Opinião e Análise

Adriana Maia Venturini

De acordo com o Relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o Judiciário brasileiro é líder global em litigiosidade, com destaque para ações previdenciárias e execuções fiscais. A Procuradoria-Geral Federal (PGF), braço da Advocacia-Geral da União (AGU) na administração indireta, desempenha um papel crucial nesse cenário, devido à cultura de contestação judicial de atos administrativos, mesmo quando esses são supostamente válidos.
Além de realizar consultoria, gestão de créditos e representar judicial e extrajudicialmente as 165 autarquias e fundações públicas federais, dentre elas o INSS, a PGF tem 865 mil execuções fiscais ativas.
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A epidemia de judicialização, como apontou o presidente do CNJ e do STF, ministro Luís Roberto Barroso, está acompanhada de uma revolução tecnológica processual. A transição dos processos físicos para a virtualização, combinada com a inteligência artificial, está mudando o panorama das disputas judiciais.
Para enfrentar o volume de execuções fiscais, a Portaria Normativa AGU 90, de 8 de maio de 2023<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, e sua regulamentação pela Portaria Normativa AGU/PGF 51, de 8 de novembro de 2023<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, passaram a permitir o uso de tecnologias avançadas para avaliar a capacidade de pagamento dos devedores.
Essas medidas possibilitam a dispensa de inscrição em dívida ativa e a seletividade no ajuizamento das ações judiciais. Créditos de menor valor e com baixo potencial de recuperação serão tratados por meio de protesto eletrônico, racionalizando a cobrança.
Com uma abordagem mais estratégica, a PGF poderá concentrar esforços em cobranças de grande impacto no ambiente regulatório. Isso inclui focar em grandes devedores e explorar possibilidades de transação ou negócios jurídicos processuais, sempre com o objetivo de assegurar a estabilidade e a segurança jurídica no setor regulado.
No campo da litigiosidade previdenciária, destaca-se a impressionante quantidade de 3,7 milhões de ações em curso. É crucial considerar a magnitude do sistema brasileiro de previdência e assistência social: o INSS gerencia 40 milhões de benefícios ativos e administra uma folha de pagamento mensal de R$ 76,9 bilhões, equivalente a 8,45% do PIB. Em 2023, o INSS analisou mais de 11 milhões de requerimentos, com uma taxa histórica de indeferimento de 45%. Nesse cenário, muitos segurados recorrem ao Judiciário quando seus pedidos são negados administrativamente.
Para gerenciar esse volume, a PGF identifica três perfis de litigiosidade previdenciária: normativa, recalcitrante e corretiva.
A litigância normativa refere-se às disputas sobre teses jurídicas, como desaposentação ou <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/revisao-da-vida-toda">revisão da vida toda</a>. Nessas situações, o INSS toma decisões administrativas com base em normas federais válidas e vigentes, e a Procuradoria-Geral Federal defende essas decisões até que se alcance um desfecho definitivo do judiciário.
A litigância recalcitrante refere-se ao inconformismo do segurado com as decisões administrativas do INSS, envolvendo tanto aspectos fáticos quanto jurídicos, como a revisão de uma perícia realizada. Esse tipo de litígio é incentivado pelas facilidades processuais, já que nos Juizados Especiais – onde a maioria das ações previdenciárias é processada – não há custas, honorários ou taxas de perícia médica judicial. Além disso, o Brasil possui a maior proporção de advogados por habitante no mundo, resultando em um grande número de profissionais em busca de trabalho.
Tanto na litigância normativa quanto na recalcitrante, a PGF deve defender o ato administrativo, buscando afirmar a legalidade da norma, do parâmetro da política pública em questão, ou precisa demonstrar ao Judiciário que o segurado, de fato, não atende aos requisitos legais para a concessão do benefício pleiteado.
Por outro lado, quando o segurado busca a correção de um erro específico do INSS na análise do seu caso, está-se diante da litigância corretiva. Nessas situações, a PGF deve assegurar o reconhecimento do direito do segurado ao benefício pleiteado, atuando de forma republicana e focada na proteção social.
Em 2023, foram celebrados 417 mil acordos em ações previdenciárias. A PGF tem adotado várias medidas para reconhecer direitos indevidamente negados. Entre as principais iniciativas estão o Desjudicializa Prev, uma colaboração entre a AGU e o CNJ para reduzir a litigiosidade em dez temas previdenciários e assistenciais com jurisprudência consolidada, e o Efetiva Prev, que estabelece uma interlocução contínua entre a PGF e o INSS para promover a internalização administrativa das teses previdenciárias consolidadas pela jurisprudência. Essas ações visam a reduzir a litigiosidade e aprimorar a eficiência dos processos.
