Opinião e Análise

Lyza Anzanello de Azevedo

Roberto Hermidas de Aragão Neto

As alterações trazidas pela<a href="https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/////_Ato2019-2022/2020/Lei/L14112.htm"> Lei 14.112/2020</a> na Lei de Recuperação Judicial (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm">Lei 11.101/2005</a>) tiveram significativa relevância no papel desempenhado pelos credores no processo de soerguimento, principalmente pela possibilidade de apresentação de um plano alternativo, sem a necessidade de concordância do devedor com seus termos, desde que cumpridas as exigências elencadas no art. 56, § 6º, da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-recuperacao-e-falencias">Lei de Recuperação de Empresas e Falência</a>.
Nesse contexto, “a submissão de uma empresa ao processo de recuperação judicial conduz à perda relativa de poder por parte dos sócios e, simultaneamente, ao aumento de poder dos credores” [3], mas, ao mesmo tempo, há uma grande assimetria informacional entre os credores e a recuperanda[4], bem como uma heterogeneidade de preferências dentro das classes de credores estabelecidas no art. 41 da LRF[5].
Portanto, em que pese estudos apontarem que nos processos recuperacionais a maioria dos credores acabavam por não participar efetivamente das negociações, sendo persuadidos pelos próprios interesses da recuperanda e de uma pequena parcela de credores a aprovar um plano que não necessariamente seria satisfatório para eles[6], verifica-se que, em regra, os credores almejam maximizar seus retornos na busca pela satisfação de seus créditos [7].
Nesse sentido, mostra-se relevante o estudo sobre a tomada de decisão dos credores na aprovação do Plano de Recuperação Judicial, como a proposta de aplicação da Teoria dos Jogos apresentada por Marlon Tomazette[8] e Eduardo Goulart Pimenta[9].
No modelo proposto pelos aludidos autores, o jogo é a situação de crise econômico-financeira da empresa, os jogadores são os diversos credores (como empregados, fornecedores e investidores) e as estratégias são a possibilidade ou não de apoiar o plano apresentado pela recuperanda, em que o objetivo da empresa é convencer os grupos de interesse de que os ganhos futuros com a manutenção da atividade compensam a perda de parte dos créditos pré-existentes.
No entanto, um fator determinante não contemplado por Pimenta e Tomazette é a paciência dos credores para receber os benefícios futuros decorrentes da relação com a empresa em recuperação. Com efeito, de nada adianta a empresa convencer os seus credores de que os benefícios de longo prazo são maiores que os de curto prazo se os credores não estão dispostos a esperar o futuro para atingir os seus objetivos financeiros.
Para ilustrar isso e avaliar o impacto da paciência dos credores na decisão de aprovar ou não o Plano de Recuperação Judicial, podemos introduzir na análise o conceito de fator de desconto intertemporal, bastante utilizado na literatura econômica. Trata-se de um valor entre zero e um que desconta o payoff dos jogadores a cada rodada do jogo, de modo que, para uma mesma combinação de estratégias, o payoff obtido por um jogador será sempre menor do que o recebido na rodada anterior.
Por exemplo, suponha que o credor seja um fornecedor e o seu fator de desconto intertemporal seja 0,1 e o payoff recebido por ele, decorrente da manutenção da relação comercial com a empresa, seja 100. Nesse sentido, se o credor também mantiver a relação comercial na rodada seguinte, o payoff dele nessa rodada será 100 x 0,1 = 10, e na rodada posterior a esta será 10 x 0,1 = 1, e assim por diante…
Vale ressaltar que o fator de desconto intertemporal não se confunde com taxa de juros ou inflação, pois consiste na verdade em uma medida subjetiva de quanto o jogador valoriza o presente em detrimento do futuro. Para simplificar o termo e evitar essa confusão, podemos chamar o fator de desconto intertemporal de taxa de paciência, ou simplesmente de P.
Definida a taxa de paciência, vamos chamar de DI a dívida integral que a empresa tem com o credor e de DR o valor da dívida renegociada após a recuperação judicial. Ademais, denominamos de B o valor do benefício recebido a cada período pelo credor decorrente da relação comercial com a empresa. Tal valor B é recebido todo mês (rodada do jogo) pelo credor, enquanto a relação comercial for mantida.
Nesse modelo, o payoff do credor, caso a recuperação judicial não seja aprovada, será apenas DI (supondo que a empresa terá ativo suficiente para pagá-lo).
Caso a recuperação seja aprovada, o payoff do credor levará em conta não apenas a dívida renegociada (DR), mas também o benefício decorrente da manutenção da relação com a empresa (B) recebido em cada período. Todavia, conforme exemplificado, esse benefício será descontado da taxa de paciência (P) no tempo, de modo que o credor receberá B no primeiro período, P x B no segundo, P x P x B no terceiro, e assim sucessivamente (lembrando que P é um valor entre zero e um). Dessa forma, o payoff total do credor, em caso de aprovação da recuperação judicial, será DR + B/ (1 - P)[10].
Ora, a recuperação judicial somente será vantajosa para o credor se o payoff recebido em caso de aprovação for maior ou igual ao recebido em caso de não aprovação. Entretanto, perceba que isso acontece apenas se a seguinte condição for satisfeita: P &gt; 1 - B/ (DI - DR).
