César Mattos

Leonardo Euler de Morais

O setor de telecomunicações atualmente investe cerca de R$ 30 bilhões por ano e gera algo como 500 mil empregos diretos, representando cerca de 4% do PIB brasileiro. A regulação do setor já avançou muito em 2019 com a alteração promovida pela Lei nº 13.879/2019, o novo marco de telecomunicações e principal reforma microeconômica desde a desestatização ocorrida ao final década de 90, em que se permitiu a migração de um regime de concessão para autorização na telefonia fixa, um modelo regulatório mais adequado à nova realidade setorial<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O país também se prepara para entrar no mundo da quinta geração de telefonia móvel (5G), com previsão de leilão de radiofrequência para breve e que já contou com consulta pública recente pela Anatel<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. O leilão brasileiro de 5G será o maior da história brasileira e, seguramente, um dos maiores do mundo em largura de banda disponibilizada.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Ressalte-se, ainda, que esta tecnologia não será apenas um “4G + 1”, mas sim mais uma revolução nas telecomunicações. Ou seja, não se trata de apenas mais um G, mas de um guarda-chuva que envolve e potencializa várias tecnologias, tais como inteligência artificial, robótica e realidade aumentada.
Para muito além de ganhos de aumento de velocidade, conforme ocorreu na transição da tecnologia de terceira para quarta geração, a tecnologia de 5G tem outras facetas, notadamente aquelas relacionadas à Internet das Coisas, tanto de internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) massivo quanto de IoT para aplicações que requerem menor latência (são sensíveis ao atraso).
Nessa perspectiva, o 5G terá efeitos expressivos nos ganhos de produtividade da economia, possibilitando novos modelos de negócios com impactos profundos na produtividade e competitividade da economia brasileira.
Apesar destes recentes e importantes avanços do arcabouço normativo bem como de perspectivas tecnológicas promissoras, ainda pairam barreiras tributárias ao desenvolvimento do setor de telecomunicações. Uma delas, envolve as barreiras à utilização de antenas satelitais para provimento de banda larga satelital (VSat).
A ampliação do serviço de internet via satélite é estratégia relevante para a universalização do acesso à internet de banda larga fixa em locais pouco povoados e/ou distantes dos grandes centros urbanos, em que não há disponibilidade de conexão via cabo ou fibra ótica. Ou seja, o VSat é estratégico para a inclusão destas localidades no mundo da internet.
Entretanto, devido à defasagem da legislação brasileira, incidem sobre estes equipamentos encargos desproporcionais. Na verdade, existe uma assimetria tributária injustificável entre a internet satelital e aplicações similares, embora não substitutas, tais como a internet cabeada e a internet móvel.
Isso contraria diretamente o importante princípio da neutralidade tributária, induzindo os agentes a buscar soluções que não obrigatoriamente são as mais eficientes, destruindo a produtividade e a competitividade da economia e mesmo inviabilizando o provimento de banda larga em locais distantes.
O problema com encargos setoriais desproporcionais acontece também nos dispositivos IoT. De maneira simples, pode-se entender a IoT como o ecossistema no qual os objetos físicos estão conectados e se comunicam entre si e com o usuário, por meio de sensores e softwares que transmitem dados por uma rede.
Tratam-se de sensores de monitoramento, drones para acompanhamento ou transporte de bens, wearables (smartwatches, óculos de realidade virtual), equipamentos de saúde (inclusive dentro do próprio corpo humano), equipamentos industriais inteligentes, dentre outros.
A IoT será uma das principais ferramentas para potencializar o 5G e viabilizar a Indústria 4.0, Saúde 4.0 e as cidades inteligentes. Um Relatório da Mckinsey de 2017<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> previa que o impacto econômico anual do IoT poderia ser, em 2025, de até US$ 11,1 trilhões no ano no mundo e de até US$ 200 bilhões no Brasil, ou seja, algo entre 10 e 11% do PIB brasileiro de 2019. Uma criação de riqueza desta magnitude, definitivamente, não pode ser negligenciada.
Ocorre que, tal qual no caso das VSats, sobre a instalação e o funcionamento de cada dispositivo conectado, considerado pela legislação como uma estação de telecomunicações, decorrem fatos geradores de taxas e contribuições.
