Marcus Vinicius Dias

Nos últimos anos, o Estado brasileiro tem se reformado a passos largos, quando se leva em consideração um regime democrático em que o contraditório é algo permanente e, em meio a desistências, se busca o consenso, o possível, o meio termo. Num regime em que todos falam, toda a construção é fruto de negociação e de criação de uma maioria que, em caso de mudanças na <a href="https://www.google.com/url?sa=t&amp;rct=j&amp;q=&amp;esrc=s&amp;source=web&amp;cd=&amp;ved=2ahUKEwj1wKTVmvb5AhV2iJUCHbaqAesQFnoECAkQAQ&amp;url=https%3A%2F%2Fwww2.senado.leg.br%2Fbdsf%2Fbitstream%2Fhandle%2Fid%2F182020%2F000113791.pdf&amp;usg=AOvVaw2pI7vAq3_1npQ518tLGXi2">Carta Magna</a>, impõe a necessidade de uma maior parte qualificadíssima e nada trivial de três quintos.
Nos últimos anos uma série de legislações têm sido revisitadas no Parlamento federal em busca de se adequar às necessidades do hoje, da atualidade. Podemos citar rapidamente a reforma da legislação trabalhista, do sistema previdenciário público e privado, do limite de gastos governamentais, do marco do saneamento, entre outras tantas modificações legislativas.
Um exemplo emblemático, que menciono de modo particular aqui, foi o da última reforma da previdência. Aqui ou em Marte, uma mudança nas regras de aposentadoria é sempre um vespeiro, por um motivo simples: sempre é no sentido de endurecimento, o que significa, na prática, que iremos contribuir mais e por maior tempo. Mas por trás dessa “maldade” há uma perspectiva de ganho social coletivo, que se traduz pela sustentabilidade de um sistema que, em síntese, quer “apertar o cinto” hoje para que amanhã não falte a pensão ou a aposentadoria para quem durante uma vida inteira contribuiu para o todo.
Mas uma reforma legislativa desse nível, para ser bem-sucedida, precisa estar madura, o que corresponde dizer que no seio da sociedade, em que pese os eventuais prejuízos individuais, o coletivo tem que estar convencido de que ela é necessária. Uma vez que esse sentimento tenha abrigo no consciente social, seu eco chega à classe política e, como tempestade de verão, decanta de modo intenso, rápido, mas logo dá a vez ao arco-íris e à luz do sol.
Conquista social mais do que legítima dos brasileiros foi o nosso direito a um sistema universal de saúde, consagrado pelo constituinte, que atendendo aos anseios de uma sociedade que se redemocratizava, fez valer sua voz na Assembleia de 1988 e, ali, se criou as bases legais desse marco civilizacional brasileiro conhecido como Sistema Único de Saúde (SUS).
Não carece de detalhes que em virtude da tragédia sanitária que impôs ao mundo milhões de vidas perdidas, nosso SUS foi colocado à prova, teve suas mazelas expostas e, de modo inequívoco, mostrou sua resiliência e importância como instrumento de seguridade social. Não há um único brasileiro que não tenha, em algum momento desses últimos dois anos, ao menos uma vez, aplaudido a turma da bata blanca que compõe o exército da saúde brasileira. Neste mesmo sentido, não houve um só brasileiro que, por mais bilionário que seja, não tenha entrado num posto de saúde em um dos mais de cinco mil municípios brasileiros e tomado a sua vacina, sem desembolso direto, às “custas” do SUS. E na outra ponta não houve um só soldado da saúde que durante todo esse tempo não tenha se orgulhado de usar estampado no jaleco a bandeira do Sistema Único de Saúde, que hoje faz parte dos símbolos nacionais.
Depois de mais de 30 anos de sua criação, nosso sistema público de saúde saiu da academia, dos congressos, da agonia do cidadão pobre e ganhou a mesa de bar. E assim como se fortaleceu em nós a certeza de que o constituinte acertou ao ouvir a voz das ruas ao sacramentar o acesso à saúde como um direito do cidadão e uma obrigação estatal, também se consolidou a importância de se aprimorar esse patrimônio da sociedade brasileira, especialmente para aqueles que não conheciam o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>.
Nossa performance durante a pandemia nos mostrou a força desse sistema, mas também desnudou nossas dificuldades históricas em se financiar, em se organizar como rede hierarquizada e integrada de assistência, em se promover a saúde e não só tratar a doença, em consolidar uma política nacional de formação de mão de obra qualificada e homogênea no setor; e de assegurar o princípio mais belo do SUS, que é a equidade, marco maior da nossa generosidade enquanto povo.
Dentro deste cenário, quero crer que há um clima de condensação virtuosa no sentido de se abrir a discussão de uma reforma sanitária no Brasil; uma Reforma da Reforma, em alusão ao conhecido movimento social que culminou no SUS. Mas o mote hoje é outro! Não basta assegurar o direito, mas sim efetivar o acesso! Não basta apenas ter acesso, ele tem que ser de qualidade! Não se quer apenas qualidade, é necessário sustentabilidade!
Peter Drucker, uma espécie de papa da administração, nos ensinava que tudo aquilo que não pode ser medido, não pode ser gerenciado. Dessa forma, aquilo que antes pipocava em pequenos fóruns de especialistas, hoje é pauta permanente em colegiados formuladores das políticas de saúde no país. Aquilo que não passava de artigos científicos e livros de MBA, hoje, se transformou em portarias assinadas e publicadas pelas autoridades sanitárias. Desempenho, meritocracia, desfecho, produção, cuidado baseado em valor, em suma, são atualmente as pautas do dia. E o melhor: independentes de orientação ideológica ou partidária.
O SUS pertence ao povo vibrante do Brasil. Seu valor foi provado durante a pandemia, mas seus desafios também nos foram apresentados. A reformadora sociedade brasileira, que mostrou maturidade nos últimos anos em apoiar a revisão de legislações que visavam ao aperfeiçoamento das legítimas conquistas oriundas da nossa Constituição, quero crer, está pronta para a discussão do aperfeiçoamento do seu Sistema Único de Saúde. Estou convicto de que não nos faltará, como sociedade, coragem e habilidade para preservar o nosso SUS vivo e atual. “Se não nós, quem? Se não agora, quando? ”

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Valor do SUS nos foi provado durante a pandemia, mas seus desafios também nos foram apresentados

Viva a saúde pública brasileira!

Valor do SUS nos foi provado durante a pandemia, mas seus desafios para a saúde pública no Brasil também nos foram apresentados