Daniel de Paiva Gomes

Eduardo de Paiva Gomes

Jardes Costa de Oliveira

Rodrigo Frota da Silveira

No <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/voto-de-qualidade-parte-i-22112021">artigo que abordou de forma inaugural</a> a problemática do voto de qualidade, abordamos os principais tópicos relativos ao tema, em especial a evolução legislativa que culminou na extinção do voto de qualidade no âmbito federal, inovação trazida pelo art. 28 da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm">Lei nº 13.988/20</a> (Lei do Contribuinte Legal).
Como era de se esperar, a questão foi levada diretamente ao STF, nos autos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6399, 6403 e 6415, cujo julgamento, suspenso desde junho, já conta com dois votos prolatados.
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>
Chama atenção o voto exarado pelo ministro Luís Roberto Barroso, que reconheceu a constitucionalidade da extinção do voto de qualidade, mas, ao mesmo tempo, consignou que, em caso de empate e decisão favorável ao contribuinte, "poderá a Fazenda Pública ajuizar ação visando a restabelecer o lançamento tributário, como medida necessária para resguardar o equilíbrio das relações entre o Fisco e o contribuinte".
Nesse contexto, questiona-se: a Fazenda Pública pode, após o encerramento do processo administrativo, ajuizar ação anulatória de definitiva decisão administrativa favorável ao contribuinte, de modo a “reconstituir o crédito tributário” antecedentemente extinto?
A discussão obriga-nos a responder um questionamento prévio: há interesse de agir da Fazenda Pública em “litigar contra si mesma”, já que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional teria de ajuizar a ação contra a própria União? A que título se daria a participação do sujeito passivo da obrigação tributária nessa relação processual: na qualidade de terceiro interessado?
Para responder a esses questionamentos, temos de partir da premissa de que o processo administrativo tributário é uma cadeia de atos que expressam o exercício de verdadeira jurisdição, não mero ato administrativo.
Logo, se a decisão administrativa é ato jurisdicional em seu conteúdo material (fruto da consecução de atípica função jurisdicional pela Administração), não ato administrativo derivado de típica função do Executivo, há de se reconhecer que não estamos diante de uma situação em que a Administração Pública litiga contra si mesma.
A questão não deve ser analisada, em suma, sob a perspectiva dos sujeitos em sua posição orgânica (integrantes do mesmo Poder, in casu o Executivo), mas, sim, a partir da qualificação jurídica do ato que se pretende combater (ato jurisdicional atipicamente emanado em ambiente administrativo e que somente pode ser atingido por tutela jurisdicional judicial).
O interesse de agir exsurge daí: constatada a impossibilidade de interferir no conteúdo do ato produzido pelo Tribunal Administrativo, já que escapa da competência que lhe é atribuída pela legislação, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional necessita de tutela emanada do Poder Judiciário, único instrumento apto a interferir, materialmente, nos efeitos daquele ato e que, a seu ver, estaria eivado de alguma irregularidade.
Sob essa perspectiva, pensamos que haveria, sim, interesse de agir da Fazenda, embora, admitamos, não decorra do mero inconformismo com o desfecho do julgamento a partir da emissão de voto de qualidade: mais do que isso, seria necessária a demonstração de alguma ilegalidade no julgamento (error in procedendo), determinando-se seu refazimento.
Essa abordagem demonstra que a tutela jurisdicional não estaria “reconstituindo o crédito tributário”, mas, sim, determinando a realização de novo julgamento, já que a extinção do referido crédito teria se dado por ato ilegítimo e, nessa qualidade, incapaz de extinguir o crédito tributário.
Mas e como se daria a participação do sujeito passivo da obrigação tributária nessa espécie de demanda?
Intuitivamente, não qualificaríamos o sujeito passivo como réu na ação anulatória porventura ajuizada pela União, uma vez despido de responsabilidade pela extinção do crédito tributário. Ao mesmo tempo, todavia, vale realçar que os efeitos da coisa julgada derivada dessa potencial ação anulatória certamente afetarão esse sujeito, interpondo-se, nesse ponto, o art. 506 do CPC – “[a] sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros".
