Opinião e Análise

José David

O mercado de capitais brasileiro ainda se encontra em um nível muito abaixo do que poderia estar. Diferentes questões influenciam essa subutilização do mercado como fonte propulsora de financiamento e investimento privado, dentre as quais a cultura do brasileiro, ainda pouco afeita ao investimento de longo prazo e à busca de recursos no mercado; o aumento da complexidade de termos, aspectos tributários e análises, que confundem e amedrontam o poupador médio; a regulação e fiscalização das práticas de mercado ainda carentes de melhorias no país, dentre outros aspectos.
A subutilização das ferramentas e oportunidades de mercado afeta a todos os setores econômicos do país, pelos mais diferentes motivos. Com o agronegócio não é diferente. Apesar de ser um setor extremamente pujante para as contas do Brasil e para a geração de riqueza para a sociedade doméstica, é ainda um setor que, no geral, utiliza-se de meios bastante tradicionais e previsíveis para a obtenção de crédito, financiamento da produção e investimento no desenvolvimento de negócios.
Há exceções, claro, especialmente entre os grupos e famílias produtores de médio e grande porte, que se socorrem de instrumentos financeiros sofisticados e profissionais capacitados para planejamento e emissão de títulos e valores no mercado. Porém, no geral, por questões principalmente culturais e pelo conservadorismo exacerbado, os meios ditos tradicionais acabam sendo a opção na hora da captação de recursos e do investimento propriamente dito.
Não há nada de errado em utilizar as linhas de financiamento lastreadas em planos de produção governamentais. Tampouco há equívoco na busca por crédito em sólidas instituições financeiras que atuam no Brasil. Também não há problema na emissão de títulos conhecidos, como Cédula de Produto Rural (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CPR">CPRs</a>) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CRA">CRAs</a>), para financiamento da produção e da operação. O que se destaca, contudo, é que o mercado financeiro e de capitais é extenso, e vem ganhando enorme tração no Brasil nos últimos anos, dadas as condições e contextos macroeconômicos e regulatórios que favoreceram esse cenário. Por suas extensões e crescimentos constantes, fornecem alternativas atraentes aos produtores rurais interessados em buscar, no mercado, as soluções financeiras para crescimento de seus negócios.
Nessa linha, importantes inovações e modificações legislativas aumentaram as oportunidades de financiamento privado e investimento no setor mais dinâmico da economia nacional. Como exemplos, destacam-se a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13986.htm">Lei 13.986/2020</a>, denominada Lei do Agro, alterada e modernizada pela Lei 14.421/2022, que estabelece um marco regulatório no financiamento privado dos agronegócios no Brasil, e mais recentemente, a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14130.htm">Lei 14.130/2021</a>, que, através de modificações realizadas na Lei 8.668/1993, criou os Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/Fiagro">Fiagro</a>). Tais fundos são extremamente relevantes para a estruturação de operações complexas e sofisticadas que canalizam recursos para a produção, o financiamento e o mercado imobiliário de terras no país, além de gerarem interessantes alternativas de investimento para o brasileiro interessado em aportar recursos no segmento rural.
Houve, especialmente nos últimos meses, uma excitação no mercado com as novas opções e possibilidades de captação de recursos privados e de investimento em instrumentos umbilicalmente ligados aos agronegócios no Brasil, mesmo – e, talvez, principalmente – em um cenário de taxa de juros elevada e de incertezas no espectro político, que fizeram dos papéis ligados ao segmento mais dinâmico da economia uma espécie de “porto seguro” para investidores e uma fonte menos dolorida de financiamento para a ponta produtora. Tal excitação é comum, não apenas pelo contexto econômico, de país e de mundo, mas também em função das enormes vantagens e possibilidades que foram abertas para as cadeias produtivas rurais e para os investidores com a aproximação do campo ao mercado.
No entanto, começaram a pipocar rumores no mercado de determinadas dificuldades no setor. A questão reside em alguns aspectos: investimentos ousados realizados em tempos de bonança, especialmente de boom de commodities, cuja conta está chegando agora, época de vacas não tão gordas; dificuldades de cumprimento de obrigações entre arrendatários e arrendadores, inclusive em fundos reconhecidos no mercado de capitais, afetando não apenas os retornos dos cotistas como, também, a confiança dos investidores na capacidade dos gestores em alocar os recursos da melhor e mais segura forma possível – a famosa crise de confiança; sinais de desgaste e potenciais dificuldades nos títulos de crédito privado, acendendo o sinal de alerta em variados atores do mercado; e a dificuldade de determinadas companhias do agronegócio com capital aberto em lidar com oscilações inesperadas e descasamento entre custos e receitas.
O cenário traz algumas reflexões. Inicialmente, é preciso entender que as oportunidades para os agronegócios no mercado de capitais continuam vistosas. O potencial máximo dos títulos de crédito e dos Fiagros, por exemplo, como fonte de financiamento da atividade e como oportunidade de investimento, ainda está muito longe de ser atingido. Isso sem contar outras frentes, como fundos imobiliários de terras, oportunidades crescentes de abertura de capital para companhias de médio porte, mercado secundário de papéis e títulos do setor, dentre outras possibilidades.
Em breve, o regulamento definitivo dos Fiagros deve ser publicado pela Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CVM">CVM</a>), o que deve destravar enormemente as emissões e investimentos nesse setor. Dificuldades pontuais não conseguem, nem se houver muito esforço, remar contra o tsunami de oportunidades para o segmento. A própria existência de algumas dificuldades já é sinal de amadurecimento do mercado, na medida em que realça a maturidade sistêmica como um todo.
Adicionalmente, as questões específicas que têm gerado certa apreensão no mercado podem – e devem – servir de curva de aprendizado para um segmento de mercado ao mesmo tempo promissor e iniciante. É normal encontrar pequenos percalços no caminho, que ajudarão os bons atores desse mercado, que são a imensa maioria, a separar o joio do trigo na hora de estruturar operações e, para os investidores, contribuirão sobremaneira para a seleção criteriosa de opções robustas e confiáveis de investimento.
Claramente, abre-se uma oportunidade para aprendizados e melhorias sistêmicas que fortalecerão o mercado, tornarão os investidores mais exigentes e atentos e fomentarão a diligência e a governança nos grupos produtores que buscam novas e mais baratas fontes de financiamento, pensando no longo prazo e na sustentabilidade, não apenas ambiental como, também, dos negócios.
Assim, enxerga-se na turbulência atual muito mais uma oportunidade de melhoria de processos, regulamentos e fiscalização, em uma verdadeira curva de aprendizado coletivo, do que efetivamente um problema sistêmico capaz de desestabilizar e inviabilizar a busca do agronegócio brasileiro pelo mercado de capitais. Que as pontuais dificuldades observadas em alguns setores de produção e produtos de investimento sirvam de fonte para melhorias e aprendizados, a fim de que haja cada vez mais a busca do Senhor Mercado pelos produtores, companhias e grupos familiares sérios e competentes do agronegócio, abrindo portas e consolidando no ambiente de negócios e no mercado de capitais a fonte principal de financiamento e investimento para o setor que representa ¼ do PIB nacional.

agronegocio

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JOTA

Regulamento dos Fiagros deve ser publicado em breve pela CVM

Amadurecimento para o agronegócio no mercado de capitais

Turbulência atual se mostra mais como oportunidade de melhoria do que um problema que impeça o agro de se aproximar do mercado de capitais