Jonathan de Mello Rodrigues Mariano

Douglas Estevam

A redação do novo art. 8º da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm">Lei 11.445, de 2007</a>, além de esclarecer quem é o titular do serviço público de saneamento básico, criou mecanismos inovadores para o alcance de metas de universalização da política pública no país.
Entre tais mecanismos, cabe pontuar a unidade regional de saneamento básico, prevista no art. 3º, inc. VI, alínea “b”, da Lei nº 11.445, de 2007, com redação dada pela Lei 14.026, de 2020. De acordo com o dispositivo, a prestação regionalizada, que integre um ou mais componentes de serviço público de saneamento em determinada região em mais de um município, pode ser instituída pelo estado-membro, mediante lei ordinária, para o agrupamento de municípios não necessariamente limítrofes, a fim de atender às exigências de higiene e de saúde pública ou dar viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos.
Pela definição legal, a unidade regional de saneamento básico visa finalidades públicas comuns entre municípios que não necessariamente sejam contíguos, assim como permite ao estado-membro ser o promotor técnico e econômico dos serviços de saneamento básico.
Colocar o estado-membro como responsável pelos problemas de política pública em saneamento básico parece torná-lo titular do serviço público, quando, na verdade, são os municípios e eventuais Regiões Metropolitanas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> <a href="ttps://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adi-1-842-e-as-funcoes-publicas-de-interesse-comum-26092021">que possuem tal condição</a>, como já assentado pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a> no julgamento da ADI 1.842/RJ.
A princípio, somente à municipalidade, legítima titular do serviço, incumbiria buscar novos mecanismos de prestação regionalizada com outros municípios ou, até mesmo, com o estado-membro, para otimizar a prestação do serviço público por meio de gestão associada, na forma do art. 8º, §1º, incisos, da Lei 11.445, de 2007, com redação dada pela Lei 14.026, de 2020.
Segundo estabelecido pela nova lei, aparentemente a criação de unidade regional seria um novo instrumento de agrupamento compulsório de municípios, ao lado da região metropolitana, da aglomeração urbana ou da microrregião, para a boa prestação do serviço público de saneamento básico<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Contudo, a única hipótese em que a própria Constituição impôs condição ao livre exercício da autonomia federativa municipal foi em caso de instituição de região metropolitana, de aglomeração urbana ou de microrregião, por meio da edição de lei complementar estadual, e jamais por lei ordinária, ao contrário daquilo expresso no art. 3º, inc. VI, alínea “b”, da Lei 11.445, de 2007.
Com isso, poderia se concluir que a unidade regional de saneamento básico seria materialmente inconstitucional<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, por violar expressamente o art. 25, §3º, da CRFB/1988, ao criar instrumento compulsório de prestação regionalizada de saneamento básico, sem que fosse exigida a edição de lei complementar.
Acontece que essa afirmação, com todo respeito, parece simplista, tendo em vista a própria importância da unidade regional para a melhoria da prestação de serviços de saneamento básico, principalmente por municípios que não tenham condições econômico-financeiras de executá-los.
A interpretação, portanto, deve ser outra: ao invés de declarar a inconstitucionalidade do art. 3º, inc. VI, alínea “b”, da Lei 11.445, de 2007, por que não aplicar a técnica da interpretação conforme a Constituição, para manter a unidade regional na caixa de ferramentas do administrador, a fim de que ele possa dispor de uma gama ampla de instrumentos jurídico-institucionais para melhor atender ao interesse da municipalidade, na consecução de políticas públicas de saneamento básico mais eficientes, otimizadoras e propulsoras de direitos fundamentais?
A compatibilização, na medida do possível, da unidade regional de saneamento básico com o ordenamento constitucional em vigor é o que mais parece atender aos anseios de universalização da política pública.
Para tanto, é importante se ter em mente que a unidade regional de saneamento básico deve ser entendida como espécie de planejamento estadual para alcançar metas de higiene e de saúde — principalmente, vinculadas às metas de universalização do saneamento básico no território do estado-membro —, assim como para conceder programação econômica e auxílio técnico aos municípios que não possuam condição de executar sozinhos a política de saneamento.
Nesse sentido, a unidade regional de saneamento básico deve funcionar como instrumento de concerto entre os municípios para atingir as metas de universalização, de proteção da saúde pública e de promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que contarão com o apoio do estado-membro na condição, sob a ótica federalista, de aglutinar o dissenso em território estadual.
A unidade regional de saneamento básico, portanto, deve ser o meio de exercício da competência administrativa comum estadual fixada no art. 23, inc. IX, da CRFB/1988. O estado-membro, sob essa ótica, seria o ator de confluência de interesses municipais, para a formação de uma nova prestação regionalizada de serviços públicos, com o fito de aprimorar as estruturas e as operações da política de saneamento no território estadual.
