Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Se no meu ativo de homem público podem ser apontados alguns serviços que nossos compatriotas têm recompensado e ainda premeiam com tamanha largueza, não devem os resultados obtidos ser levados à conta de aptidões excepcionais que eu possua. Esses resultados, sem falsa modéstia posso dizer, foram devidos à excelência das causas que me coube defender e ao apoio que, por serem elas nacionais, encontrei sempre nos nossos concidadãos.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Barão do Rio Branco (1845-1912)</footer>
</blockquote>
A concepção de uma política externa firme e eficaz é um processo complexo no qual determinantes históricas e geográficas precisam ser constantemente atualizadas para articularem respostas coerentes a novos desafios impostos ao país pelo cenário internacional. E o papel da liderança política é justamente o de articular os diversos interesses regionais e setoriais da sociedade nacional e uma visão unitária do papel do país no mundo e das possibilidades de realização dos seus objetivos históricos na geração presente. Por isso a política externa é sempre uma política de Estado, pairando acima e além das disputas políticas e ideológicas internas do momento.
O Brasil conta com uma sólida tradição em política externa, que herdamos de nossos antepassados lusitanos. A diplomacia luso-brasileira, de fato, consolidou-se ao longo dos séculos como uma ação externa baseada no mais alto grau de sofisticação técnica em diversas áreas, como no direito, na economia e, principalmente, na geografia. O conhecimento da geografia legou-nos uma profunda compreensão do nosso lugar físico no mundo, de um enclave nos trópicos a partir do qual o último ramo da civilização greco-romana dará sua contribuição, pacífica e benevolente, em prol do desenvolvimento da humanidade.
Essa bela e muito eficiente tradição diplomática, contudo, não se desenvolve de maneira automática. Ao contrário, necessita ela de constantes adaptações e atualizações, a cada geração, para que continue a ser um instrumento de paz e desenvolvimento para a humanidade e para o povo brasileiro. Daí a importância enorme de que as lideranças políticas tenham consciência de que a política externa é uma política de Estado e não de governo, e de que os líderes atuais são apenas curadores de uma tradição milenar que, se for bem cuidada, florescerá por muitos séculos ainda após eles terem desaparecido.
O maior risco à manutenção e à continuidade de nossa tradição diplomática tem sido, nos últimos cinco séculos, o de fragmentação. Dadas as vastas dimensões, primeiro do império ultramarino lusitano e, depois, do imenso território brasileiro, a articulação de uma política externa de Estado corre o risco de esfacelamento se setores específicos e entes subnacionais perseguirem uma colocação internacional individualista, sem coordenação e fora da concepção de unidade nacional. Fragmentado, o interesse nacional torna-se presa fácil para a cobiça externa.
No momento atual, o risco de fragmentação de nossa ação externa é o mais alto desde a época do descobrimento, principalmente pelo advento de novas tecnologias. As redes sociais, em geral, e os algoritmos de inteligência artificial (IA), em particular, têm fragmentado a própria experiência humana da realidade. As pessoas, cada vez mais, vêm se relacionando com a realidade de maneira mediada pela tecnologia, que, potencializada pela IA, apresenta-lhes uma visão personalíssima da realidade, mostrando apenas aquilo que interessa ao indivíduo e reforçando uma falsa sensação de comando e certeza em relação ao mundo. Esse filtro artificial tem reforçado a polarização e os extremismos, dificultando em muito a manutenção e a articulação de um consenso de Estado acerca da inserção internacional do país, que esteja acima das paixões do dia de hoje.
A articulação desse consenso de Estado, em um império ultramarino e em um território de dimensões continentais como o Brasil, sempre se dera pela ação firme e enérgica de estadistas que tinham consciência do seu papel histórico de meros curadores de uma tradição que lhes é superior. Homens como Martim Afonso de Sousa, Alexandre de Gusmão, José Bonifácio, Montezuma, Paulino José Soares de Sousa, Duarte da Ponte Ribeiro, Carneiro Leão, os dois Rio Branco, Macedo Soares, Osvaldo Aranha, Santiago Dantas, Afonso Arinos, e tantos outros, souberam atualizar a tradição diplomática luso-brasileira na articulação de uma visão adequada da inserção internacional do Brasil para o momento em que viviam.
Esses grandes estadistas do nosso passado, contudo, não articularam uma atualização da nossa política externa sozinhos. Eles contavam com o apoio de setores importantes da sociedade brasileira e, principalmente, das elites regionais, que compreendiam a importância e a necessidade da concepção e da manutenção de elementos de uma política nacional de Estado que esteja acima das paixões partidárias. Na era das redes sociais e da IA essa articulação é muito mais difícil, mas é, também, muito mais importante. A nossa própria sobrevivência como nação independente em um cenário internacional cada vez mais tenso e perigoso depende, em grande medida, da conscientização das elites regionais e setoriais da importância da articulação nacional.
O Barão do Rio Branco, ao assumir o Itamaraty em 1902, recebera de seu amigo, Joaquim Nabuco, o conselho fundamental, que certamente marcou o sucesso de sua gestão e garantiu que demarcássemos nossas fronteiras com mais de dez nações vizinhas sem a necessidade de dispararmos um único tiro: “vá com a unidade nacional acima de tudo. Você terá uma chave mágica para entrar e sair em todas as questões.” In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nas coisas necessárias, unidade; nas coisas duvidosas, liberdade; e em todas as coisas, caridade. Atribuído a Santo Agostinho de Hipona (354-430 d.C.)

Palácio do Itamaraty na Esplanada dos Ministérios

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JOTA

A importância de as lideranças políticas terem consciência da necessidade de articulação de uma política de Estado

Unidade nacional e política externa

A importância de as lideranças políticas terem consciência da necessidade de articulação de uma política de Estado