Posta em teste, pelo que se vê, a afirmação (intuitivamente produzida, repitamos) de que a ação não seria dirigível ao sujeito passivo da obrigação tributária, cai por terra, impondo-se a assunção, como acontece com as ações rescisórias tão conhecidas de todos, de que o réu da demanda é o sujeito que deixaria de se beneficiar, materialmente, do ato cuja desconstituição se postula.
Outro ponto que merece nossa atenção diz respeito aos efeitos da tutela proveniente dessa demanda: com seu julgamento, caberia à Fazenda o dever-direito de restabelecer a exigibilidade do crédito tributário? A sentença ou o acórdão seriam os marcos determinadores dessa medida? Ou seu trânsito? Seria viável falar em antecipação de tutela?
Num primeiro momento, não teríamos dúvida de que o restabelecimento da exigibilidade do crédito em hipótese como a que estamos cogitando, por uma questão de segurança, só se aparelharia com o trânsito em julgado da sentença ou acórdão exarado nesse sentido. Não obstante essa premissa, em fase inicial ou quando da emissão da sentença, nada obstaria, se presentes os requisitos legais, a antecipação do sobredito efeito – restabelecedor, repita-se, da exigibilidade –, mas nem tanto para fins de alavancamento de novo julgamento, senão apenas para infirmar eventual dúvida sobre o curso, em desfavor da Fazenda, dos prazos a que se submete, notadamente o de prescrição.
Por outro lado, ainda que se admita a teórica possibilidade de raciocínio que dê suporte ao ajuizamento de ação tendente a anular decisão administrativa oriunda de processo que terminou em empate, com deslinde favorável ao sujeito passivo por conta do art. 28 da Lei nº 13.988/20, é forçoso reconhecer que seu emprego tumultuaria, e muito, o já assoberbado contencioso tributário, além de contar com as dificuldades operacionais relativas aos pontos que apresentamos, à medida que os registros aqui lançados são muito mais ilustrativos de um possível encaminhamento do que definidores de respostas.
Abstraindo-se o deslinde das ADIs 6399, 6403 e 6415, pensamos, assim, que muito melhor seria a incorporação, em nossa prática, de sistema similar ao adotado pela Suprema Corte dos Estados Unidos,<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> em que, “quando há empate, prevalece a decisão da Instância inferior”.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
Essa forma de ajustar as coisas coloca de lado a busca por um voto de minerva, tendo a virtude de, independentemente de ser ou não favorável ao contribuinte, fixar um encaminhamento objetivo, além de facilitar a apuração do resultado do julgamento nos casos de multiplicidade de aspectos (e de pontos decididos, por consequência), decompondo-se a decisão nos tantos pontos que porventura tenha encarado – algum(ns) potencialmente por unanimidade, outro(s) por maioria (para os quais, portanto, o problema do voto de qualidade não se apresenta), outro(s) com empate e, aí sim, resolvido(s) pela medida proposta.
Para fins de implementação prática da sugestão, propomos, ao final, a seguinte modificação no art. 19-E da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10522.htm">Lei 10.522/2002</a>:
Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se a questão por meio da prevalência, na fração em que se operou o empate, da decisão da instância inferior, cuja orientação contará como voto de desempate na instância superior e definitiva.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo a Suprema Corte estrangeira: “When there is a tie vote, the decision of the lower Court stands”.Vide <a href="https://www.uscourts.gov/about-federal-courts/educational-resources/about-educational-outreach/activity-resources/supreme-1">https://www.uscourts.gov/about-federal-courts/educational-resources/about-educational-outreach/activity-resources/supreme-1</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Inclusive, ainda que não da mesma forma, há previsão de sistemática específica, no bojo do CPC 2015, para julgamentos não unânimes (artigo 942 do CPC), o que serviria de precedente normativo para avançarmos neste tema em relação ao voto de qualidade.

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JOTA

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A controvérsia do voto de qualidade e seus impactos – Parte II

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