Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Vivemos um momento, no Brasil e no mundo, em que muito se discute a liberdade de imprensa, redes sociais e as “fake news”; todavia, pouco se tem discutido eventuais limites à liberdade de imprensa, especialmente no que tange à exploração de vieses cognitivos dos consumidores de notícias, notoriamente o medo, a confirmação, entre outros. Tratar de eventuais limites à liberdade de imprensa é um verdadeiro tabu e quem se arrisca é rapidamente taxado (pela própria mídia, não surpreendentemente) de vários adjetivos negativos.
Pois há mais de 30 anos Richard Posner escreveu um artigo seminal sobre análise econômica da liberdade de opinião, propondo “dar um banho ácido” àquele direito, a partir do rigor científico da Economia e mais distante da retórica ou da dogmática jurídica (típica das discussões processuais).<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> Nesse artigo, Posner defendeu, ao contrário do que muito se argumenta, que “free speech” não seria um direito constitucional absoluto. Ele não se trata, como qualquer outro direito, de um direito absoluto, irrestrito, mas relativo. Parece trivial, mas o óbvio precisa ser dito. Ele admite, como não poderia deixar de ser, que sua regulação seja um tabu, mas que o acadêmico não deve temer de examinar temas polêmicos.
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Posner, como já destaquei em outro artigo publicado nessa coluna<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, valendo-se de Holmes, situa a liberdade de opinião como o exercício de um direito dentro de um “mercado de ideias”. Como regra, quanto mais opiniões, menos chance de erro, melhor a informação à sociedade, e, portanto, melhor bem-estar (e afastamento de ideias socialmente indesejáveis por via de consequência).
<blockquote class="jota-article__eye">No entanto, em situações excepcionais, poder-se-ia limitar esse direito constitucional: pense-se, por exemplo, em discursos racistas ou que defendam o uso da violência.</blockquote>
Posner, também como já escrevi, questiona-se sobre o método mais eficiente de regulação e tende a preferir a limitação ex post (via indenização, por exemplo, após o devido processo legal) frente à limitação ex ante (censura); e o faz por diversas razões, dentre elas, o conflito de interesses dos censores (problemas de agência), que poderiam ser incentivados a proibir críticas à autoridade governamental e mesmo o custo do erro por eles praticado ao proibir algo socialmente desejável (num mercado de ideias, tende a ser mais eficiente deixar que oferta e demanda regulem o “ponto ótimo” de informação).
Posner desenvolve então uma equação sobre a regulação da liberdade de opinião a partir de um precedente (United States v. Dennis), segundo o qual deve-se admitir a intervenção nesse direito considerando “a gravidade do mal (i.e. se a instigação que se busca ser evitada ou punida), descontada pela sua improbabilidade, justifica a invasão do ‘free speech’ como necessário a evitar o perigo”, ou mais especificamente como define Posner matematicamente:
“Se se somente B &lt; PL, onde B é o custo da regulação (incluindo qualquer perda decorrente da supressão da informação valiosa), P é a probabilidade que esse discurso que se deseja suprimir cause dano, e L é a magnitude do custo social do prejuízo”.
A verdade, portanto, é que a liberdade de opinião admite exceções, ainda que muito limitadas, dado o grande benefício que ela traz à sociedade e seu elevado custo de controle. Na metáfora por ele utilizada, a regra em um “mercado de ideias” é que se deve deixar esse ambiente livre de regulação, especialmente aquelas desenhadas ex ante (ou seja, previamente, mediante censura administrativa).
Economistas liberais que tratam de questões jurídicas, como Hayek, por exemplo, tem ainda mais cuidado do que Posner ao propor algum tipo de limitação à liberdade de opinião, dado que apostam ainda mais na liberdade como ferramenta de solução de problemas sociais e no mercado (de ideias, no caso) como espaço para tanto.
De modo que a regra quase absoluta deve ser o livre trânsito de opiniões.
Por sua vez, Posner, quanto trata de liberdade de imprensa, faz comentários adicionais, ainda que admitindo, genericamente, que ela é uma decorrência da liberdade de opinião. Ele explica inclusive a diferença regulatória que existe na mídia impressa e televisiva, sugerindo haver diferença em como a mensagem é recebida pelos destinatários. O som e a imagem seriam mais fortes do que o texto impresso e, portanto, exigiria maior controle (e isso se reflete em diferente tratamento legislativo e regulatório ao redor do mundo).
Mas Posner acabou não tratando de alguns pontos, hoje relevantes, que eram eventualmente desconhecidos 30 anos atrás.
Primeiro, houve considerável concentração do “mercado de ideias”. Nesse sentido, as redes televisivas se tornaram poucas e poderosas, concentrando bastante o canal de informação transmitido à população. Do mesmo modo, os jornais também acabaram se concentrando em poucos grupos e que não raramente verticalizaram com a televisão e o radio a comunicação com o público.