Tal condição nos mostra que não basta comparar os ganhos de longo prazo com os ganhos de curto prazo para que um plano de recuperação judicial seja aprovado, sendo necessário também estudar os fatores que influenciam a taxa de paciência dos credores da recuperanda, sob pena de que a referida condição não seja satisfeita, por maiores que sejam os ganhos de longo prazo. A questão é: que fatores são esses?
Nesse aspecto, há que se considerar as diferenças nas perspectivas de cada um dos credores que possuem interesses e realidades diversas e, ao que se observa, a taxa de paciência tem um valor maior ou menor a depender do tipo de credor e suas condições socioeconômicas.
Isso porque os investidores estão mais atrelados às perdas de oportunidades de aplicação de seus créditos em projetos mais rentáveis no presente, correndo o risco de não receberem nada em uma possível convolação em falência, ou de ter que aguardar os prazos de recebimento previstos no plano, com um considerável deságio, o que indica uma taxa de paciência menor dentro do modelo de ganhos futuros versus perdas dos créditos pré-existentes.
Já o trabalhador tem como benefício a manutenção de seu posto de emprego (salário) – e por vezes pode não encontrar com facilidade opções similares no mercado –, além de ter posição prioritária no recebimento dos seus créditos frente aos demais credores, tendendo a possuir uma taxa de paciência maior com o plano de recuperação.
Por sua vez, o fornecedor terá que sopesar uma variedade de fatores como: o valor do crédito e o impacto no seu fluxo de caixa (é possível continuar operando sem receber o crédito?), o qual é influenciado por seu próprio tamanho e relevância no mercado; bem como a representatividade da recuperanda no seu portifólio de clientes, pois muitas vezes a empresa em recuperação é a maior consumidora dos produtos do credor e sua falência pode representar a própria impossibilidade de manutenção da credora.
Assim, ainda que o modelo com taxa de paciência discutido seja um tanto simplificado por representar apenas a decisão individual do credor e não da classe, verifica-se que ele destaca um aspecto que não é desconsiderado pelos credores no momento da votação do plano de recuperação judicial apresentado pela empresa em soerguimento, e merece, portanto, a investigação de quem trabalha com recuperação judicial.
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BAROSSI FILHO, Milton. As assembleias de credores e plano de recuperação de empresas: uma visão em teoria dos jogos. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, v. 54, n. 137, p. 233-238, 2005.
BRAGANÇA, Gabriel José de Orleans; LAVRADOR, João Guilherme V.; e CAMPOS, Wilson Cunha. O Plano de Recuperação Judicial Apresentado pelos Credores: Reflexões Sobre Procedimento e seus Impactos Negociais. In: Recuperação Judicial e Falência Atualizações da Lei n. 14.112/2020 à Lei 11.101/2005: Estudos da Comissão Especial de Falência e Recuperações Judiciais da OAB/SP. Oreste Nestor de Souza Laspro e Gilberto Giansante (Coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 83-103.
CELIDONIO, Luciana; GARCIA, Rodrigo Saraiva Porto. A Ilusão da Responsabilidade Limitada e o Problema dos Créditos Trabalhistas na Recuperação Judicial. In: Recuperação Judicial e Falência: Evidência Empíricas. Coord. Marcelo Barbosa Sacramone, Marcelo Guedes Nunes e Rodrigo D`Orio Dantas. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022. p. 257-283.
MATTOS, Eduardo da Silva; PROENÇA, José Marcelo Martins. Recuperação de Empresas: Curso Avançado em Direito Economia e Finanças. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.
MENEZES, Maurício Moreira Mendonça de. O Poder de Controle nas Companhias em Recuperação Judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito, Economia e Crise na Empresa. Belo Horizonte: Expert Editora, 2020.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. v.3. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2024.
[3] CELIDONIO e GARCIA, 2022. p. 259.
[4] A esse respeito, vide: MENEZES, Maurício Moreira Mendonça de. O Poder de Controle nas Companhias em Recuperação Judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
[5]"Os critérios adotados para a constituição das assembleias de credores apresentam um desvio de consistência que podem levar à formação de grupos com preferências internas heterogêneas" (BAROSSI-FILHO, 2005. p. 233-234).
[6] BRAGANÇA; LAVRADOR e CAMPOS, 2021.
[7] Aqui está indiretamente incluído o problema da ação coletiva e do próprio common pool of assets, porquanto “por mais que a cooperação entre credores e devedor seja economicamente a melhor saída coletiva – ao potencialmente maximizar o valor a ser recebido pela coletividade -, os incentivos existentes para os credores individualmente considerados permitem comportamentos oportunistas e auto interessados” (MATTOS e PROENÇA, 2023, p. 77).
[8] TOMAZETTE, 2024.
[9] PIMENTA, 2020.
[10] Vale explicar que o último termo dessa expressão é a soma de uma progressão geométrica infinita, em que o primeiro elemento é B e a razão da progressão é P.

recuperação judicial taxa dos credores

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JOTA

Uma análise da recuperação judicial a partir da Teoria dos Jogos

A taxa de paciência dos credores

Uma análise da recuperação judicial a partir da Teoria dos Jogos