Entre os encargos setoriais incidentes sobre VSat e IoT destacam-se: a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF) – a arrecadação dos dois forma o FISTEL (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações) –, definidas pela Lei nº 5.070, de 1966; a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), definida na Medida Provisória nº 2.228-1, de 2001; e a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP), definida na Lei nº 11.652, de 2008; todas essas devidas pelos prestadores de serviços de telecomunicações. Importante ressaltar que os valores vigentes da Condecine constam da Portaria Interministerial nº 835, de 13 de outubro de 2015, que atualizou monetariamente os valores previstos na MP nº 2.228-1, de 2001.
A cobrança de encargos setoriais sobre os dispositivos IoT ocorre como um tributo específico, ou seja, em base ad-rem, um valor fixo em Reais sobre cada dispositivo, e foi originalmente calibrada para equipamentos de telecomunicações com valores de receita média muito superior às dos dispositivos IoT. Sua transposição para essa nova realidade tecnológica é nociva, e pode inviabilizar seu modelo de negócios.
<blockquote class="jota-article__eye">Ou seja, é mais um exemplo do equívoco em economia de se comparar maçãs com laranjas. A conversão automática da forma de incidência daqueles tributos aos dispositivos IoT representa desconsideração completa das características de cada produto.</blockquote>
Explica-se. Ao se ativar um dispositivo IoT, por exemplo, são recolhidos os seguintes montantes no primeiro ano: R$ 5,68 de TFI; R$ 3,22 de Condecine e R$ 1,34 de CFRP. Nos anos subsequentes são devidos os mesmos valores em relação às referidas contribuições e acrescidos de 33% do valor pago de TFI, a título de TFF.
Portanto, são R$ 10,24 no ano de ativação e R$ 6,44 nos anos consecutivos. Valores nada irrelevantes que acabam por inviabilizar aplicações como agricultura de precisão dentre outras que demandarão uma quantidade massiva de dispositivos máquina-a-máquina (M2M, na sigla em inglês). O caso das pequenas antenas de recepção satelital (VSats) tampouco é animador. São R$ 201,12 de TFI; R$ 24,13 de Condecine e R$ 10,04 de CFRP.
Devido ao seu grande impacto sobre a produtividade, e por ser elemento catalisador de novos modelos de negócios, as alterações dos encargos setoriais incidentes sobre a IoT e as VSat também assumem caráter emergencial na crise do coronavírus. Tanto o IoT como o VSat podem viabilizar soluções de “produtividade à distância”, mitigando os efeitos decorrentes do isolamento social sobre a atividade econômica.
Resta claro que as distorções existentes têm representando entraves significativos à digitalização da economia brasileira e à universalização da internet, com prejuízos sobre a inovação e a produtividade, tratando-se de ajuste regulatório fundamental no país. Diante deste cenário, o Poder Executivo vem desenvolvendo proposta de racionalização dos encargos para o VSat e IoT.
No entanto, um problema que naturalmente aparece em políticas de desoneração tributária é o potencial efeito negativo sobre as finanças públicas. Naturalmente isso depende da reação da base de incidência do tributo (ou, de forma equivalente das transações com o produto ou serviço tributado diretamente e dos produtos e serviços ao longo da cadeia produtiva indiretamente) à redução da alíquota.
Se as transações aumentarem mais do que proporcionalmente à queda da alíquota, a desoneração acaba gerando aumento de arrecadação, o que equivale a estar na parte descendente da curva de Laffer<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Ou seja, o efeito da redução das alíquotas de VSat e IoT sobre a arrecadação depende de uma medida da elasticidade da arrecadação em relação a estes tributos.
Em geral, há uma abordagem conservadora do Tesouro nesse tipo de avaliação, assumindo que a elasticidade do produto em relação ao tributo é zero, ou seja, a base de incidência não se altera com a redução da alíquota. Isso implica que, por construção, uma redução da alíquota sempre gera perda de arrecadação, estando-se sempre na parte positiva da curva de Laffer.
Dada a história recente de desonerações promovida no início desta década e que resultaram em queda na arrecadação e efeito baixo sobre o produto, o conservadorismo do Tesouro Nacional não é fortuito<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Os casos do VSat e IoT, no entanto, são qualitativamente muito diferentes. Primeiro, porque a forma de tributação de forma ad-rem calibrada com base em ativos mais antigos com receita média muito superior constitui um equívoco muito elementar.
