Opinião e Análise

José David

O mundo sabe que o Brasil é uma grande potência agrícola, líder de produção em variadas culturas e rebanhos e estratégico exportador para nações de todo o planeta. O mundo também sabe que a China é uma relevante adquirente da produção agropecuária brasileira, em função de sua enorme população, crescimento vigoroso, aumento exponencial da classe consumidora e dificuldades na produção de determinadas e importantes commodities. 
O que o mundo já sabe, mas o Brasil finge não saber, é que os compradores da nossa produção, em especial a China, têm se movimentado para reduzir, no longo prazo, a dependência da produção agrícola brasileira. Se nossa produção tende a crescer e nossa principal parceira comercial caminha para, eventualmente, reduzir as compras da nossa produção, como a conta fechará?
A China é, indiscutivelmente, o grande mercado para o agronegócio nacional. Somos os maiores fornecedores de soja e carne bovina para nosso parceiro comercial, além de sermos relevantes vendedores de milho e outras culturas. Há uma enorme simbiose entre Brasil e China, gerando oportunidades e dependências mútuas que tornam a relação entre os países estratégica e, em determinadas situações, tensionada.
Um bom exemplo dessa sintonia fina foi o mais recente embargo da carne bovina brasileira em função do gatilho automático do protocolo sanitário firmado entre os dois países, que determina a suspensão do comércio bilateral do produto na hipótese de confirmação de caso de “vaca louca” no Brasil – ainda que a causa seja atípica, decorrente da degeneração do animal em função da idade, e não adquirida através de transmissão entre o rebanho. 
Apesar de todas as evidências apontarem para uma causa não preocupante do ponto de vista sanitário, a China manteve a suspensão dos embarques de carne bovina por um período estendido, talvez por uma decisão muito mais política e comercial do que, propriamente, de defesa sanitária. Porém, o Brasil é um importante fornecedor de proteína animal para aquele país, pressionando a China a, pragmaticamente, reabrir os portos para satisfazer o mercado doméstico. Um claro exemplo de como um país depende, nesse quesito, do outro, já que o Brasil precisa vender, e a China precisa comprar.   
Uma característica relevante das grandes potências mundiais, tais como a China, é a de buscar sempre a autossuficiência em determinados aspectos, principalmente os relacionados a questões estratégicas, como a segurança alimentar. Os chineses, com seus 1,4 bilhão de habitantes e com uma classe média em franca ascensão, demandam uma quantidade enorme de alimentos para satisfazer seu povo e seus animais. Nesse contexto, a enorme dependência da China em relação à soja brasileira e à carne bovina, ao mesmo tempo que reforça os laços entre as nações, conflita com os interesses estratégicos daquele país, já que torna a China parcialmente dependente do Brasil, ao menos no quesito alimentação.
No campo geopolítico, é interessante observar que nenhum país deseja depender de outro em questões sensíveis, como alimentação e energia, por exemplo. Há casos aos montes na história de países que se viram reféns das circunstâncias ao depender de fornecedores externos sobre elementos estratégicos. O exemplo mais recente é a dependência energética da Europa em relação ao gás natural russo, que gerou um enorme desconforto no Ocidente a partir da iminência da guerra entre russos e ucranianos, com desdobramentos sociais e, principalmente, econômicos muito relevantes. Uma questão estratégica envolvendo um fornecedor pouco amigável de um suprimento fundamental. 
Pensando no contexto da autossuficiência de alimentos, a China tem investido fortemente na produção doméstica e no investimento em terras agricultáveis além de seus territórios. Há um fluxo relevante de capital chinês sendo direcionado à África para fins de produção agrícola e, logicamente, a exploração de recursos minerais, hidrológicos e da diversificação de fornecedores de alimentos para a futura maior economia do mundo. Sobre a questão, observando os passos chineses no rumo do aumento da segurança alimentar, e considerando que o Brasil é um importante parceiro da China no quesito de fornecimento de proteínas, fica a questão: o investimento chinês na África visando, principalmente, abertura e tratamento de terras agricultáveis, representa um risco estratégico para os produtores brasileiros? Com clima, solo e características parecidas com as brasileiras, poderia a África, sob patrocínio chinês, se tornar, no futuro, um relevante concorrente ao agronegócio brasileiro?
Ao se considerar que, sim, tais movimentos representam um risco estratégico ao produtor rural brasileiro, o que poderia ser feito para mitigar os riscos futuros? Pensando sob o enfoque comercial, é importante que o Brasil invista tempo, dinheiro e pragmatismo na abertura de novos corredores comerciais e mercados consumidores no mundo, para que não haja dependência exacerbada de um único ou poucos adquirentes relevantes da nossa produção. A negociação de novos acordos comerciais, sem vieses ideológicos, com o maior número possível de parceiros, seria um caminho interessante. 
Uma verdadeira política de Estado, e não de governo. No mais, é importante que o Brasil ofereça condições para que a produção nacional continue vigorosa e competitiva no mundo. Um exemplo claro do que poderia ser um tiro no pé é a reforma tributária tal como atualmente desenhada, que, apesar de muito importante para a modernização e desenvolvimento do país, no modelo atual prejudica a competitividade das cadeias produtivas agroindustriais na difícil competição travada com os nossos concorrentes.
Também sob o prisma estratégico e conjuntural, devemos refletir sobre as causas que levam os chineses a adquirir e investir em terras agricultáveis na África e não no Brasil. Seria nossa burocracia? Ou melhores oportunidades de preço e benefícios no continente africano? O <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136853">PL 2963/2019</a>, que regulamenta a venda de terras para estrangeiros, foi aprovado no Senado e aguarda análise pela Câmara dos Deputados. 
Colocadas as paixões de lado e assegurada a soberania nacional, será que não seria interessante abrir o mercado nacional de terras para estrangeiros poderem investir no país, mantendo o Brasil como grande celeiro do mundo e gerando divisas para o nosso país, ao invés de fomentarmos a busca por concorrência, já que grandes potências, como a China, buscarão a segurança alimentar de qualquer forma? São questões para refletirmos, sem juízo de valor, pensando no que seria o melhor para o Brasil, os brasileiros e visando nossa consolidação como grandes fornecedores de alimentos para o mundo no longo prazo.
Dessa forma, podemos entender os movimentos chineses como um recado: fazemos negócios com vocês, mas estamos buscando alternativas visando a consolidação do poder chinês no mundo e a busca por diversificação de fornecedores e segurança alimentar. Por outro lado, o Brasil continuará relevante sob o ponto de vista da produção agropecuária, conforme demonstram estudos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. 
Assim, é importante que o Brasil busque formas de consolidar sua posição como grande fornecedor de alimentos e commodities, mitigando riscos através de um trabalho minucioso, coordenado e estratégico que possibilite a abertura de novos mercados, o estreitamento de laços com os parceiros existentes e o desenvolvimento de mecanismos e políticas domésticas que atraiam investimento estrangeiro, sem que percamos nossa soberania e nosso soft power no mundo. Para que o agronegócio nacional continue pujante, é necessário que cresçamos e nos desenvolvamos, sempre ajustando a sintonia fina do relacionamento com a China, nosso parceiro comercial mais estratégico.

agricultura

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JOTA

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