Marcelo Figueiredo

O senador Renan Calheiros apresentou recentemente proposta de Emenda Constitucional para incluir entre as competências do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> o processo e julgamento de crimes contra o Estado democrático de Direito.
A proposta é inoportuna, centralizadora e, caso aprovada, causará mais instabilidade à já combalida democracia brasileira. Desde logo é preciso dizer claramente. Já temos uma legislação específica que define os crimes contra o Estado democrático de Direito. Trata-se da <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.197-de-1-de-setembro-de-2021-342334198">Lei 14.197</a>, de 1º de setembro de 2021.
Ela revogou a Lei de Segurança Nacional e atualizou o Código Penal em relação aos crimes contra a soberania nacional, dos crimes contra as instituições democráticas (abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado), e dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral.
A primeira crítica que se faz é se há necessidade de uma Emenda Constitucional para a matéria. Parece-nos que a resposta é negativa. Os crimes em geral devem ser definidos no Código Penal ou em legislação especial e não na Constituição.
A Emenda traz as figuras da discriminação política, da violência política, da ameaça política, da injúria política, da intolerância política no mercado de trabalho e no acesso a bens e serviços e no ensino.
Todas as figuras lá previstas poderiam bem estar acomodadas no Código Penal, se fossem consideradas absolutamente necessárias. Ameaçar alguém com um gesto passa a ser crime! Um disparate.
Prevê-se uma injúria – ofender a dignidade de alguém por conta de sua orientação política. Como apurar a existência e materialidade dessa conduta? Alcançará a norma os senhores deputados e senadores, aqueles que vivem no ambiente político?
Como comprovar que o empregador negou a oportunidade de trabalho a determinado candidato por conta de sua orientação política?
Não pode o dono do restaurante ou o chef da cozinha recusar-se a servir um político corrupto que malbaratou os cofres públicos, protestando contra a lesão ao erário e a cidadania? Praticará um crime? Tal conduta deve ser criminalizada?
E uma vaia a um ministro do Supremo Tribunal Federal também deve dar ensejo a um processo penal? Onde vamos parar nesta sanha de criminalização?
O dano ao patrimônio público já não é suficientemente regulado no direito brasileiro?
Além de todos esses aspectos devemos ainda acrescentar talvez o principal. O Supremo Tribunal Federal não é um tribunal penal ordinário. Não foi concebido para julgar pessoas comuns ou crimes em geral.
Nele não se coleta prova, não se faz instrução penal como regra. É uma tentativa de Corte Constitucional imperfeita, mas não um tribunal ordinário.
Ademais, a experiência de séculos nas diversas democracias indica que qualquer crime deve ser apurado em primeira instância, deixando o sistema livre para todos os recursos em benefício da pessoa humana subir aos tribunais superiores, e  excepcionalmente ao STF.
Não fosse por tais razões a prudência estaria a indicar o que todos já sabem. O Supremo Tribunal Federal está atulhado de processos por força de uma competência superdimensionada que mereceria ampla revisão redutora, senão mudança de estrutura.
Por isso, esperamos que a proposta de emenda à Constituição seja arquivada o quanto antes.

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JOTA

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Uma PEC inoportuna e inconstitucional

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