Opinião e Análise

Cesar Santolim

Nas últimas semanas, muito já se disse sobre a concessão do Nobel de Economia a Richard Thaler, um dos expoentes da denominada “Economia Comportamental”. O prêmio revela a importância desta abordagem, refletindo uma percepção que já fora feita em 2002, quando a mesma honraria foi dada a Daniel Kahneman, “por introduzir os insights da pesquisa psicológica na ciência econômica, especialmente no que diz respeito às avaliações e tomada de decisão sob incerteza”. A “economia comportamental”, longe de ser apenas um conjunto de observações pontuais que sugerem pequenos ajustes nos modelos “canônicos” da teoria da escoha racional, já desfruta se suficiente prestígio acadêmico para voos mais longos.
O impacto destas contribuições ao Direito, nas formulações da “Behvioral Law and Economics” tem sido igualmente significativo. Não apenas porque Thaler (entre outros economistas) tem compartilhado seus estudos com juristas (sendo o caso mais conhecido a parceira com Cass Sunstein, em “Nudge”), mas porque tem aberto caminhos que até pouco tempo pareciam impossíveis de ser trilhados.
As reações à Análise Econômica do Direito, no campo jurídico, no mais das vezes decorrentes da pouca informação dos “críticos” acerca das várias nuances de um conjunto de estudos com múltiplas nuances, a maior parte deles com conteúdo instrumental, têm em vista um combate agudo à noção (compatível com economia neoclássica), de homo economicus, em todo seu significado. Por aí vem a acusação de, na AED, o “individualismo metodológico ... atribui qualidades imaginárias aos sujeitos, reduzidos a agentes racionais de um projeto social condicionado”, o que serve de ponto de partida para outras construções. Sem entrar no mérito de destas considerações (que, com alguma facilidade, poderiam – e são – confrontadas com bons e sólidos argumentos resgatados da teoria microeconômica), deve-se reconhecer na via comportamental uma “ponte” que permite a alguns passageiros juristas conhecer um pouco o outro lado do rio, sem que seja necessário jogar-se na água (até porque muitos não sabem nadar...).
Curiosamente, ao ampliar a abordagem interdisciplinar, agregando Psicologia Cognitiva à Economia, há uma “suavização” dos “argumentos econômicos”, e isso torna mais palatável a aproximação para os cultores do Direito. Não que a interdisciplinariedade seja novidade para os juristas. Muitos dos “críticos” da AED esquecem o quanto o Direito compartilha com a Filosofia, a Moral, a História, a Sociologia, e por aí se vai. A Economia (logo a Economia!) é que aparece como “problema”, mas este “problema” fica menor (e, quem sabe, até, desaparece) quando se “re-humaniza” o homo economicus: sua racionalidade é limitada; as tomadas de decisões são “enviesadas”, as políticas públicas comportam algum grau de intervencionismo (para dar uns “empurrões” nos agentes econômicos).
Uma das áreas em que se pode constatar o incremento na aceitação da abordagem de “Law and Economics”, por conta da perspectiva comportamental, é justamente aquela na qual se ouvia, até então, alguns dos gritos mais altos contra o homo economicus o Direito do Consumidor. Apenas para tomar como exemplo, entre os vários trabalhos de Richard Thaler, em 2003 (mais uma vez em conjunto com Cass Sunstein), está um texto de seis páginas intitulado “Libertarian Paternalism”, que não só criou o novo conceito, mas explicitamente fez um convite aos “libertários” (avessos ao intervencionismo) para que convivessem com o “paternalismo” (característica dos defensores de que cabe à sociedade – e ao Estado – algum papel na tomad de decisões dos indivíduos).
Isso nada mais é do que abrir as portas para um diálogo que, nos anos recentes, tem se revelado extremamente produtivo. Mais relevenate (do ponto de vista prático) do que confrontar Hayek e Keynes, “Estado mínimo” e “Estado social”, “mercado” e “regulação” talvez seja encontrar o ponto sutil onde alguma forma de incentivo ou indução (pela sociedade, através do Estado) consegue reduzir os vieses cognitivos individuais, sem prejuízo que a tomada de decisão, em última instância, mantenha-se no âmbito da autonomia privada.
O exemplo consagrado no citado texto de Thlaer e Sunstein é uma perfeita ilustração desta perspectiva. Tome-se a situação em que o encarregado de organizar o restaurante de uma empresa perceba que a ordem segundo a qual os alimentos são colocados nas prateleiras influencia as escolhas das pessoas (consumidores). Para simplificar, considere-se que ele tem três estratégias alternativas: (1) ele pode fazer as escolhas que considera as mais adequadas (segundo seu entendimento), definindo quais produtos serão oferecidos, com o intuito de trazer mais benefícios aos usuários, (2) ele pode fazer uma distribuição aleatória dos alimentos ou (3) ele pode (maliciosamente) escolher aqueles itens que ele considera que tornará os consumidores o mais obesos possível. Embora a primeira opção seja mais claramente “paternalista”, as outras também o são, porque “paternalismo” não envolve (sempre) coerção. Como afirmam Thlaer &amp; Susntein “alguém objetaria por as frutas antes das sobremeesas na cantina de uma escola para estudantes do curso fundamental se o resultado for o aumento no consumo de maçãs sobre Twinkies?”. Uma política é “paternalista” se é tomada com o objetivo de infuenciar as escolhas dos indivíduos, com o pressuposto de que façam “melhores” escolhas. Mas mantendo as escolhas individuais (por isso, “libertária”), e não se sobrepondo a elas, a partir de uma visão que se sobrepõe ao auto-interesse dos consumidores, alegando a “superioridade” dos valores sociais e coletivos, e suprimindo inteiramente o exercício da autonomia privada.
Aprender não faz mal a ninguém. E o Direito fará bem o quanto mais se abra as outras áreas do conhecimento, incorporando à sua razão de existir, que é a regulação social, o que de valioso delas se pode obter.

thaler

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Ainda sobre o Prêmio Nobel de Economia...

O Direito fará bem o quanto mais se abra as outras áreas do conhecimento