Cibele Benevides Guedes da Fonseca

Rodrigo Tenório

O grupo de gângsteres retratado por Scorsese em “Os Bons Companheiros” se autodenominava “wiseguys”: os “espertos”, em tradução livre. Assassinatos, extorsões, fraudes e corrupção faziam parte do cardápio por eles servido à sociedade norte-americana. Os pratos estragaram apenas quando um dos gângsteres, Henry Hill, fez um acordo de colaboração premiada com as autoridades americanas.
Hill, já condenado e preso, foi perdoado por seus crimes e recebeu o compromisso de que não seria processado. Deveriam as autoridades ter se recusado a negociar com esse assassino, traficante, corruptor e que se orgulhava do estilo de vida criminoso? Para o bem dos cidadãos a que servem, não o fizeram. Graças aos testemunhos de Hill, dezenas de seus ex-comparsas foram processados e presos. Henry Hill não só recebeu a liberdade como passou a ser sustentado pelo contribuinte americano. Ingressou no programa federal de proteção a testemunhas (Witsec) – em que permaneceu por anos - e chegou a receber salário de 1500 dólares mensais pelos serviços prestados ao MP e à Justiça dos EUA. 
Pragmáticos, cientes de que não seria possível desmantelar a quadrilha de gângsteres sem premiar um deles, os procuradores dos EUA fizeram o acordo, que se mostrou bom para Hill, mas muito mais vantajoso para a sociedade.  O custo – a soltura e a imunidade de Hill - obviamente, compensou.
Nossos “wiseguys” são mais refinados que os dos EUA. Do alto de seus colarinhos brancos, acreditam que a solução é comprar o Brasil. Por meio de doações declaradas e propinas clandestinas, apropriam-se de consciências que deveriam servir ao regime democrático e escolhem quem dirigirá o país, quem as estatais contratarão e para quem o BNDES emprestará. Ignorando Guimarães Rosa, tiraram o diabo do meio do redemoinho e o colocaram no começo da Democracia.
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Recentemente, o país encontrou uma forma de combatê-los: fazer de seus aliados, delatores. Tal transformação foi possível graças às colaborações premiadas e à regulamentação que lhes foi dada pela Lei 12.850/2013. Uma delas gerou grande polêmica: a dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Para os críticos, os delatores teriam recebido benefícios demais. 
 A Lei nº 12.850/13 prevê expressamente a possibilidade de o MP não denunciar o colaborador que não for o líder da organização criminosa ou se for o primeiro a prestar efetiva colaboração (art. 4º, § 4º).  Os donos da JBS enquadram-se nessas hipóteses. Entregaram informações sobre mais de 2000 políticos e um Procurador da República. Apresentaram dados sobre crimes ainda em andamento, consentiram com a quebra de seus sigilos, auxiliaram a rastrear dinheiro pago a título de propina, gravaram interlocutores, comprometeram-se a depor em todos os processos envolvendo os delatados – exatamente como Henry Hill (Cláusula 12 do acordo) - e a pagar valores aos cofres públicos. 
Se o caso dos Batista, em vista do imenso volume de informações por eles ofertado e dos compromissos assumidos, não servir a justificar o benefício do não oferecimento da denúncia, qual serviria? Aos que comparam Joesley Batista a Marcelo Odebrecht, lembremos que esse estava condenado a 19 anos e 04 meses quando resolveu colaborar, enquanto aquele sequer tinha sido processado; os Batista trouxeram fatos novos, crimes em andamento, enquanto Odebrecht trouxe provas sobre fatos passados. Ademais, se o acordo de leniência com a Odebrecht alcançou 3,8 bilhões de reais, o MPF exige da J&amp;F mais de 11 bilhões. 
Um acordo assim em nada choca uma democracia consolidada como a norte-americana e seu decantado pragmatismo, conforme prova tratamento dado a Henry Hill. Em qualquer acordo de colaboração premiada, a análise da relação custo/benefício deve orientar a conduta do MP, e não a ilusão da solução ideal. Iludem-se os que acreditam que a alternativa ao acordo seria a prisão expedita dos Batista e dos que eles denunciaram. Não era. 
Não faltaram, porém, vozes a criticar o Ministério Público Federal por ter concedido imunidade a “criminosos confessos”, como se a colaboração pudesse ser feita com inocentes. Levantam-se contra uma falsa imunidade, esquecendo-se que crimes posteriores ao acordo, como uso de informações privilegiadas para alavancar ganhos no mercado de ações, poderão ser apurados e gerar sua rescisão (cláusulas 3ª e 12 do acordo). Lastreados em falsos pressupostos sobre o acordo, alguns pleiteiam ao Judiciário que o anule. No modelo processual acusatório criado pela CF/88, a conveniência e oportunidade para a realização do acordo é atribuição das partes: do Ministério Público, único titular da ação penal, e dos réus. 
Estamos diante de ato próprio de Justiça Consensual com as balizas dadas pela lei. A Suprema Corte Americana, que desde a década de 70 chancela a negociação entre as partes, tem reiteradamente decidido que os tribunais não devem interferir na tomada de decisão dos membros do Ministério Público, como nos casos United States v. Goodwin (1982) e Wayne v. United States (1985). O STF está às vésperas de analisar pedido de terceiro estranho ao acordo sobre aspectos de conveniência e oportunidade da avença. Se a Corte seguir o entendimento já consolidado no HC 127.483/PR, relatado pelo ministro Dias Toffoli, sequer reconhecerá ao terceiro estranho ao acordo legitimidade para impugná-lo.
A maré pela indignação contra a soltura dos Batista foi agitada pelos ventos da incompreensão e dos boatos. Acostumados à guerra de comunicação, ninguém navega melhor nela que nossos “wiseguys”. Nessa hora, em que críticas ao instituto da colaboração premiada e ao MP são levantadas com mais virulência por quem por eles atingidos, lembremos, novamente, de Guimarães Rosa: “Quem desconfia fica sábio”.

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Wiseguys - De Henry Hill a Joesley Batista

“Quem desconfia fica sábio”