Opinião e Análise

José David

O Brasil é um país de dimensões continentais, com enorme potencial produtivo e desafios logísticos em igual proporção. Décadas de falta de planejamento e ausência de políticas públicas eficazes geraram um apagão na infraestrutura brasileira, que não acompanhou o desenvolvimento do agronegócio nacional e resultou em um enorme problema para o escoamento da produção nacional.  
Estradas precárias, sucateamento das ferrovias – quando elas existem – e aposta constante em modais caros e ineficientes para transporte da produção geraram um enorme gargalo para o escoamento dos grãos, crias e derivados que tornaram o Brasil uma potência mundial da agropecuária. O curioso é que, mesmo nesse cenário, ainda somos bastante competitivos no mercado mundial – os números falam por si.  
A ausência de políticas públicas e o adequado planejamento também resvalam em questões dentro da porteira. Com produções recordes, fomentadas pelo constante aumento da produtividade, e as já conhecidas deficiências logísticas, o escoamento da produção crescente se tornou um problema sério para o produtor rural. As oscilações de preços das commodities no mercado mundial também favorecem um descasamento entre colheita, comercialização e entrega do produto, reforçando a necessidade de construção de sistemas de armazenamento eficientes, que estoquem a produção e conservem adequadamente a mercadoria.  
Nesse cenário, em que produção recorde e modelos de escoamento não se entendem, a defasagem do sistema de armazenagem gera uma enorme dor de cabeça aos produtores, uma vez que a mercadoria não pode esperar – é necessário colher no momento certo – e as condições de mercado, somadas à infraestrutura precária, fazem com que aumente o risco de perecimento da produção antes mesmo que seja encaminhada ao destinatário final. Políticas de fomento ao investimento nos sistemas de armazenamento seriam muito bem-vindas no Brasil, porém o cenário é desafiador.  
Após uma safra 2022/2023 de grãos calculada em 317 milhões de toneladas, estima-se que o déficit de sistemas de armazenagem no país já atinja 118 milhões de toneladas, de acordo com estudos conduzidos pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. Ao passo que a produção média cresce a 9 milhões de toneladas/ano no Brasil, a oferta da capacidade dos sistemas de armazenagem cresce apenas metade disso, ou seja, 4,5 milhões de toneladas/ano, aumentando ainda mais o fosso que separa nossa produção e a necessidade de espaços adequados para armazenamento das mercadorias e produtos colhidos.   
O Estado brasileiro possui ativo um programa de estímulo à construção de sistemas de armazenagem, o Programa Nacional de Construção de Armazéns (PCA). Esse programa, financiado por recursos federais, não dá conta da necessidade do Brasil de investimento no setor. Dados do Plano Safra 2023/2024 indicam que aproximadamente R$ 6,6 bilhões devem ser destinados para o financiamento da construção de armazéns no âmbito do PCA, valor menor do que a metade da necessidade do país, estimada pela Abimaq em R$ 15 bilhões em investimentos, ano após ano, para que a produção agrícola possa ser devida e adequadamente armazenada no país. Um desafio gigantesco, que demanda a participação da iniciativa privada para fechar a conta. Aqui, um enorme desafio e uma imensa oportunidades para empresas do setor, que por ora não são muitas.   
No Brasil, o sistema de armazenagem de produtos agropecuários é regido pelas disposições da Lei 9.973/2000 e, em âmbito infralegal, pela regulamentação do Decreto 3.855/2001 e pelo conteúdo da Instrução Normativa 29/2011, do Ministério da Agricultura e Pecuária. Em síntese, essas normas definem as condições técnicas e operacionais necessárias para qualificação dos armazéns voltados à guarda e conservação de produtos agropecuários. Todos os requisitos devem ser cumpridos, envolvendo cadastramento, localização e sistemas internos (por exemplo, de pesagem, limpeza e secagem), a fim de que seja obtida a certificação de armazenamento dos produtos em questão.  
Assim, o armazenamento de produtos agropecuários conforme as normas brasileiras não apenas regulariza os espaços voltados para a guarda da produção como, também, assegura que os produtos em questão estão estocados de forma a não sofrerem com os efeitos do armazenamento inadequado, que deprecia as mercadorias e reduz seu valor de comercialização, prejudicando diretamente o produtor rural e reduzindo suas já apertadas margens financeiras.   
