Opinião e Análise

José David

Prego que se destaca leva martelada. O sábio ditado popular resume bem a situação do agronegócio nacional, ao menos sob a perspectiva da tributação. Não é de hoje que o setor é cobiçado pela máquina da Administração Pública, ávida por recursos para financiamento de um Estado cada vez mais inchado e, no geral, pouco eficiente. Em um contexto de necessidade constante de novas fontes de receitas e reticência no corte de despesas desnecessárias ou imorais, o agronegócio está sempre sob os holofotes quando o assunto é a busca por formas e meios para pagamento das contas.
O setor responsável por aproximadamente 25% das riquezas produzidas no país, por 1 em cada 5 postos de trabalho formais gerados em território nacional e por quase metade das exportações brasileiras, que ano após ano se destaca pelo aumento da produção e pela geração de riquezas e divisas para o Brasil, está com perspectivas pouco atrativas sob o ponto de vista da tributação. Uma <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/reforma-tributaria">reforma do sistema tributário</a> no Brasil tem sido ampla e novamente debatida, e tudo indica que caberá a alguns poucos o ônus de resolver a nossa histórica dificuldade de gastar menos – e melhor – o que arrecadamos.
Não se nega a necessidade da implementação de uma ampla e justa reforma tributária no Brasil. Nosso extenso arcabouço de impostos, taxas, contribuições e afins, somado a legislações pouco claras e objetivas e a uma relação nada amistosa entre fisco e contribuintes torna o sistema tributário nacional uma fonte sem fim de burocracia, litígio e dúvidas. Nesse contexto, propostas e mais propostas legislativas são apresentadas, no intuito de simplificar e tornar mais eficiente um sistema tão presente em nosso cotidiano. Ocorre que nem toda grande ideia é a bala de prata necessária para nosso ingresso no rol das nações tributariamente civilizadas.
Atualmente, três PECs estão em voga na questão da reforma tributária. A <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45/2019</a>, em trâmite na Câmara dos Deputados, que substitui variados tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e a <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137699">PEC 110/2019</a>, proposta no Senado Federal, a qual estabelece um imposto subnacional, um imposto federal seletivo e uma contribuição federal sobre a produção e circulação de bens e serviços, lideram as apostas de aprovação política e têm a simpatia do Poder Executivo federal – com maior ênfase, a PEC 45/2019, elaborada pelo competente time do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Correndo por fora, mas ganhando musculatura, está a <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/155612">PEC 46/2022</a>, fruto do movimento Simplifica Já, que busca racionalizar o sistema e promover alterações em âmbito infraconstitucional.
Ocorre que as propostas em questão, especialmente as PECs 45 e 110, ao defenderem um sistema padronizado de alíquotas, promovem aumento da carga tributária sobre a cadeia produtiva do agronegócio. <a href="https://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/cna-impostos-da-agricultura-podem-subir-875-com-tributacao-unica/">Estudos sérios</a>, patrocinados por entidades da envergadura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), indicam que a eventual aprovação da reforma tributária nos moldes de uma alíquota fixa para diferentes setores pode provocar um aumento de carga tributária de até 875% para a agricultura e 783% para a pecuária, afora os impactos sobre a inflação e o aumento do custo dos produtos ao consumidor final.
A PEC 46/2022, que recentemente <a href="https://www.srb.org.br/sociedade-rural-brasileira-declara-apoio-ao-movimento-simplifica-ja/">recebeu relevante apoio da Sociedade Rural Brasileira</a> (SRB), não é a reforma dos sonhos do setor, mas ao menos possibilita, em seu texto atual, a implementação de alíquotas diferenciadas para diferentes setores e estratos da sociedade, conforme as especificidades de cada um. Trata-se de uma simplificação da tributação sobre o consumo, respeitando a possibilidade da adoção de diferentes alíquotas para setores que, por suas características intrínsecas e especificidades de produção e comercialização, demandam tratamento diferenciado, tal como o agronegócio. É assim no mundo desenvolvido, por que seria diferente no Brasil?
