Opinião e Análise

Luciana Yeung

Luciano Benetti Timm

Flavia Araújo

As ações civis públicas (ACPs) se constituem no principal instrumento utilizado para a tutela dos direitos coletivos e difusos e, portanto, importante ferramenta de tratamento eficiente de conflitos sem a necessidade de excessiva judicialização individualizada. Com efeito, conforme pode ser observado no Gráfico 1, extraído do Cadastro Nacional de Ações Coletivas do Conselho Nacional de Justiça (CACOL-CNJ), as ACPs representam 74,7% das ações registradas nesse cadastro. 
Gráfico 1 – Distribuição das ações coletivas registradas no CACOL
[caption id="attachment_378956" align="aligncenter" width="1003"]<img class="wp-image-378956 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/07/captura-de-tela-2022-07-04-as-20-55-38.png" alt="" width="1003" height="636" /> Fonte: CACOL - CNJ, 2022[/caption]
Atualmente, os entes legitimados a promover ACPs são o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os estados e o Distrito Federal, os municípios, autarquias, empresas públicas, fundações públicas, sociedades de economia mista e associações da sociedade civil.
No caso das associações civis, torna-se necessário o atendimento a dois requisitos, conforme o inciso V do artigo 5o da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm">Lei 7.347/1985</a>: a) ter sido constituída há pelo menos um ano conforme a lei; e b) incluir, entre suas finalidades a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à livre concorrência, à ordem econômica, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou também a proteção ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Embora todas essas entidades possam ajuizar esse tipo de ação, a maioria das ACPs hoje em andamento é de autoria do Ministério Público. Isso decorre principalmente do fato de que a promoção de ACPs é um dos deveres legais do MP, para a adoção de providências na prevenção ou reparação de danos a bens e direitos que estejam sobre a sua tutela. Vale lembrar que o MP é um órgão de Estado com autonomia, independência e boa estrutura de atuação, além de quadro profissional estável, de ótima qualificação técnica e bem remunerado para realidade econômica do Brasil.
Como é possível observar na Tabela 1, os dados do estoque de ACPs registrados (em que é possível identificar o autor da ação) são dominados por ações iniciadas por Ministérios Públicos de todo o país (ainda que precisemos aperfeiçoar a base de dados).
<table>
<tbody>
<tr>
<td colspan="3" width="512">&nbsp;
Tabela 1 - Ações civis públicas cadastradas no CACOL</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Status</td>
<td width="148">Número de ações</td>
<td width="86">% do total</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Autores não informados</td>
<td width="148">         404.008</td>
<td width="86">80,87%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">[SIGILOSO]</td>
<td width="148">          12.964</td>
<td width="86">2,59%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Autores identificados</td>
<td width="148">          82.630</td>
<td width="86">16,54%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">TOTAL</td>
<td width="148">         499.602</td>
<td width="86"></td>
</tr>
<tr>
<td width="278"></td>
<td width="148"></td>
<td width="86"></td>
</tr>
<tr>
<td colspan="3" width="512">Os 200 maiores autores identificados, por categoria</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Ministérios Públicos</td>
<td width="148">          43.164</td>
<td width="86">58,34%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Poder Executivo dos estados e DF</td>
<td width="148">          18.360</td>
<td width="86">24,82%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Poder Executivo dos municípios</td>
<td width="148">           8.145</td>
<td width="86">11,01%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Poder Legislativo dos estados</td>
<td width="148">             141</td>
<td width="86">0,19%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Defensorias Públicas</td>
<td width="148">           2.540</td>
<td width="86">3,43%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Procuradorias estaduais</td>
<td width="148">           1.532</td>
<td width="86">2,07%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Banco do Brasil</td>
<td width="148">             105</td>
<td width="86">0,14%</td>
</tr>
<tr>
<td width="278">Total de autores identificados</td>
<td width="148">          73.987 </td>
<td width="86"> </td>
</tr>
</tbody>
</table>
Fonte: Cálculos e levantamentos próprios a partir de dados do CACOL (jan.2022)
Por meio de consulta ao site de jurisprudência de três dos mais importantes tribunais do país – Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) –, filtrando o termo “Ação Civil Pública” como busca de ementas, e organizando por data de publicação dos julgados, temos os resultados apresentados na Tabela 2. Conforme pode ser observado, no período entre 2010 e 2020, houve um crescimento expressivo no número de ACPs, em especial no TJSP, onde o crescimento anual médio foi de 62,85%.
