Paulo Fernando Pinheiro Machado

“O melhor programa econômico do governo é não atrapalhar aqueles que produzem, investem, poupam, empregam, trabalham e consomem.” 
― Barão de Mauá.
Um dos principais aspectos de uma vida intelectual reside na busca de identificação de padrões, de relações de causa-e-efeito que, uma vez singularizadas, podem nos dar a chave explicativa de um fenômeno natural ou humano. A correta identificação de fenômenos repetidos normalmente descortina a interação de uma multiplicidade de causas e a possibilidade de uma multiplicidade de consequências. O que força o analista a uma viagem ao pântano da multidisciplinaridade, moda da atual cliodinâmica, mas já antecipada pelo filósofo e diplomata árabe Ibn Khaldun no século XIV. Nada de novo sob o sol.
Na área da economia e das finanças, contudo, a aceitação da movimentação cíclica da atividade econômica nunca foi pacífica. Ao passo em que o mainstream econômico não admite a repetição de regularidades e ciclos econômicos ao longo da história, a Escola Austríaca, por exemplo, os identifica como um subproduto da intervenção governamental na política monetária que, ao forçar a taxa de juros real para cima ou para baixo, produz um efeito microeconômico descalibrado de expansão ou contração do crédito de uma economia, efeito esse desconectado de fatores reais da sua produtividade. Em outras palavras, a intervenção governamental descalibrada gera bolhas de crédito e de ativos, que, descoladas do nível de produtividade real de uma economia, leva fatalmente a uma quebra e uma crise, com consequente recessão.
Tradicionalmente, o principal termômetro de um ciclo econômico é o mercado de títulos do tesouro, no qual se concentram os investidores institucionais mais sofisticados. O mercado de títulos do tesouro norte-americano é particularmente relevante, porque o dólar norte-americano é a moeda de referência internacional e, portanto, possui uma influência preponderante por toda a economia mundial.
O analista financeiro atento procura acompanhar a relação entre a taxa de juros dos títulos de curto prazo, com maturação entre 1 e 3 meses, e a dos títulos de longo prazo, com maturação em 10 anos ou mais, chamada de “curva da taxa juros” (yield curve). Normalmente, a taxa de juros dos títulos com maturação no curto prazo é mais baixa do que a dos títulos com maturação no longo prazo, porque o risco destes últimos é maior, particularmente em períodos de alta volatilidade, como no momento atual, porque uma variação na taxa de referência pode tornar o título temporariamente invendável no mercado secundário.
Há momentos precisos, contudo, em que a curva da taxa de juros se inverte, passando os títulos com maturação de curto prazo a apresentarem uma taxa mais alta do que a dos de longo prazo. Esse é o principal indicativo de que estamos diante de uma recessão. Isso porque os investidores antecipam um movimento do Banco Central de redução da taxa básica de juros da economia no curto prazo, normalmente para enfrentar uma queda da atividade econômica.
Esses investidores mais sofisticados, assim, correm para os títulos do tesouro da dívida norte-americana para fazer um hedge contra uma possível queda do preço das ações nas bolsas de valores, o que seria a consequência natural de uma recessão no curto prazo.
A curva da taxa de juros dos títulos norte-americanos já havia se invertido em janeiro de 2021, em plena pandemia, movimento que analisamos <a href="https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/empurrando-kondratieff-com-a-barriga-a-inflacao-do-fed-e-o-possivel-estouro-da-bolha-acionaria/">neste artigo</a>. A curva se corrigiu notadamente por um processo de monetização de dívida, isto é, pela injeção de liquidez na economia global, basicamente criação de moeda, no famoso processo de quantitative easing (QE), já analisado diversas vezes <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/armadilhas-juridicas-para-o-quantitative-tightening-10062022">aqui neste espaço</a>.
O principal efeito de um processo global de monetização de dívidas é o de alargar o prazo e a intensidade de um processo de ajuste que fatalmente virá, mais cedo ou mais tarde. Trata-se de uma versão macro da estratégia atribuída ao Ministro Delfim Neto, durante dos anos 1970 e 1980, segundo a qual “<a href="https://exame.com/colunistas/investidor-em-acao/divida-nao-se-paga-divida-se-8220-rola-8221/">divida não se paga, se rola</a>”. Conhecemos essa história. Um dia quem rola é o meu, o seu, o nosso.
O fenômeno, antes relativamente raro, parece estar se tornando frequente, com inversões e correções sucessivas ao longo dos últimos dois anos, indicando a necessidade de injeções constantes de liquidez na economia global para evitar uma quebra geral. O fato é que o ano do coelho começa com <a href="https://www.forbes.com/sites/simonmoore/2023/01/09/yield-curve-inverts-to-historic-lows-sounding-recession-warning/?sh=4dbb98ad422e">a mais baixa curva de juros dos títulos norte-americanos em 30 anos</a>. Os títulos de 10 anos estão pagando atualmente cerca de 1,4% de juros a menos do que os de 3 meses.
Apensar do show de otimismo panglossiano que a leitora deve ter notado em Davos na semana que passou, as notícias econômicas deste início de ano não são auspiciosas. A Alphabet, controladora da Google, <a href="https://www.nytimes.com/2023/01/20/business/google-alphabet-layoffs.html">anunciou a demissão de 12 mil colaboradores</a>, em uma redução de 6% da sua mão de obra global, o maior corte da história da empresa. O clima em Wall Street não parece muito diferente, <a href="https://www.reuters.com/business/finance/wall-street-banks-slammed-execs-cautiously-hope-more-confidence-ahead-2023-01-17/">com os bancos de investimento registrando uma redução de cerca de 50% no seus lucros em 2022</a>, gerando um processo global de demissões no topo do setor financeiro de cerca de 6 mil postos de trabalho.
Todos esses movimentos apontam para uma possibilidade premente de uma recessão global em meados deste ano. Trata-se da crônica de uma morte anunciada, do ajuste que vem sendo postergado desde a crise financeira de 2008 e que agora, passados 15 anos vem cobrar a sua conta inflada, com juros e correção monetária.
E o processo de monetização da dívida inflou artificial e exageradamente uma série de ativos, das bolsas de valores ao mercado imobiliário, ao mesmo tempo em que achata os salários, jogando a classe média e, em especial, a geração dos millenials para fora do mercado. Desnecessário lembrar a leitora que muito da polarização política que vivemos se deve a esse subproduto não antecipado da intervenção governamental nos mercados.
Nesse cenário internacional adverso, a posição da economia brasileira é particularmente delicada. O país precisa urgentemente de reformas estruturais que recuperem a capacidade de financiamento do setor público pelo aumento da produtividade real da economia, mantendo o equilíbrio fiscal. O Brasil precisa de uma nova concepção de desenvolvimento socioeconômico, que estabeleça estratégias sólidas e responsáveis para as prioridades de retomada do crescimento, redução das desigualdades e preservação do meio-ambiente. Sem uma visão clara de país e de prioridades para o cenário atual, corremos o risco de, mais uma vez, ficarmos com a conta da recessão global. A história se repete como um pesadelo recorrente. Improbe Neptunum accusat, qui iterum naufragium facit.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Falsamente acusa a Netuno aquele que causa um naufrágio pela segunda vez.

bandeira do brasil

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JOTA

Brasil precisa de uma nova concepção de desenvolvimento socioeconômico nacional

Yield curve, recessão e equilíbrio fiscal

Brasil precisa de uma nova concepção de desenvolvimento socioeconômico nacional. Leia o artigo de Paulo Fernando Pinheiro Machado.