Ana Luiza Calil

O uso de redes sociais pelos governos se insere em um movimento de transformação da publicidade, tanto do ponto de vista interno da organização quanto do ponto de vista de arena pública e construção de opinião. Quanto à estrutura do governo, o cenário se insere na incorporação das redes sociais ao ferramental da administração, como instrumento parte das estratégias de consolidação do governo digital.
Diversas entidades públicas federais possuem perfis em plataformas diversas para disseminação de informações de interesse coletivo. Alguns perfis institucionais de ouvidoria já foram criados no Twitter – como o da <a href="https://twitter.com/OuvidoriaAnvisa">Anvisa</a>, por exemplo. Diversos ministérios, secretarias e órgãos publicam boletins semanais e tais postagens se caracterizam como parte da realização do princípio da publicidade da administração. As redes sociais, sem dúvida, se consolidaram como uma ferramenta da engrenagem administrativa.
Cabe destacar que a discussão do uso cotidiano das redes sociais pelos agentes públicos, pela via de perfis institucionais ou pessoais, é diversa da travada em âmbito eleitoral. O potencial do uso das redes para campanhas vem se aquecendo desde as eleições de 2018. Debates que envolvem o uso de robôs para disseminação de informações – falsas ou não –, limites aos conteúdos patrocinados, dentre outros, se tornaram pauta no Brasil e em outros países.
Com as <a href="https://www.jota.info/eleicoes">eleições 2022</a> à vista, foi estruturado o Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/justica-eleitoral">Justiça Eleitoral</a>, instituído pela Portaria TSE <a href="https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2021/portaria-no-510-de-04-de-agosto-de-2021">nº 510/2021</a>. Além da Câmara e do Senado, players chave para a efetividade do programa aderiram aos seus termos: Google, Facebook, Instagram e WhatsApp, segmentos de mídia e comunicação, partidos políticos e outros – e, depois de polêmicas, o <a href="https://www.jota.info/eleicoes/tse-e-telegram-assinam-acordo-de-cooperacao-para-combate-a-noticias-falsas-17052022">próprio Telegram firmou o termo de adesão</a>.
Embora as eleições despertem o assunto pela questão do fator de influência das redes sociais nas urnas, a discussão do uso de redes sociais por agentes públicos (e seus problemas) ruma um caminho diferente no dia a dia administrativo. Há 242 milhões de smartphones em uso no Brasil, média de mais de 1 por habitante, conforme apurado em 2021<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. No espectro das redes sociais, há cerca de 127 milhões de usuários ativos no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/facebook">Facebook</a> no país, sendo estimado que até 2025 mais de 72% da população estará ativa na rede social<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. O que isso representa? Que as redes sociais atingem a população de maneira ampla, permitindo novas formas de construção da relação governo-cidadão sob o aspecto da transparência.
O que parece animador em termos de estímulo à participação social por vias mais acessíveis e com custos mais baixos, tem riscos e desafios para o direito e para os arranjos jurídicos da governança de funcionamento desse sistema. As redes sociais são plataformas privadas, com termos e políticas de privacidade próprios, que podem interferir diretamente na atividade institucional de instituições públicas que dela fazem uso.
Em fevereiro deste ano, o perfil institucional do Tribunal de Contas da União (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a>) foi surpreendido com uma suspensão da plataforma<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/youtube/page/2"> Youtube</a>, no momento da realização de uma sessão de julgamento telepresencial da entidade. De acordo com a plataforma, o TCU teria violado recorrentemente a sua política, o que implicaria a suspensão temporária do uso de determinados recursos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>. O episódio levou ao adiamento da sessão naquela data e de críticas do ministro Bruno Dantas à atitude adotada. O caso não é isolado. Em outubro de 2021, o presidente da República também já havia tido seu perfil no YouTube suspenso temporariamente e vídeos deletados, em virtude da propagação de informações inverídicas publicamente<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Outro desafio diz respeito à natureza dos perfis e contas criados nas plataformas. O perfil pessoal de um agente público, ocupante de mandato ativo, teria natureza privada? Nos Estados Unidos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, o caso do banimento do ex-presidente Donald Trump no Twitter resultou no entendimento que não haveria como distinguir uma conta pessoal de uma institucional, quando o autor da postagem é presidente da República. Isto porque o ex-presidente veiculava rotineiramente informações de interesse público geral, atuando sob o véu institucional e não pessoal.
