Opinião e Análise

José David

Mais um ano caminha para o fim e naturalmente, projeções passam a ser estruturadas para o exercício seguinte. É da natureza humana o instinto de preparação e planejamento, ainda que parcela, pequena ou substancial, das previsões não se concretize de fato. Porém, no pujante ambiente de negócios brasileiro, uma mínima previsibilidade é necessária para a realização do planejamento estratégico para 2023, e no segmento do agronegócio não seria diferente.
Alguns números projetados para a safra 2022/2023 são promissores. Estimativas do Rabobank<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> indicam: (i) aumento de 4% da área plantada de soja, com produção estimada em aproximadamente 149 milhões de toneladas; (ii) crescimento de 4,6% da área plantada de milho, atingindo 126 milhões de toneladas de produção ao final da safra atual; (iii) aumento da oferta de carne bovina por conta da inversão do ciclo pecuário, favorecendo o consumo doméstico e abastecendo os grandes importadores, como a China; (iv) crescimento de 15% na produção de algodão, com 1,6% de aumento da área plantada; (v) moagem de 575 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no centro-sul, com perspectiva de foco na produção de açúcar em função das imprevisibilidades, especialmente as de natureza tributária, relacionadas ao etanol; e (vi) preços oscilantes no suco de laranja, em função da dicotomia estoques baixos com demanda afetada pela inflação. Concretizadas tais projeções, será mais uma safra com indicadores robustos.
Apesar das previsões otimistas, o cenário macroeconômico é complexo. Algumas cadeias, como as de insumos de produção, ainda sentem os efeitos decorrentes da quebra da oferta no período pandêmico e do conflito militar que afeta a Ucrânia, o que aumenta de forma quase imprevisível os custos do produtor. Esse aperto já se reflete em algumas culturas e setores, como na suinocultura, afetando diretamente os resultados de companhias de capital aberto atuantes no setor, conforme os resultados relativos ao 3º trimestre recentemente divulgados – e que capturam os números do início da safra. A complexidade do cenário demanda cautela.
Some-se a isso pressões inflacionárias em escala global e tensões geopolíticas desafiadoras, especialmente no descontentamento popular no Irã, no tênue equilíbrio nas relações China-Taiwan e nos arroubos militares da Coreia do Norte, que afetam toda a região, além de focos de tensão na África e na América Central. Há expectativa de novos aumentos dos juros básicos nas economias desenvolvidas, especialmente nos Estados Unidos, o que deve atrair fluxo de capital e depreciar o câmbio em economias emergentes, como a brasileira. Isso favorece os exportadores, mas gera inflação doméstica e aumento dos custos de produção.
No Brasil, a instabilidade fiscal decorrente de gastos e estímulos sem limites claros e contrapartida em corte de despesas pode gerar aumento do risco e uma debandada de capital estrangeiro, num contexto já desafiador de juros elevados, aqui e no exterior, e retração nos investimentos domésticos. Esse conjunto de fatores pode desaguar em um cenário de estagflação, com juros elevados e inflação descontrolada, com câmbio depreciado e sérias dificuldades, especialmente dos mais pobres, em consumir e girar a economia. Nesse contexto, tanto o mercado brasileiro quanto as exportações do País poderão sofrer as consequências de queda do poder de compra da população, o que afeta diretamente alguns setores do agronegócio.
No âmbito jurídico, alguns dos processos mais relevantes e com alto potencial de impacto para o setor podem ser colocados em pauta de julgamento no Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>). Nesse rol se destacam os Leading Cases referentes ao marco temporal para demarcação de terras indígenas (<a href="http://chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=749577852">Recurso Extraordinário 1.017.365</a>), à aquisição de terras por empresas nacionais com capital estrangeiro (Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental 342), à constitucionalidade das desonerações fiscais do ICMS e do IPI para defensivos agrícolas (Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.553) e à constitucionalidade da Lei de Biossegurança (Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.526). São matérias com enorme impacto sobre o agronegócio nacional e podem, a depender do conteúdo do julgamento e de eventual modulação de efeitos, afetar diretamente a atividade e suas margens.