Um cenário de queda de preços das principais commodities exportadas pelo Brasil torna o cálculo ainda mais dramático para o produtor rural, uma vez que este fica entre a cruz e a espada – vender a produção a preços baixos ou segurar as mercadorias para venda em um momento mais interessante, antes da segunda safra, com eventuais custos de seguro, e não ter onde estocar adequadamente a produção? Uma escolha difícil e que custa dinheiro.  
Sob o ponto de vista técnico, a armazenagem, especialmente de grãos, pode ser realizada em diferentes tipos de silos, dentre os quais os de espera, que recebem os grãos ainda úmidos; os secadores, que estabilizam a umidade dos grãos através de sistemas de ventilação e aquecimento próprios; e os de expedição, que recebem os grãos e facilitam o processo de carga dos veículos de transporte.   
Quase todos esses modelos são, em sua maioria, construídos em estruturas metálicas, porém a ausência de espaço e sistemas adequados de armazenagem têm feito com que os produtores brasileiros optem mais recentemente por silos de bolsa ou silos-bags, que devem receber apenas grãos secos. Embora bem mais baratos do que os metálicos em termos de instalação, expõem a produção a maior risco, já que estão mais suscetíveis a pragas e ataques de animais.   
Um ponto de atenção para os sistemas de armazenagem é o risco inerente às estruturas. Nelas, os grãos podem soltar partículas de pó que, confinadas em espaços fechados, podem dar ensejo a explosões se colocados em contato com algum evento de ignição, como faíscas e chama de solda, muito comuns em manutenções preventivas dessas estruturas. Nesse sentido, a tragédia ocorrida há poucas semanas na C.Vale, uma das maiores cooperativas do Brasil, expõe os riscos inerentes à atividade de armazenamento da produção agrícola, cujas soluções e medidas de prevenção, tais como instalação de exaustores e captadores de ar, são caras e pouco acessíveis ao grosso dos produtores rurais no Brasil.  
Afora as deficiências dos sistemas de armazenamento de grãos no Brasil e seus inúmeros desafios e riscos operacionais, há enormes oportunidades para desenvolvimento de estruturas e do mercado de armazenagem no país. Veículos de investimento no setor via mercado de capitais, como os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), prestes a serem regulamentados de forma definitiva pela Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>), e os próprios Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs), que já apresentam opções de aportes em logística do agronegócio na B3, podem alavancar o investimento em sistemas de armazenagem agropecuária no país, preenchendo uma lacuna existente há décadas e que tende a continuar presente enquanto o investimento em estruturas não acompanhar o crescimento da produtividade no Brasil. 
Assim, verifica-se que o Brasil, inobstante sua produção recorde e os portentosos ganhos de produtividade agrícola obtidos nas últimas décadas, não planejou adequadamente a rede logística, de infraestrutura e os sistemas de armazenamento que pudessem dar suporte ao crescimento da produção, comercialização e exportação dos grãos produzidos no país. Essa falta de planejamento, aliada a um agronegócio ainda muito dependente de estímulos estatais para financiamento do setor e de suas necessidades, faz com que o Brasil perca competitividade no mercado global, encarecendo os custos de escoamento e armazenagem e comprimindo as margens do produtor rural. Nesse cenário, a iniciativa privada, em conjunto com o desenvolvimento do mercado de capitais, pode fornecer o funding necessário para equalização das necessidades de armazéns e estruturas de apoio que o agronegócio brasileiro tanto precisa.

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JOTA

Iniciativa privada pode fornecer funding necessário para o agronegócio equalizar necessidade de armazéns

Desafios e oportunidades para armazenagem de grãos

Afora as deficiências dos sistemas de armazenamento de grãos no Brasil, há oportunidades para desenvolvimento do mercado de armazenagem