Henrique Jorge Dantas da Cruz

<p>Quase a totalidade da nossa vida é convivendo. Os professores Clóvis de Barros Filho e Mario Sergio Cortella têm uma definição de ética que gosto muito. Na obra “Ética e vergonha na cara”, publicada em 2014 pela Papirus 7 Mares, eles definem ética como a inteligência viva compartilhada à serviço do aperfeiçoamento da convivência. Assim, o que os membros de uma sociedade valorizam por proporcionar uma boa convivência é considerado ético. Já aquilo que a opinião comum entende que faz mal à convivência em sociedade é antiético.</p>
<p>Leonardo Magalhães Avelar publicou aqui no <strong>JOTA</strong> judicioso artigo intitulado “‘<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/fura-fila-da-vacinacao-conduta-imoral-ou-criminosa-01042021">Fura-fila’ da vacinação: conduta imoral ou criminosa?</a>”. Ao lê-lo, percebi que temos opiniões semelhantes: furar a fila de prioridade de vacinação faz mal à convivência em sociedade e o “furão” despreza a vida humana, não é dotado de solidariedade, é insensível, e coloca “seu próprio interesse à frente de grupos vulneráveis”. Por isso, nós consideramos ser dever do Poder Público coibir essas condutas.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>A discussão sobre a criminalização dessa conduta é bastante controversa e foge dos limites deste artigo, pois os objetivos são assentar (i) a existência de previsão normativa adequada para combater essas atitudes na seara cível (ii) e a importância social desse combate.</p>
<p>Segundo o ministro Luís Felipe Salomão (relator do REsp 1.539.056), o dano moral transindividual – conhecido como "dano moral coletivo" – caracteriza-se pela prática de conduta antijurídica que, de forma absolutamente injusta e intolerável, viola valores éticos essenciais da sociedade, implicando um dever de reparação, que tem por escopo prevenir novas condutas antissociais (função dissuasória), punir o comportamento ilícito (função sancionatório-pedagógica) e reverter o eventual proveito patrimonial obtido pelo ofensor em favor da comunidade (função compensatória indireta).</p>
<p>Segundo Sua Excelência, essa categoria de dano moral é aferível “in re ipsa”, ou seja, reclama a mera apuração de uma conduta ilícita que, de maneira injusta e intolerável, viole valor ético-jurídico fundamental da sociedade, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral. Diante desse quadro, furar a fila da vacinação desenganadamente subsome-se à figura do dano moral coletivo.</p>
<blockquote class="jota-article__eye"><p>Impor sanções às pessoas que se vacinaram porque utilizaram estratagema para enganar é de suma importância.</p></blockquote>
<p>Atualmente, a internet possibilita uma massiva comunicação e, por via de consequência, há uma enxurrada de opiniões sobre todos os assuntos nos mais diversos sentidos. Na minha visão, essa atual sociedade discute com mais profundidade e preparo assuntos que antes não tinham a atenção devida, apesar da relevantíssima importância, como a violência contra a mulher, a homofobia, o racismo, etc.</p>
<p>Logo, é hora, sim, de também incluir de forma séria a ética nessa discussão; de colocar na ordem do dia se a astúcia, a malandragem e o jeitinho agridem ou não a vida em sociedade; de refletir abertamente se satisfações individuais devem ou não ceder às regras impostas coletivamente; de entender que o hipócrita é aquele que defende uma regra que todos devem respeitar, menos ele; de levar Kant a sério e sempre prestar atenção no resultado que seria produzido, se todas as pessoas se comportassem ardilosamente.</p>
<p>Bem provável que até o mais canalha – utilizando a expressão do professor Clóvis – não deseje que sua família sofra canalhices. Bem provável que ele mesmo não queira sofrer. Bem provável que ele veja que só tem vantagens em ser canalha se os outros forem éticos, porque, se todos forem canalhas, é possível que alguém seja mais astucioso do que ele, aí o jogo muda, e agora ele passa para o lado das vítimas.</p>
<p>É por isso que manter a vigilância contra pretensões cuja satisfação compromete a convivência garante a vitória da sociedade sobre os canalhas e traz a ética para o centro do debate.</p>
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vacinação

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JOTA

Furar a fila de prioridade de vacinação faz mal à convivência em sociedade e o 'furão' despreza a vida humana

Vacinação, fura-fila e ética

Furar a fila de prioridade de vacinação faz mal à convivência em sociedade, e o 'furão' despreza à vida humana