Felippe Angeli

Durante o ano, vimos a crônica crise brasileira de segurança pública se aprofundar. Massacres em presídios, greve de policiais militares e o desmoronamento da política de segurança no Rio de Janeiro. No afogadilho, ao invés de se buscar mudanças estruturais, vimos a adoção de medidas pontuais que não tem a menor chance de representar uma melhora de longo prazo. Um claro exemplo deste desarranjo é o emprego do Exército Brasileiro em operações nas comunidades pobres do Rio de Janeiro: vimos dezenas de demonstrações da profunda desarticulação entre as Forças Armadas e a polícia fluminense numa sequência de confrontos com criminosos, caracterizados pela baixa apreensão de armas e drogas, mas com alta letalidade e vitimização tanto da comunidade quanto dos policiais. Ao longo do ano, semana após semana foi noticiado que milhares de crianças e adolescentes tinham tolhido seu direito à educação pois os confrontos armados impediam seu acesso à escola. Não há dúvidas, manter esta abordagem nos levará à ruína.
Já em Brasília, conhecemos no início do ano um rascunho de um Plano Nacional de Segurança Pública do qual não se conhece o destino. O máximo efeito manifesto foi a ampliação da nomenclatura do Ministério da Justiça, agora Ministério da Justiça e da Segurança Pública. A Câmara dos Deputados alardeou a votação de um pacote de segurança pública no início de novembro, mas não conseguiu aprovar muito além da vedação de progressão de regime para assassinos de policiais, ainda que o STF tenha considerado inconstitucional a completa proibição de progressão de regime prisional. Este projeto, remetido ao Senado, já tem parecer pela inconstitucionalidade na Comissão de Constituição e Justiça, que considera decisão do Supremo. Outra proposta aprovada na Câmara é a exclusão de atenuante de pena para condenados menores de 21 anos, assim como o fim da redução de prazo de prescrição para réus entre 18 e 21 anos.
O que não se discutiu, todavia, é que 64% dos detentos brasileiros estão privados de liberdade por crimes de furto, roubo ou tráfico de drogas, muitas vezes cometidos sem violência e que envolviam bens de baixo valor ou pequena quantidade de drogas. No outro extremo, apenas 11% dos presos estavam privados de liberdade pelo crime de homicídio, o crime que mais traumatiza nossa sociedade, que priva anualmente milhares de brasileiros da convivência com seus entes queridos. Pesquisa recente<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> publicada pelo Instituto Sou da Paz descobriu que – além de praticamente não dispormos de informações sobre o esclarecimento de homicídios no país – os únicos seis estados que apresentaram informações sobre esclarecimento dos assassinatos apresentaram uma média de resolução da ordem de 25%, com o estado do Pará, por exemplo, esclarecendo apenas 4% das mortes intencionais ocorridas em seu território. Esta é a verdadeira impunidade brasileira. Mas atacar os problemas conjunturais da violência nacional, infelizmente, não está na ordem do dia.
A aposta no populismo penal tem representado o fracasso de nossa segurança pública ao longo das últimas décadas. Não reformamos nossas polícias, não debatemos seriamente a política de drogas, não criamos um modelo federal de financiamento da segurança pública, que permita a integração entre os diversos órgãos que compõem o sistema de segurança.
Os estudos periódicos que realizamos acerca da conduta do Congresso Nacional também corroboram com o pessimismo. Em 2016<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, vimos novamente que mais de 1/3 dos projetos que tratam de segurança pública que foram apresentados na Câmara buscam ou aumentar penas ou criminalizar um novo comportamento. No Senado Federal, a proporção é ainda maior, mais de 42% dos projetos tratam a segurança pública pela ótica exclusivamente penal. 
Nossa sanha prisional segue inabalável. Entre 1997 e 2016, um salto de 326% na população carcerária. Um aumento médio de mais de 16% ao ano, protagonizado por um modelo de policiamento que prioriza o flagrante e assim acaba incidindo, na maior parte das vezes, em pequenos criminosos, já vulnerabilizados e cuja passagem pelo sistema penal só fará aprofundar sua desintegração social. A verdadeira impunidade, todavia, permanece intocada. Os mais de 60 mil homicídios anuais permanecem com baixíssima investigação, impedindo a punição a criminosos realmente violentos e eliminando qualquer esperança de justiça para os familiares das vítimas.
Políticos irresponsáveis que se travestem do discurso da lei e da ordem para vender soluções fantasiosas têm agravado o problema há décadas. Já não podemos mais com as falácias. Que os discursos moralizantes e a cultura do confronto fiquem para trás e que possamos focar nas evidências já disponíveis sobre como resolver o problema. Não podemos esperar mais nenhum segundo.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Onde Mora a Impunidade? Disponível em: <a href="http://www.soudapaz.org/upload/pdf/index_isdp_web.pdf">http://www.soudapaz.org/upload/pdf/index_isdp_web.pdf</a>
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> O Papel do Legislativo na Segurança Pública em 2016. Disponível em: <a href="http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pesquisa_poder_legislativo_2017_261017.pdf">http://www.soudapaz.org/upload/pdf/pesquisa_poder_legislativo_2017_261017.pdf</a>
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pmsl

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JOTA

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