É fato, contudo, que independentemente da reforma que porventura venha a ser realizada (inúmeras iniciativas de alteração e modernização do sistema tributário já foram tentadas ao longo dos anos, com pouco ou nenhum sucesso em função de questões majoritariamente políticas), o agronegócio tende a sofrer com aumento direto ou indireto da carga fiscal, seja em função da adoção de modelos que não promovem justiça fiscal para a cadeia como um todo, seja pela supressão de incentivos constitucionais legítimos, seja em razão da oneração demasiada do setor, o que prejudicaria a competitividade da produção nacional perante os concorrentes mundiais e elevaria o custo de vida, especialmente aos mais pobres, no Brasil.
Não bastasse o cenário incerto e nebuloso para o agronegócio em relação ao tema da reforma tributária, outras frentes de batalha no campo fiscal estão sendo abertas pelos estados da federação, através da instituição da cobrança de tributos travestidos sobre a produção agropecuária para, pretensamente, promover o financiamento das infraestruturas locais e, de lambuja, em alguns casos, órgãos do aparato estatal.
Exemplos dessas cobranças são o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), em Mato Grosso, e o Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra), em Goiás. Ambos estão sendo contestados judicialmente, inclusive com ações em trâmite no Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>), e aguardam parecer conclusivo dos ministros da corte acerca de sua constitucionalidade. É mais tributação na veia para o setor, como consequência direta da queda da arrecadação dos estados com a implementação de teto de ICMS para determinados produtos através da edição da Lei Complementar 194/2022.
Ademais, outros fantasmas tributários rondam os produtores rurais no Brasil, especialmente em relação ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/itr">ITR</a>). No afã do aumento da arrecadação a qualquer custo, prefeituras criativas têm adotado valores irreais de terra nua para fins de cálculo do imposto, gerando contencioso sobre o tema e onerando em demasia o detentor de terras produtivas.
Ainda, retorna o fantasma da possibilidade de tributação das exportações do setor, medida outrora considerada impossível sob o ponto de vista político que ganhou sobrevida após a recente tributação das exportações de óleo cru, que ninguém esperava. Se o setor de óleo e gás, tão importante para o Brasil, foi tributado em relação às vendas ao exterior, por que o agronegócio estaria livre de qualquer risco, sendo que já houve conversas do tipo, especialmente na época da reforma da Previdência, e nossos vizinhos, cuja economia é historicamente ligada à produção agropecuária, já implementaram algo do tipo?
Outras questões de natureza tributária relacionadas ao agronegócio poderiam ser aqui abordadas, como, por exemplo, a discussão acerca da base de cálculo do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/itbi">ITBI</a>) na venda de imóveis rurais (Valor da Terra Nua ou valor da transação?), porém não se busca esgotar o tema neste texto. Contudo, fato é que o agronegócio, seja em função das receitas e produções crescentes, seja porque se difunde a equivocada imagem de que o setor é pouco onerado, sempre tende a pagar parcela substancial da conta quando se fala na necessidade de geração de receitas e na alteração das normas de tributação no país.
Assim, verifica-se que o agronegócio, no que cabe em relação à tributação, está sob fogo intenso por todos os lados. Praticamente, todos os movimentos dos mandatários visando o aumento da arrecadação atingem o setor de alguma forma, ainda que a mira tenha sido em outro alvo. Dessa forma, faz-se necessária a coordenação entre as entidades representativas do setor, os produtores e os agentes políticos locais e federais, a fim de que todos os esforços necessários sejam empreendidos para que as nossas mazelas tributárias e orçamentárias sejam sim, solucionadas, sem que contudo, para isso, haja oneração demasiada de um dos mais importantes segmentos da economia nacional, tão competitivo no mundo e que enche de orgulho todos os brasileiros.

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JOTA

Independente da reforma que venha a ser realizada, setor tende a sofrer aumento direto ou indireto da carga fiscal

Agronegócio sob fogo intenso na reforma tributária

Independente da reforma tributária que venha a ser realizada, setor do agronegócio tende a sofrer aumento direto ou indireto da carga fiscal