O futuro, porém, é logo ali. Decisões relevantes para o setor podem ocorrer já em dezembro, impactando diretamente o planejamento para o próximo ano e influenciando, a depender dos efeitos e do conteúdo das decisões, as diretrizes da safra 2022/2023. Estão na pauta de dezembro do STF as análises sobre potencial bitributação relativa ao recolhimento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cofins">COFINS</a>) e a Contribuição devida à Seguridade Social no campo pelas pessoas física e jurídica e pelas agroindústrias, conhecida como <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/funrural">FUNRURAL</a>, além da hipótese de sub-rogação (Recurso Extraordinário 611.601, Recurso Extraordinário 700.922 e Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.395). Na pauta, também, a constitucionalidade da incidência de contribuição recolhida sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção rural ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senar">SENAR</a>) (Recurso Extraordinário 816.830).
No campo político, ainda bastante incerto, fica a dúvida acerca das nomeações de Ministros de Estado, especialmente no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mapa">MAPA</a>), assim como eventual segregação da pasta e recriação do Ministério de Desenvolvimento Agrário (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mda">MDA</a>). É fato, contudo, que haverá um bloco atuante da Frente Parlamentar da Agropecuária (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fpa">FPA</a>) no Congresso Nacional. Resta saber se prevalecerão as negociações entre Poder Executivo e os partidos representados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ou se as bancadas temáticas, dentre as quais a FPA, conseguirão sobrepor a defesa das pautas do agronegócio aos encaminhamentos de voto dos partidos que porventura venham a compor a base governista.
Ademais, vale destacar as novas investidas dos governantes estaduais sobre o setor, com a criação das polêmicas e altamente questionáveis, do ponto de vista constitucional e até moral, contribuições para fundos locais voltados à infraestrutura. Nos moldes do sul-mato-grossense Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário (Fundersul) e do mato-grossense Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), o Estado de Goiás instituiu o Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra), que estabelece contribuição de 1,65% sobre o valor de venda de algumas mercadorias agrícolas, como milho, soja e cana-de-açúcar, dentre outras, como condição para a fruição de incentivos fiscais, regimes especiais de exportação e determinadas hipóteses de substituição tributária do ICMS. O Estado do Paraná tentou algo parecido, com a apresentação de projeto de lei que instituiria o Fundo de Desenvolvimento da. Infraestrutura Logística do Estado do Paraná (FDI/PR), porém após forte resistência houve desistência da iniciativa, ao menos por ora. Tais contribuições, contudo, afora sua patente inconstitucionalidade, geram insegurança jurídica, desestabilizam planejamentos e elevam a carga tributária do setor sem qualquer sinal de corte de despesas em um Estado inchado, o que seria o mais razoável a ser feito.
Nesse contexto, o que se depreende do cenário para o agronegócio em 2023 é que apesar da produção crescente, do aumento da produtividade e dos preços da maioria das commodities ainda atrativos, há uma nuvem de incertezas econômicas, jurídicas e políticas no horizonte, cujos reflexos podem – ou não – afetar o setor no ano que se aproxima. Assim, mostra-se fundamental (i) a instituição de mecanismos de proteção, especialmente em função de eventuais oscilações relevantes do câmbio e dos custos de produção; (ii) o controle dos custos na vírgula, sob pena de descontrole do orçamento; (iii) a análise atenta aos andamentos dos julgamentos mais relevantes já pautados e os que possam vir a sê-lo; e (iv) a atuação contínua e persistente das entidades representativas e de defesa do setor, a fim de que iniciativas heterodoxas e oportunistas que possam impactar de forma negativa, direta ou indiretamente, o setor sejam contornadas em seu nascedouro.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Estudo “Perspectivas para o Agro brasileiro em 2023”.

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JOTA

Apesar de estimativas promissoras para a safra 2022/2023, a complexidade do cenário do agro demanda cautela

Perspectivas e planejamento para o agronegócio em 2023

Apesar de estimativas promissoras para a safra 2022/2023, a complexidade do cenário do agronegócio demanda cautela.