Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Maria Carolina França

Hugo Crema

A Secretaria Nacional do Consumidor (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senacon">Senacon</a>) anunciou, em 19 de maio, a instauração de investigação de eventuais aumentos abusivos na taxa de intercâmbio cobrada pela Mastercard Brasil (Mastercard) na utilização de cartões de crédito e débito. A investigação foi motivada por denúncia da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Em nota informativa, a Senacon explicou que busca apurar se houve aumento abusivo de preço sem justa causa pela Mastercard. A secretaria apontou que, mesmo quando instada, a referida administradora de cartões não apresentou planilha de custos que justificasse o aumento repentino de preços.
A nota menciona ainda o caso britânico, em que mais de cem mil empresas já acionaram judicialmente as operadoras Visa e Mastercard, por aumento abusivo da taxa de intercâmbio, com base na posição dominantes desses operadores no mercado de pagamentos do Reino Unido.
Em artigo publicado por Cleveland Prates, o respeitável economista defende que a referida investigação da Senacon em face da Mastercard poderia causar prejuízos ao consumidor <a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Seus argumentos merecem ser ouvidos e debatidos.
Cleveland tem razão de que muitas vezes órgãos de defesa do consumidor intervêm no mercado causando prejuízos aos próprios consumidores (no agregado). Ele também tem razão ao defender que a Política Nacional das Relações de Consumo, pela qual a Senacon é responsável, deve ser baseada em evidências — e respeitar a Lei de Liberdade Econômica (acréscimo nosso).
Cleveland sugere que a atuação da Senacon, nesse caso, equivaleria ao controle de preços no mercado, o que poderia gerar ineficiências. De fato, qualquer tentativa estatal de controle de preços tende a causar externalidades negativas superiores às positivas. No entanto, a atuação da Senacon, nesse caso concreto, não busca controlar preços, mas investigar e, se for o caso, coibir, nos termos do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, práticas abusivas de player dominante no mercado de meios de pagamento.
Conforme salientado pelo Guia de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços, publicado pela Senacon em março de 2022,
“O Basil tem uma economia de mercado caracterizada pela livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor, com base nos princípios da ordem econômica fixados na Constituição Federal. Isso significa que a livre estipulação de preços pelos fornecedores é a regra. Apenas, quando existem indícios de comportamentos abusivos, os órgãos de defesa do consumidor passam à atuação fiscalizatória” <a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Assim, fica claro que a investigação iniciada pela Senacon não importa, necessariamente, intervencionismo ou dirigismo estatal sobre preços, mas na fiscalização, que lhe é cabível, diante dos indícios apresentados de comportamento abusivo praticado pela Mastercard.
Cumpre ressaltar que não se trata de qualquer agente econômico, mas de um dos principais players que, em conjunto com seu maior concorrente, detém quase a totalidade do mercado de meios de pagamento, mais especificamente, de bandeiras. Dessa forma, a atuação da Mastercard deve ser analisada com cautela pelas autoridades competentes, para que não haja redução do bem-estar dos consumidores que, no caso em tela, representa parcela muito significativa da população brasileira.
Além disso, o argumento utilizado por Cleveland de que a atuação do Banco Central — na regulação do mercado — e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) — na análise, por exemplo, de eventuais abusos de posição dominante – teriam impacto mais significativo para o consumidor do que a atuação da Senacon, propriamente dita, não tem respaldo em pesquisa empírica ou de análise de dados. Isso depende de como se dá a atuação do órgão na prática e o autor tem razão em sugerir que Bacen e Cade costumam atuar de forma mais técnica que a Senacon, mas naturalmente o mandato de defesa dos consumidores é dessa última.
