
Sem aprofundar as motivações eleitorais, o apelo de políticos experimentados para que Lula evite a pauta de costumes durante a campanha revela a fragilidade do Brasil em debater com efetividade uma agenda representativa, a despeito do crescente interesse do eleitorado, sobretudo mais jovem.
É sintoma do mesmo problema a profunda desigualdade racial e de gênero nos espaços de poder, materializado de forma mais recente em duas fotografias protagonizadas pelo petista: a reunião com a cúpula do PSB, em São Paulo, que selou a indicação formal para Geraldo Alckmin integrar a chapa, na semana passada, além do jantar oferecido em Brasília, na segunda-feira (11), pelo ex-presidente do Senado Eunício Oliveira. Dos 37 convidados, apenas três eram políticas mulheres. A ocasião também foi marcada pela articulação de lideranças regionais do MDB, embora minoritárias no partido, na contramão da candidatura presidencial da própria legenda, da senadora Simone Tebet.
No entorno da campanha da única mulher no pleito, há uma pertinente reflexão sobre os efeitos do que seria um confinamento da agenda identitária no país por partidos de esquerda. O que o monopólio do tema representou em termos de política pública e divisão igualitária nos espaços de tomada de decisão?
“É preciso dissociar uma pauta progressista da populista. Chega na campanha e as mulheres são usadas como totem. Mas, antes disso, fica claro que não há sequer respeito às normas na direção de mais participação feminina na política”, pondera a economista da pré-candidatura de Tebet, Elena Landau, citando ainda ataques misóginos disparados contra figuras como a ex-presidente Dilma Rousseff e a deputada federal Tabata Amaral.
A rotina de negociações no Congresso oferece ainda um outro elemento de provocação, relacionado à dificuldade enfrentada por parlamentares mulheres de partidos de centro em buscar consenso, com o campo da esquerda, sobre projetos que interessam como um todo à bancada feminina. Um exemplo é a aprovação da PEC18/21, que constitucionaliza a exigência de aplicação de recursos para estimular o ingresso feminino na política. A aprovação do texto na Câmara, no mês passado, contou com a orientação contrária do PSOL, sob o argumento de que o texto também prevê uma espécie de anistia aos partidos que não cumpriram as regras antes da promulgação da medida.
“Nos momentos de discussões políticas de alto nível as mulheres estão em postos como militância e filiação. Não ocupam espaço de decisão. O efeito disso é que não ganhamos protagonismo porque não estamos na agenda, e isso se retroalimenta”, ressalta a relatora do texto, deputada Margarete Coelho (PP-PI).
Se a democracia é a busca pela maioria, a lógica de que o bom é inimigo do ótimo é uma forma de retardar avanços estruturais. Em um ambiente machista e masculino como a política, o caminho para a mitigação da desigualdade de gênero é pela via suprapartidária.
Caso contrário, o timing do debate de questões que dizem respeito a nós, mulheres, seguirá verbalizado por velhos oligarcas que detêm a hegemonia do poder. Ou silenciado.