A exigência da edição de lei ordinária estadual deve ser compreendida como necessária à ótica da legalidade administrativo-constitucional, a fim de permitir que o estado-membro estabeleça mecanismos econômico-financeiros — como, por exemplo, a distribuição de receitas públicas — dirigidos ao alcance de metas de higiene e de saúde, assim como para dar amparo econômico-financeiro à prestação de serviço de saneamento básico por municípios mais pobres.
Com o estabelecimento desse planejamento através da unidade regional de saneamento básico, o município que assim desejar — ainda que o convencimento parta de tratativas políticas entre os chefes do Poder Executivo —, poderá, de forma facultativa, aderir a essa forma jurídico-organizacional, como expressamente previa o §4º, do art. 3º, do PL nº 4.162, de 2019.
Quer-se dizer: com a instituição da unidade regional de saneamento básico, os municípios não estarão compulsoriamente sujeitos à decisão do estado-membro. A compatibilização da unidade regional em relação ao ordenamento constitucional perpassa necessariamente pela atribuição de seu caráter facultativo ou voluntário, conforme dispõe o art. 8º-A, da Lei nº 11.445, de 2007, com redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020.
Mais do que isso, diferentemente da gestão metropolitana, os entes federados na unidade regional de saneamento básico deverão ter participação paritária de voto sobre as decisões no desenvolvimento da política pública de saneamento, uma vez que o respectivo peso dos votos, a depender da importância econômico-política de cada municipalidade, teria o efeito perverso de diminuir a autonomia federativa dos demais Entes Federados, que ainda continuam a ostentar a condição de titular do serviços públicos de saneamento básico.
A compatibilização da unidade regional de saneamento com o ordenamento jurídico-constitucional requer, portanto, três características: (i) a voluntariedade na adesão; (ii) a participação paritária dos municípios na gestão do serviço, sem a distinção no peso dos votos (diferentemente das regiões metropolitanas, cujos pesos podem variar de acordo com a relevância dos municípios, segundo a ADI 1.842/RJ); e (iii) ser o estado-membro o grande ator de auxílio no fornecimento de mecanismos técnicos, econômico e financeiros para que a população estadual seja universalmente atingida pela política pública de saneamento básico.
A partir disso, as unidades regionais de saneamento básico serão compatíveis com o ordenamento jurídico-constitucional. Embora sua instituição se dê por lei ordinária estadual, o seu escopo será formar uma prestação regionalizada, sem diminuição da autonomia federativa municipal, fora dos lindes traçados pelo Poder Constituinte no art. 25, §3º, da CRFB/1988.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> v. ESTEVAM, Douglas. A ADI 1.842 e as funções públicas de interesse comum. JOTA, 2021. Disponível em: &lt;<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adi-1-842-e-as-funcoes-publicas-de-interesse-comum-26092021">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/adi-1-842-e-as-funcoes-publicas-de-interesse-comum-26092021</a>&gt;. Acesso em 13 mar. 2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Numa análise histórico-legislativa, pode-se dizer que a falta de técnica legislativa na elaboração do PL nº 4.162, de 2019, é que levou a isso. Pois, no bojo do referido PL, expressamente se consignou que os Municípios poderiam facultativamente aderir, na condição de titulares do serviço de saneamento básico, às prestações regionalizadas de que trata o inciso VI, do art. 3º, da Lei nº 11.445, de 2007. Sucede, porém, que essa adesão voluntária não se restringia apenas às unidades regionais, mas também à região metropolitana, à aglomeração urbana e à microrregião, situação que, com toda certeza, seria declarada inconstitucional pelo STF, uma vez que, na ADI 1.842/RJ, se estabeleceu a natureza compulsória de agrupamento do Município através de região metropolitana, de agrupamento urbano e de microrregião. Por essa razão, é que a Presidência da República apôs veto jurídico ao art. 3º, § 4º, da Lei nº 11.445, de 2007, com redação dada pela Lei nº 14.026, de 2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> cf. ESTEVAM, Douglas; SANTORO, Bernardo. Regiões metropolitanas e o novo Marco do Saneamento in AIETA, Vania; FROTA, Leandro (Coord.). Marco Regulatório do Saneamento Básico: Lei nº 14.026/2020. Brasília: OAB Editora, 2021. p. 85-102. Disponível em: &lt;<a href="https://www.oab.org.br/publicacoes/pesquisa?termoPesquisa=Saneamento#modal-publicacao">https://www.oab.org.br/publicacoes/pesquisa?termoPesquisa=Saneamento#modal-publicacao</a>&gt;. Acesso em 13 mar. 2022.

Parque da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp, no Butantã, zona oeste

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JOTA

O art. 25, §3º, da CRFB/1988 e a técnica de interpretação para a manutenção das unidades regionais

Unidades regionais de saneamento: meio compulsório ou voluntário de prestação?

O art. 25, §3º, da CRFB/1988 e a técnica de interpretação conforme a Constituição para a manutenção das unidades regionais.