Gabrielle Ribon

A notícia publicada pelo site Futurism no final de novembro parecia pouco provável aos mais desavisados: um vídeo musical com a voz de Frank Sinatra, realizando um cover de “Toxic”, de Britney Spears, foi removido pelo YouTube por acender uma disputa de direitos autorais.
A música, desenvolvida pela Inteligência Artificial DADABOTS por meio do uso de uma rede neural chamada Jukebox, não soa exatamente como Sinatra nem como a diva pop, como descreve o site, como se de fato tivesse sido criado algo totalmente novo. No entanto, o conteúdo foi denunciado por um usuário pouco comum e retirado do ar pelo YouTube.
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O usuário improvável é, possivelmente, a empresa antipirataria GreyZone. Apesar de não ter sido confirmada a origem da denúncia, acredita-se que a GreyZone tenha utilizado bots para fazer uma varredura no site do YouTube e derrubar diversos vídeos que, pelo menos em tese, infringissem direitos autorais. O que deixa tudo mais curioso: a batalha online pelos direitos autorais de uma música criada por robôs foi iniciada por nada menos que outro robô.
O YouTube, conforme consta na matéria publicada, provocou uma complicada batalha no novo e pouco explorado campo da “arte algorítmica”, definindo que tanto Frank Sinatra quanto Britney Spears teriam direitos autorais válidos sobre a obra.
Interessante apontar, no entanto, que nem os advogados da Sinatra Estate ou de Britney Spears informaram ter envolvimento com o ocorrido, reforçando a tese da atuação da GreyZone na denúncia realizada ao YouTube.
Diversos donos de conteúdos denunciados pela GreyZone optam por não recorrer em voltar seus vídeos ao ar. Não foi o caso da DADABOTS, que contou com a assessoria do escritório de advocacia Lockett Brown para retomar o direito de publicação da música. O escritório assumiu a causa em caráter pro-bono.
A DADABOTS é alimentada pela rede neural de “learning machine” chamada Jukebox, desenvolvida pela OpenAI e que possibilita a mistura de diversos gêneros musicais, vozes de artistas e estilos com base no chamado aprendizado de máquina, reconhecendo padrões de todos esses elementos.
Trata-se, portanto, de uma técnica que conta com pouco envolvimento humano no processo, tanto em termos de material diretamente inserido na rede, quanto em termos de manipulação para criação do produto final – nesse caso, o cover de “Toxic”.
Por contar com poucos precedentes legais possíveis de uso por analogia no caso, os advogados deixaram a composição tecnológica de lado e optaram por utilizar em seus argumentos o instituto americano do “fair use” (na tradução literal, “uso justo”).
<blockquote class="jota-article__eye">O uso justo possibilita o uso de obras de terceiros sem necessidade de autorização, desde que alguns fatores sejam considerados.</blockquote>
Em termos simples, devem ser considerados o caráter transformador do uso, a natureza da obra copiada, o tamanho do trecho utilizado e o efeito do novo uso na obra utilizada. Aplicados esses fatores de forma individual aos casos de uso justo, é determinado se de fato o instituto está presente naquela nova obra. O caráter não lucrativo pode também interferir na delimitação do caso como uso justo, como ocorre na batalha da DADABOTS.
A disputa judicial ocorre dentro da própria plataforma do YouTube, o que torna difícil a construção de precedentes acessíveis para casos futuros. Também levanta a discussão sobre a transparência do site nas tomadas de decisão e nas desativações de vídeos que seus algoritmos consideram infringir as normas de direitos autorais, deixando os usuários sem saber ao certo qual a argumentação adotada pelo YouTube – e, consequentemente, sem conseguir contra-argumentar pela permanência online do conteúdo produzido.
No entanto, conforme informado ao site Futurism, os criadores da DADABOTS consideram uma vitória a simples discussão em torno do tema, possibilitando que novas plataformas alimentadas por redes neurais possam produzir conteúdo, arte e entretenimento no futuro.
Para os entusiastas de Direitos Autorais e tecnologia, a situação cria um delicioso e inédito caso de disputa iniciada, protagonizada e (provavelmente) decida por algoritmos.
Por enquanto, as questões legais dependem de como o material protegido por direitos autorais é usado para treinar uma inteligência artificial por operadores humanos – precedentes legais sugerem que o algoritmo em si não pode reivindicar direitos autorais sobre sua produção.
Um dos advogados da DADABOTS, Benjamin McLain, levantou um fascinante cenário futuro – e não tão distante – em que plataformas como a Jukebox comecem a gerar receita e mercado para esse tipo de produção musical e artística.
A situação cria um novo desafio para a doutrina de direitos autorais americana, que deverá decidir se o uso justo será aplicável em todos os casos, ou se todas as partes – autores das obras e criadores das plataformas de inteligência artificial – terão direitos autorais sobre as obras criadas pelos algoritmos.
Certamente um futuro cheio de novas perspectivas para toda a sociedade, onde o ordenamento jurídico terá que correr para acompanhar a velocidade do desenvolvimento de novas formas de arte, cultura e entretenimento.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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JOTA

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