Segundo, o efeito da banda larga sobre o crescimento econômico e, portanto, sobre a base de incidência de todo o sistema tributário é significativo. De fato, conforme a União Internacional de Telecomunicações (UIT), um aumento de 1% na penetração banda larga fixa resulta em um incremento de 0,08% do PIB, enquanto um aumento de 1% no desenvolvimento do ecossistema digital resulta em aumento da produtividade de 0,23%<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Terceiro, Freitas, Morais e Guterres (2017)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> estimam só para a desoneração de VSat um aumento na penetração de banda larga de 6,18% até 2027 e um incremento na arrecadação anual de R$ 520 milhões para R$ 1,08 bilhão em 2027, indicando estarmos na faixa descendente da curva de Laffer para este produto.
É muito plausível que no caso de IoT haja também perda de produto e arrecadação da a calibragem totalmente equivocada dos tributos mencionados acima gerados. Como se espera um incremento de até 10% do PIB até 2027, a desoneração do IoT certamente terá impacto positivo e relevante na arrecadação.
Em síntese, a medida propiciará um melhor ambiente de negócios e auxiliará na disseminação da banda larga satelital e na expansão da internet das coisas, com impactos positivos na produtividade e competitividade do país. Perder (novamente) o “bonde da produtividade” e deixar estas oportunidades perdidas seria um equívoco de grande monta com elevados prejuízos. Dada a tragédia da crise do covid-19, isso seria imperdoável para a burocracia do país.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Ver Mattos (2016) para uma análise econômica da necessidade de mudança. Disponível em: &lt;<a href="http://www.telesintese.com.br/e-razoavel-reversibilidade-dos-ativos-sistema-de-telefonia-fixa-comutado-stfc/">http://www.telesintese.com.br/e-razoavel-reversibilidade-dos-ativos-sistema-de-telefonia-fixa-comutado-stfc/</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em:&lt;<a href="https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?eEP-wqk1skrd8hSlk5Z3rN4EVg9uLJqrLYJw_9INcO7f83WpBYBvVMkqoL5wI8_UQxmDbbxOdcu_3IJKkpvDnLpZR4d-b8v-C7FZx2iDU7WRebb2mwTkaP0v5GzLlXNU">https://sei.anatel.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_documento_consulta_externa.php?eEP-wqk1skrd8hSlk5Z3rN4EVg9uLJqrLYJw_9INcO7f83WpBYBvVMkqoL5wI8_UQxmDbbxOdcu_3IJKkpvDnLpZR4d-b8v-C7FZx2iDU7WRebb2mwTkaP0v5GzLlXNU</a>&gt;.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;<a href="https://www.mckinsey.com/industries/semiconductors/our-insights/whats-new-with-the-internet-of-things">https://www.mckinsey.com/industries/semiconductors/our-insights/whats-new-with-the-internet-of-things</a>&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Ver &lt;<a href="https://www.sunoresearch.com.br/artigos/curva-de-laffer/">https://www.sunoresearch.com.br/artigos/curva-de-laffer/</a>&gt; para uma explicação bem didática da curva de Laffer.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Silva, Fernandes, Gama, Quaresma e Takada (2015). Em <a href="http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/trabalhos-academicos/desoneracao-da-folha-de-pagamentos-analise-e-modelo-alternativo.pdf">Desoneração da Folha de Pagamento: Análise e Modelo Alternativo</a> mostram o elevado custo fiscal da Lei nº 12.546, de 2011. <a href="https://www.anpec.org.br/sul/2019/submissao/files_I/i7-39374a13ac8235208c801cff19fda7a5.pdf" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Castro, Casula, , Wildner e Nascimento (2019)</a> também encontraram uma evidência negativa da desoneração do Plano Brasil Maior de 2011.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> “The economic contribution of broadband, digitization and ICT regulation”. UIT, 2018.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Freitas, Morais e Guterres: “<a href="http://www.ipea.gov.br/radar/temas/servicos/662-efeitos-da-desoneracao-tributaria-sobre-a-difusao-da-banda-larga-no-brasil-enfoque-na-incidencia-do-fistel-sobre-o-terminal-de-acesso-individual-por-satelite">Efeitos da Desoneração Tributária Sobre a Difusão da Banda Larga no Brasil: enfoque na incidência do fistel sobre o terminal de acesso individual por satélite</a>”. Disponível em: &lt;<a href="https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/170621_radar_51_cap_04.pdf">https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/170621_radar_51_cap_04.pdf</a>&gt;.

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JOTA

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