Cleveland ainda aponta que a intervenção estatal em mercados de dois lados “pode ser desastrosa e gerar efeitos contrários aos pretendidos”. Sem dúvida, como temos defendido, abusos regulatórios devem ser evitados e combatidos – conforme, inclusive, vem sendo feito brilhantemente pela SEAE/ME no âmbito do Programa FIARC. Todavia, não se pode deixar de aplicar a legislação consumerista, que é clara quanto a práticas abusivas, sob o argumento de possíveis externalidades negativas decorrentes da atuação estatal. A regulação econômica existe exatamente para impor limites quando os agentes de mercado atuam de forma abusiva, independentemente de serem mercados de dois lados ou não. De novo, o problema é de execução.
Por fim, diferentemente do alegado por Cleveland, o aumento da taxa de intercâmbio aplicado pela Mastercard tem como consequência o aumento no preço dos produtos vendidos pelos comerciantes, causando prejuízos ao consumidor. Diante de um quadro inflacionário agudo e após severa crise decorrente da pandemia do Covid-19, as empresas brasileiras são forçadas a repassar aumentos de custo diretamente ao consumidor final. Fica evidente, portanto, o potencial impacto do aumento de taxas promovido pela Mastercard sobre os consumidores.
Ademais, vale destacar que aumentos de preço sem justa causa afetam diretamente o consumidor final, independentemente do elo da cadeia produtiva em que ocorra, podendo acarretar graves consequências concorrenciais e consumeristas. Trata-se de fato bem documentado do ponto de vista jurídico e econômico <a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Como já salientado, o tema da investigação e sanção para aumentos abusivos de preço sem justa causa encontra respaldo no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 18 do Decreto 2181/1997, além do Guia de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços.
O Guia de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços traz um fluxograma da análise de aumentos de preços, que indica o papel da Senacon na fiscalização, mesmo em setores regulados. Segundo o documento, “considera-se aumento abusivo de preços a elevação, sem justa causa, do preço de produtos e serviços. A definição jurídica é aberta e depende de elementos econômicos. Os preços não podem ser arbitrários, leoninos ou abusivos”.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Em suma, na análise econômico-jurídica, deve-se avaliar se há racionalidade econômica para aumento de preços - verificando as causas dos aumentos constatados - ou simples oportunismo do agente econômico.
Conforme acima aventado, nos termos do princípio constitucional da livre iniciativa – artigo 170 da Constituição Federal –, os fornecedores podem estipular livremente os preços de produtos e serviços, não sendo considerada prática abusiva o aumento de preços justificado. No entanto, a Mastercard se recusa a apresentar qualquer racional jurídico-econômico para a nova taxa de intercâmbio aplicada, mesmo tendo recebido diversas solicitações para tanto.
O Brasil enfrenta um contexto sensível de pressões inflacionárias e volatilidade. Sendo assim, aumentos de preços sem justa causa podem ser investigados, na forma da lei, visando sempre a preservar e a proteger os consumidores, garantindo o aumento de seu bem-estar. E sempre baseado em evidências.
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<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="https://economia-uol-com-br.cdn.ampproject.org/c/s/economia.uol.com.br/colunas/cleveland-prates/2022/06/02/investigacao-da-mastercard-a-pedido-da-abras-pode-prejudicar-consumidor.amp.htm">https://economia-uol-com-br.cdn.ampproject.org/c/s/economia.uol.com.br/colunas/cleveland-prates/2022/06/02/investigacao-da-mastercard-a-pedido-da-abras-pode-prejudicar-consumidor.amp.htm</a>.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/Guia_de_pre%C3%A7os_abusivos_v9.pdf">https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/Guia_de_pre%C3%A7os_abusivos_v9.pdf</a>, p. 4.</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Vide, por exemplo o Price Gouging Statute section 396-r of the New York General Business Law (GBL) publicado no Estado de Nova York, EUA, em 2020: <a href="https://www.nysenate.gov/legislation/laws/GBS/396-R">https://www.nysenate.gov/legislation/laws/GBS/396-R</a> [Acesso em 07/06/2022]</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation"><a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/Guia_de_pre%C3%A7os_abusivos_v9.pdf">https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/Guia_de_pre%C3%A7os_abusivos_v9.pdf</a>, p.5.</blockquote>

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JOTA

Aumentos de preços sem justa causa podem ser investigados, na forma da lei, visando sempre a preservar e a proteger os consumidores

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