Tabela 2 – Evolução do número de ACPs que tiveram acórdãos no STJ, STF ou TJSP, entre 2010 e 2020
<table width="712">
<tbody>
<tr>
<td style="width: 42.6641px;"></td>
<td style="width: 482.648px;" colspan="11">Acórdãos (excluídas as decisões monocráticas)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a></td>
<td style="width: 43.6797px;"></td>
<td style="width: 21.4453px;"></td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 42.6641px;"></td>
<td style="width: 18.3906px;">2010</td>
<td style="width: 30.5312px;">2011</td>
<td style="width: 30.5312px;">2012</td>
<td style="width: 30.5312px;">2013</td>
<td style="width: 30.5312px;">2014</td>
<td style="width: 31.5391px;">2015</td>
<td style="width: 31.5391px;">2016</td>
<td style="width: 31.5391px;">2017</td>
<td style="width: 30.5312px;">2018</td>
<td style="width: 32.5469px;">2019</td>
<td style="width: 30.5312px;">2020</td>
<td style="width: 43.6797px;">Total</td>
<td style="width: 21.4453px;">Crescimento anual médio</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 42.6641px;">STJ</td>
<td style="width: 18.3906px;">392</td>
<td style="width: 30.5312px;">380</td>
<td style="width: 30.5312px;">405</td>
<td style="width: 30.5312px;">539</td>
<td style="width: 30.5312px;">456</td>
<td style="width: 31.5391px;">563</td>
<td style="width: 31.5391px;">560</td>
<td style="width: 31.5391px;">675</td>
<td style="width: 30.5312px;">717</td>
<td style="width: 32.5469px;">919</td>
<td style="width: 30.5312px;">795</td>
<td style="width: 43.6797px;">6.401</td>
<td style="width: 21.4453px;">9,35%</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 42.6641px;">STF</td>
<td style="width: 18.3906px;">51</td>
<td style="width: 30.5312px;">60</td>
<td style="width: 30.5312px;">92</td>
<td style="width: 30.5312px;">94</td>
<td style="width: 30.5312px;">95</td>
<td style="width: 31.5391px;">86</td>
<td style="width: 31.5391px;">101</td>
<td style="width: 31.5391px;">154</td>
<td style="width: 30.5312px;">162</td>
<td style="width: 32.5469px;">197</td>
<td style="width: 30.5312px;">230</td>
<td style="width: 43.6797px;">1.322</td>
<td style="width: 21.4453px;">31,91%</td>
</tr>
<tr>
<td style="width: 42.6641px;">TJSP
(2º grau)</td>
<td style="width: 18.3906px;">14*</td>
<td style="width: 30.5312px;">2927*</td>
<td style="width: 30.5312px;">7.701</td>
<td style="width: 30.5312px;">10.856</td>
<td style="width: 30.5312px;">11.233</td>
<td style="width: 31.5391px;">25.916</td>
<td style="width: 31.5391px;">13.016</td>
<td style="width: 31.5391px;">16.220</td>
<td style="width: 30.5312px;">39.840</td>
<td style="width: 32.5469px;">69.717</td>
<td style="width: 30.5312px;">51.263</td>
<td style="width: 43.6797px;">245.762</td>
<td style="width: 21.4453px;">62,85%</td>
</tr>
</tbody>
</table>
Mas “menos é mais” e esse crescimento do número de ACPs não necessariamente implica maior tutela dos direitos coletivos e difusos, podendo sinalizar justamente o contrário, diante da possibilidade de diferentes decisões judiciais sobre o mesmo tema. Essa é justamente a tese desenvolvida por Flavianne Nobrega, que defende que a atuação atomizada de membros do MP enfraquecem o órgão do ponto de vista institucional.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Por isso mesmo, o MP deve fazer esforço institucional de maior coordenação entre os promotores a fim de evitar o ajuizamento de ACPs idênticas em vários estados e, às vezes, no mesmo estado. Se há autonomia funcional, há também responsabilidade com segurança jurídica, previsibilidade e respeito ao orçamento público. Acredita-se inclusive que a decisão do STF sobre inconstitucionalidade do artigo 16 da LAC pode contribuir para maior racionalização do tema dentro do Ministério Público.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vale lembrar que aqui não foram incluídas as decisões monocráticas, em números muitas vezes maior, por conta de uma “poluição” maior nos dados dessa natureza, quando fazemos a busca manualmente. Os números acima mostram apenas as ações civis públicas julgadas em acórdãos.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NOBREGA, Flavianne. Entre o Brasil formal e o Brasil real: Ministério Público no Brasil, instituição para o fortalecimento do Estado de Direito?. Dissertação de Mestrado: <a href="https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/1906">https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/1906</a>

TJSP

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JOTA

Crescimento do número de ACPs não necessariamente implica maior tutela dos direitos coletivos e difusos

Ações civis públicas em números: um primeiro olhar

Crescimento do nº de ACPs (ação civil pública) não necessariamente implica maior tutela dos direitos coletivos e difusos