No Brasil, a discussão já se encontra no Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>). Há dois mandados de segurança pendentes de julgamento que discutem exatamente a mesma questão da natureza da conta pessoal quando o utilizador é um agente político<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>. O primeiro caso foi impetrado por um cidadão, advogado, que teve seu perfil bloqueado da conta do presidente da República, em 2020, após postagem de um comentário crítico ao mandatário na rede Instagram.
O segundo caso foi impetrado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) contra o bloqueio no Twitter de 65 jornalistas da conta oficial do presidente <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/jair-bolsonaro">Jair Bolsonaro</a>. Na ação, os impetrantes reforçam o caráter de interesse público do perfil do presidente, o direito de acesso à informação e o agravamento da situação considerando que os bloqueados são jornalistas.
Os diversos exemplos de problemas suscitam desafios para o jurista, legislador e regulador no tema das redes sociais. O caso brasileiro envolve uma grande máquina pública funcional, com usuários ativos e atuantes nas redes, sendo as plataformas do uso cotidiano da administração de natureza privada.
A pergunta de milhões do “como regular redes sociais” ainda traz mais incertezas do que respostas. A Comissão Europeia, recentemente, aprovou o chamado Digital Services Act, que trata da responsabilidade das plataformas quanto ao conteúdo veiculado. Países como Alemanha, Reino Unido, Austrália, Nigéria e Colômbia ou já aprovaram ou estão em vias de aprovação de modelos similares<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>. E como fica o Brasil nesse cenário?
O desafio brasileiro vai além. A pluralidade de perfis institucionais, perfis “pessoais” de agentes públicos e a dimensão do Estado brasileiro, em todos os níveis federativos, exige que eventual regulação de redes sociais leve em consideração o seu uso por agentes públicos e instituições públicas. O sujeito regulado, quando público, está atrelado a uma série de vinculações e responsabilidades que derivam da própria Constituição – como a publicidade e a transparência, por exemplo.
Não há fórmula própria nem modelo regulatório único para o tema. Mais do que nunca, a construção da regulação deve levar em conta a realidade da Administração Pública brasileira para manejar soluções que façam sentido no país. O movimento eleitoral de aproximação com as plataformas e partidos políticos contra a desinformação pode ser um estudo de caso a ser avaliado. Mas, retomando a tecla já batida nos parágrafos anteriores, é preciso pensar fora do nicho eleitoral, para criar estratégias normativas ou não-normativas efetivas para que as redes sociais e plataformas gerem efeitos positivos na máquina pública brasileira.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Dados disponíveis em: <a href="https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/pesquisa-anual-uso-ti">https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/pesquisa-anual-uso-ti</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Dados disponíveis em: <a href="https://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/">https://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/</a>.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Fonte: <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/02/01/youtube-aplica-punicao-a-canal-oficial-do-tcu-e-leva-tribunal-a-adiar-sessao-de-julgamentos.ghtml">https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/02/01/youtube-aplica-punicao-a-canal-oficial-do-tcu-e-leva-tribunal-a-adiar-sessao-de-julgamentos.ghtml</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Fonte: <a href="https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,youtube-tambem-exclui-live-de-bolsonaro-com-falsa-relacao-entre-vacina-e-aids,70003879872">https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,youtube-tambem-exclui-live-de-bolsonaro-com-falsa-relacao-entre-vacina-e-aids,70003879872</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> United States Court of Appeals for the Second Circuit, Knight First Amendment Institute v Donald J. Trump, No. 18-1691-cv (9 de julho de 2019) e United States Court of Appeals for the Fourth Circuit, Davison v Randall, 912 F.3d 666, 680 (7 de janeiro de 2019).
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Mandado de segurança nº 37.132 e Mandado de segurança nº 38.097.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Pesquisa em desenvolvimento pela autora, na Universidade de São Paulo, em disciplina ministrada pelo prof. Dr. Vitor Rhein Schirato, que avaliou diferentes modelos regulatórios para o tema.

dole777-gPet7PdxI1Q-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Uso de redes sociais por agentes públicos

É preciso pensar fora do nicho eleitoral para criar estratégias efetivas para que as redes sociais gerem efeitos positivos

Uso de redes sociais por agentes públicos

A regulação além das eleições