A AGU evoluiu de uma postura de defesa intransigente do patrimônio público para uma abordagem que prioriza o reconhecimento e a entrega de direitos. O próximo passo na evolução da litigância corretiva é a institucionalização de acordos extrajudiciais prévios ao ajuizamento das ações.
Isso porque o Estado brasileiro tem sido pressionado a inovar e avançar em tecnologias para gerenciar suas amplas responsabilidades, especialmente diante de desafios estruturais como a redução dos quadros de servidores em diversos setores. A previdência não é exceção a essa necessidade de transformação, e várias iniciativas têm sido adotadas para assegurar as entregas essenciais ao bem-estar social.
A PGF/AGU, nesse cenário, pretende iniciar uma era de antecipação na solução consensual, com o propósito de reduzir a quantidade de litígios levados ao Poder Judiciário. Esse novo modelo é respaldado pelos artigos 32, inciso II, e 46 da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, a Lei de Mediação, que promove a autocomposição de conflitos na administração pública e prevê expressamente a possibilidade de mediação online.
O próximo passo é a implementação da Plataforma de Autocomposição Imediata e Final de Conflitos Administrativos (Pacifica), instituída pela  Portaria Normativa AGU 144, de 1º de julho de 2024<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, e regulamentada, no âmbito da PGF, pela  Portaria Normativa PGF/AGU 60, de 6 de julho de 2024<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
A Pacifica é uma plataforma de Resolução Online de Disputas (ODR) e oferece um ambiente digital inovador, com procedimentos automatizados, projetados para atender às necessidades dos cidadãos e resolver conflitos de forma consensual, rápida e econômica sem recorrer ao Judiciário, alinhando-se à Lei de Mediação e à Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável.
Prevista para iniciar suas operações ainda este ano, a Pacifica representa um dos projetos mais audaciosos da AGU. A plataforma combina tecnologia avançada com racionalização do trabalho, valorizando a advocacia pública como um agente eficaz na resolução de conflitos envolvendo o Estado brasileiro.
Mais crucialmente, a Pacifica oferecerá uma solução rápida e econômica para o reconhecimento de direitos, especialmente para cidadãos vulneráveis. Segundo o Tribunal de Contas da União (TC 022.354/2017-4), o custo da judicialização previdenciária em 2018 foi de R$ 4,6 bilhões, em valores da época. Com a Pacifica, a AGU busca otimizar o gasto público, reduzir a litigiosidade e proporcionar respostas rápidas aos cidadãos.
O procedimento funciona da seguinte forma: um segurado com chances reais de êxito em uma eventual judicialização contará com o apoio essencial da Defensoria Pública da União para, após o indeferimento administrativo, ser direcionado ao Portal da Pacifica na AGU, onde poderá solicitar uma composição extrajudicial.
Com o consentimento para o tratamento de dados pessoais, será realizada uma busca automatizada em bancos de dados, cruzando as informações do interessado e verificando sua conformidade para uma análise eletrônica do requerimento. Esta análise seguirá os parâmetros de composição estabelecidos previamente pela PGF em colaboração com o INSS.
Se a proposta de acordo for aceita, o processo será ágil, com a implantação imediata do benefício por meio da integração dos sistemas da AGU e do INSS. Caso a solução consensual não seja alcançada, o segurado terá a possibilidade de ajuizar uma ação judicial futura.
A Pacifica representa um avanço significativo para a AGU, contribui para a garantia do acesso à Justiça e a redução da litigiosidade previdenciária, com uma abordagem integrada e baseada em direitos humanos para o desenvolvimento sustentável.
Assim, será possível oferecer um novo serviço de resolução de conflitos aos segurados, que garantirá a proteção de direitos de maneira rápida e eficiente, ao mesmo tempo em que minimiza os custos ao erário. Espera-se que a AGU contribua de forma decisiva para a redução da litigância previdenciária no Brasil, promovendo o acesso à Justiça de maneira efetiva e justa.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: <a href="http://li.cnm.org.br/r/1nYgMp">http://li.cnm.org.br/r/1nYgMp</a>. Acesso em: 10 de setembro de 2024.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: <a href="http://li.cnm.org.br/r/KpU6x9">http://li.cnm.org.br/r/KpU6x9</a>. Acesso em: 10 de setembro de 2024.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: <a href="http://li.cnm.org.br/r/WUY294">http://li.cnm.org.br/r/WUY294</a>. Acesso em: 10 de setembro de 2024.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Disponível em: <a href="http://li.cnm.org.br/r/bd5Q16">http://li.cnm.org.br/r/bd5Q16</a>. Acesso em: 10 de setembro de 2024.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em: <a href="http://li.cnm.org.br/r/W0aDJZ">http://li.cnm.org.br/r/W0aDJZ</a>. Acesso em: 10 de setembro de 2024.

fachada AGU

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