Beatriz Pereira

Gabriela Terepins

Larissa Cunha Macedo

Raphael Niemeyer

Recentemente o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentou uma proposta de Medida Provisória (MP) com o pretenso objetivo de aprimorar a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), prevista na <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13576.htm">Lei 13.576/2017</a>, e valorizar o Crédito de Descarbonização (CBIO) em outros mercados. No entanto, como os potenciais prejuízos em muito superavam os eventuais ganhos, não poderia ter sido outra a reação do mercado senão prontamente rechaçar o documento, conforme posição chancelada por mais de 20 entidades do setor de biocombustíveis em carta direcionada ao MME em 9 de setembro de 2022. 
Em um primeiro momento, a MP se apresentava como uma vitória para parte relevante dos atores abrangidos pelo RenovaBio, ao passo que a MP atenderia algumas de suas demandas antigas. Entretanto, após análise refletida das propostas da MP, questionou-se se os aparentes efeitos positivos compensam as alterações potencialmente danosas trazidas pela MP, que poderiam levar ao cabo o RenovaBio. 
Destaca-se como proposta positiva a possibilidade de emissão de CBIOs a partir de combustíveis coprocessados (e.g., o óleo vegetal coprocessado com óleo diesel mineral) e biocombustíveis sintéticos (e.g., óleo diesel produzido a partir de CO2 do ar e H2 de eletrólise da água). Outra alteração que poderia ter impactos positivos era a alteração dos distribuidores de combustíveis para produtores e importadores como parte obrigada a cumprir a meta de descarbonização do RenovaBio.  
O subsídio gerado pela emissão dos CBIOs conferido indiretamente às novas fontes energéticas estimulariam o seu uso, em detrimento dos combustíveis fósseis mais poluentes. Essa medida seria positiva não só para as produtoras de biocombustíveis, mas também iria ao encontro do movimento de transição para uma economia de baixo carbono, que não só é tendência global, mas também um dos objetivos do RenovaBio e do próprio Brasil em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). 
Além disso, com a alteração proposta na parte obrigada, a responsabilidade pela descarbonização recairia quase que exclusivamente na Petrobrás, responsável por 90% do petróleo e gás produzido e importado no Brasil, conforme divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em junho deste ano. Este movimento facilitaria o controle e fiscalização do cumprimento de metas e utilização dos CBIOs, garantindo maior transparência e eficácia ao RenovaBio. 
É justo dizer que tais conquistas seriam positivas para o programa como um todo, visto que o aumento da oferta de CBIOs, em conjunto com uma melhor alocação da obrigação de descarbonização, tenderiam a representar um importante incentivo à descarbonização do setor e, por consequência, à valorização do programa como um todo.  
Por outro lado, a minuta apresentada da MP também continha propostas vagas, que traziam uma indesejável incerteza ao RenovaBio, além de propostas manifestamente contrárias ao melhor interesse do programa e de seus agentes. 
Para atender um de seus objetivos de aumentar da credibilidade do CBIO, a MP propunha equipará-lo a um valor mobiliário – sem no entanto fazê-lo de fato – e colocar a negociação e intermediação destes títulos sob a tutela da Comissão de Valores Mobiliários (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cvm">CVM</a>). Não era clara a intenção do MME ao indicar que o CBIO passaria a ter natureza de “tratamento próximo” a um valor mobiliário, bem como trazia insegurança franquear a fiscalização de negociação de CBIOs à CVM, que já se manifestou reiteradamente seu entendimento de que este tipo de ativo não configura um valor mobiliário. 
A MP também versava sobre a ampliação dos ativos ambientais elegíveis para cumprimento das metas do RenovaBio, autorizando a compensação de emissões com créditos de carbono famosos no mercado voluntário (tais como aqueles oriundos da conservação de florestas em pé) e cédulas de produto rural. 
Não há como conceber um resultado diferente para tal proposta senão a fragilização do RenovaBio, em particular da sua integridade sistêmica. Permitir o cumprimento de suas metas por meio de créditos de carbono exógenos ao setor de combustíveis distorceria os princípios basilares do programa, ao passo que ensejaria que produtores e importadores compensassem suas emissões de gases de efeito estufa até a neutralidade (offset), sem, de fato, reduzi-las. 
Outro subproduto indesejado de referida alteração seria a tendência de queda vertiginosa do valor do CBIO, ao passo que os ativos florestais são transacionados por valor significativamente inferior. Para fins comparativos, os ativos florestais emitidos com a metodologia REDD+ foram transacionados em 2021 por um valor médio de USD 5,40, enquanto o CBIO atingiu neste ano o valor recorde de mais de R$200,00. 
Havia na MP outras tentativas de, intencionalmente ou não, desvalorizar o CBIO, tais como estabelecimento de prazo para que sejam comercializados, além do aumento da oferta e maiores cursos de transação. 
Assumindo o contexto político e econômico que estamos atravessando, é compreensível a tentativa do governo de reduzir o preço do combustível para o consumidor, fator este que parece ter sido o real objetivo das alterações então propostas pelo MME. Todavia, as ferramentas utilizadas não só desestimulavam a produção de combustíveis de menor impacto no aquecimento global, como também feriam gravemente a já combalida credibilidade do RenovaBio perante o mercado como um todo.  
Vale lembrar que esta MP surgiu na esteira da prorrogação do prazo para as distribuidoras de combustíveis comprovassem a sua meta anual, retrocesso que gerou forte crítica quanto à integridade e transparência do RenovaBio.  
Por estes motivos, é de se comemorar a posição do setor, que parece engajado em fortalecer o RenovaBio e garantir maior segurança jurídica para suas ferramentas de descarbonização. Resta agora perseverarmos no debate e esperar que haja maior transparência e participação dos agentes de mercado nas discussões sobre o RenovaBio. Afinal, não se sabe se o RenovaBio poderia sobreviver a mais uma vitória como estas que o MME gostaria de impor ao programa.

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JOTA

É de se comemorar a posição do setor, que parece engajado em fortalecer o instituto e garantir maior segurança jurídica

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