos, que esses negócios são contratos de adesão, ao invés de reconhecer que esse processo negocial é mais complexo e com implicações distintas de um simples “pegar ou largar” de um consumidor de adquire uma mercadoria. Já dizia Roppo que o contrato é a veste jurídica de operação econômica. Ora, a operação econômica de franquia subjacente ao contrato firmado é absolutamente distinta e tem peculiaridades que explicam o desenho contratual, ainda que proposto pelo franqueador, como previamente explicado.
E mesmo que se se tratasse de um negócio entabulado por contratos de adesão, isso não autorizaria o Poder Judiciário intervir e substituir regras pactuadas sem, pelo menos, ponderar as consequências decisórias, na forma estabelecida pelo art. 20 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Os artigos 421 a 425 do Código Civil não autorizam a imposição de cláusulas contratuais em contratos de adesão pelo Estado juiz. Afinal, a Lei de Liberdade Econômica, aplicável aos contratos de franquia, determina intervenção mínima do Poder Judiciário na seara dos contratos empresariais.
Mas, naturalmente, que respeitar e interpretar o contrato empresarial de franquia não significa sua leitura apenas gramatical ou literal, seja porque todo contrato de longa duração é incompleto – e portanto, tem lacunas a serem preenchidas (ARAÚJO, 2008) –, seja porque a legislação oferece outros critérios interpretativos aos contratos para além do seu texto (o art. 113 do Código Civil judicial remete o intérprete à real intenção das partes, à boa fé, à racionalidade econômica das partes). 
E, portanto, mais uma vez, há o dever do Poder Judiciário de levar em conta a realidade de subjacente do mercado de franquias, que aponta para necessidade de se evitar o efeito carona e corrigir a assimetria informacional durante a execução do contrato, contribuindo para um melhor ambiente de negócios (lembrando que a assimetria informacional do lado do franqueador fora corrigida pela C.O.F.). 
Nesse sentido, a insegurança jurídica em torno das cláusulas contratuais livremente pactuadas (afinal, o empreendedor é sempre livre de empreender em seu próprio negócio), portanto, pode enfraquecer o mecanismo de garantia contra o comportamento oportunista e prejudicar a relação entre franqueador e franqueado e, por via de consequência, a inibir a expansão de mercado. 
Outro problema na interação entre o judiciário e a economia por trás do modelo pode se dar pela interpretação desses contratos como se fossem de trabalho, e não de franquia. 
Há diferenças significativas entre uma relação de emprego e uma relação de franquia que são importantes para entender as diferentes naturezas desses contratos. Em uma relação de emprego, o empregado geralmente depende do empregador para obter sustento e pode não ter a mesma quantidade de informação sobre o mercado de trabalho. Por outro lado, na relação de franquia, o franqueado é um empreendedor independente que optou por investir em um modelo de negócio estabelecido. Ambas as partes possuem conhecimento prévio do contrato, de suas obrigações, e têm a possibilidade de negociar os termos da relação antes de firmá-la.
Além disso, há diferenças substanciais quanto ao investimento e o retorno por parte dos franqueados. Diferentemente dos trabalhadores, os franqueados pagam para poder empreender. A remuneração dos franqueados também é bastante distinta da dos trabalhadores. Enquanto a remuneração dos trabalhadores é, via de regra, fixa, a dos franqueados é variável.
A aplicação da lógica trabalhista ao modelo de franquias pode ser contraditória do ponto de vista da análise econômica do direito, pois pode inserir desequilíbrio na relação acordada. Nessa ótica, a relação de trabalho tem ínsita uma promessa implícita de um “seguro” ao emprego (ARAUJO, 2008), ao passo que franquia é uma operação comercial. Como o contrato de franquia já busca corrigir uma situação prévia de assimetria informacional, uma interpretação que tende para o viés trabalhista pode ser desarrazoada, uma vez que super-estimula o comportamento oportunista do franqueado e onerar excessivamente o franqueador (sem falar aqui de litigância, tema para outro artigo).
De tudo isso, o que podemos concluir é que a compreensão interdisciplinar dos contratos de franquia, considerando os aspectos jurídicos e econômicos, revela a importância desse modelo de negócio para a geração do desenvolvimento do país até porque parte importante das franquias é no setor de serviços, componente mais relevante do PIB das grandes metrópoles brasileiras.  
Apesar dos desafios relacionados às caronas horizontais e verticais, ao sequestro de know-how, à interpretação equivocada como contratos de trabalho e à insegurança jurídica das cláusulas contratuais, a opção pelo método adequado de solução de controvérsias (que pode ser o Judiciário, mas também pode ser a arbitragem), a elaboração cuidadosa dos contratos, com cláusulas claras e alinhadas à economia do setor, emerge como uma medida crucial para assegurar a viabilidade das franquias, promovendo o sucesso desse modelo no mercado. Do lado do Poder Judiciário, espera-se a ponderação dos efeitos de suas decisões, enxergando “mais a floresta do que a árvore”.

contribuinte

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JOTA

É papel da ciência jurídica contribuir com a crítica, mas também com o aperfeiçoamento dos precedentes judiciais

Análise econômico-jurídica do contrato de franquia

É papel da ciência jurídica contribuir com a crítica, mas também com o aperfeiçoamento dos precedentes judiciais