Segundo, Posner não avalia eventuais conflitos de interesse entre imprensa (grupos empresariais) e seus leitores. Com efeito, é conhecida a teoria da agência, segundo a qual há risco moral em situações em que um principal (leitor) conta com um terceiro (mídia) para ser informado. Nesse modelo, não tendo tempo suficiente para pesquisar adequadamente as informações, o leitor conta com o jornalista para fazer esse trabalho por ele (pesquisar a “verdade”). No entanto, nem sempre o agente (jornalista) atua em benefício do principal (leitor). Nesse sentido, ao visar lucro, o grupo empresarial de notícias pode atender aos interesses de um patrocinador (seja ele um outro grupo empresarial ou mesmo um grupo politico ou corporação).
Terceiro, Posner não avalia a importância da ideologia. Com efeito, 30 anos atrás, por incrível que pareça, temas ideológicos eram menos importantes do que hoje e os EUA (como outros países) estavam menos divididos nessa seara – curiosamente devido, segundo alguns, a radicalização da esquerda a partir dos anos 80 do século passado e ao fenômeno da globalização<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.  Segundo Cass Sustein, as redações de grandes jornais, universidades e escolas são dominadas pelo pensamento de esquerda e seria desejável que se se garantisse algum nível de paridade de referencial ideológico para atender diferentes públicos.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Quarto, Posner não aprofunda (nem poderia à época de publicação de seu artigo) o tema do impacto da internet e das redes sociais. Se de um lado, as redes sociais, dão voz a um número grande de pessoas (e nesse sentido contribui para prover opinião ao “mercado de ideias”), por outro, estabelece uma perigosa concorrência entre a redes sociais dos indivíduos e a grande mídia. A internet permite uma circulação quase que imediata de informações para as quais não há tempo de verificação da “verdade”. Os grandes grupos de comunicação (e seus jornalistas) precisam responder a essa concorrência, o que acaba gerando a produção de opiniões igualmente rápidas (não refletidas) e ainda movidas sob risco de conflito de interesses.
Quinto, Posner não aprofunda a questão da economia comportamental e o uso da psicologia cognitiva e da neurociência. Esse campo científico provê atualmente bastante informação acerca do estudo do cérebro humano de modo a permitir que grupos empresariais de comunicação, assim como partidos políticos (em muito menor escala pela limitação organizativa quando comparados a uma corporação empresarial) possam produzir conteúdo que gere mais interações com o público (“likes”). Já se sabe, por exemplo, que o leitor consume mais notícia “ruim” do que “boa”; que o apelo aos sentimentos (raiva, ódio, identificação) gera mais resultado midiático do que informação racional e densa. Sem falar de alguns estudos que sugerem que a leitura em meio digital provoca menos concentração e retenção de informação do que em texto impresso. Veja-se por todos S. Pinker, segundo o qual a mídia foca cada vez mais em temas negativos para atrair leitores, embora o mundo esteja melhorando<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Sexto, Posner não discute autorregulação nem um sistema multiportas de solução de disputas, ficando restrito à discussão judicial ou administrativa (censura). Hoje se sabe que acesso à justiça é muito mais do que acesso ao poder judiciário.
Com todas essas adições, fica a reflexão do que Posner diria hoje. Será que haveria mais espaço para aprofundar a autorregulação da mídia? Se sim, deveria ela ocorrer no âmbito dos jornais, das redes sociais? Ou seria melhor apostar em mais mercado? E como isso seria feito? Enfim, temas que mereceriam reflexão tanto entre os acadêmicos e daqueles que atuam no setor.
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O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Richard A. Posner, "Free Speech in an Economic Perspective," 20 Suffolk University Law Review 1 (1986).
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="about:blank">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-abde/analise-economica-da-liberdade-de-opiniao-o-que-o-caso-recente-do-stf-nos-ensina-28052020</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Como explica Mark Lilla: “o progressista de hoje e o de amanhã”.
<h1><a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Sustein, Cass. “The Problem With All Those Liberal Professors”. Publicado em https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2018-09-17/colleges-have-way-too-many-liberal-professors.</h1>
<h1><a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Steven Pinker. The media exaggerates negative news. This distortion has consequences. Em</h1>
<a href="about:blank">https://www.theguardian.com/commentisfree/2018/feb/17/steven-pinker-media-negative-news</a>.

jornais

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Análise Econômica da liberdade de imprensa

Que tal falarmos de autorregulação?