Diogo Luís Manganelli de Oliveira

O ano de 2022 representa um marco quando o assunto é a implementação de programas de governança corporativa no Brasil, especialmente no setor da saúde.
Além da regulamentação referente à aplicação das sanções previstas no art. 52 e seguintes da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm">Lei 13.709/2018</a>, a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/lgpd-e-anpd-saiba-o-que-sao-e-entenda-as-diferencas-entre-a-lei-e-o-orgao-13042022">Lei Geral de Proteção de Dados</a> (LGPD)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, por meio da <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cd/anpd-n-1-de-28-de-outubro-de-2021-355817513">Resolução CD/ANPD nº 1</a> de 28 de outubro de 2021, e da recente <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.289-de-3-de-janeiro-de-2022-371717752">Lei 14.289/2022</a>, que dispõe sobre o sigilo dos dados referentes a determinadas doenças, o ano também traz a obrigatoriedade de observância da <a href="https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/60739749/do1-2019-01-28-resolucao-normativa-rn-n-443-de-25-de-janeiro-de-2019-60739541#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20ado%C3%A7%C3%A3o%20de%20pr%C3%A1ticas,plano%20de%20assist%C3%AAncia%20%C3%A0%20sa%C3%BAde">Resolução Normativa nº 443/2019</a> da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), especialmente para aquelas operadoras classificadas como de médio e grande porte.
A Resolução Normativa nº 443/2019 não representa apenas a estipulação de novas regras destinadas ao controle do sistema de saúde suplementar no país, mas sim uma verdadeira mudança de direção em relação à gestão. Para compreendermos seu escopo, é necessário nos aprofundarmos brevemente no antigo modelo aplicado às operadoras para o acompanhamento, pela ANS, de sua solvência.
A revogada <a href="http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&amp;task=TextoLei&amp;format=raw&amp;id=MTU3MQ==">RN nº 209/2009</a> trazia em seu art. 6º o conceito de Margem de Solvência que, a grosso modo, correspondia à suficiência do Patrimônio Líquido ou Social. Superada pela <a href="http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&amp;task=TextoLei&amp;format=raw&amp;id=Mzg2MA==">RN nº 451/2020</a>, a partir de agora e neste período de transição, com relação ao exercício contabilizado até dezembro de 2022, as operadoras deverão focar sua gestão no balanceamento entre a figura do Patrimônio Líquido Ajustado (PLA) e do chamado Capital Regulatório. Este último, que será constituído de acordo com o maior valor apurado entre o Capital Base e a Margem de Solvência. Já com relação ao exercício a partir de 2023, deverão apurá-lo a partir do balanceamento entre o Capital Base e o Capital Baseado em Risco.
Altera-se o modelo, portanto, para a análise que leva em consideração primordialmente o potencial de risco das operadoras, o que se confirma a partir da introdução do conceito de Capital Baseado em Risco, regra de capital que define o montante variável a ser observado pela operadora em função de fatores pré-determinados por modelo-padrão estabelecido pela ANS, englobando os principais riscos envolvidos nas atividades cotiadas da saúde suplementar no país, como risco de subscrição, de crédito, de mercado, legal e operacional.
Diante desta modificação, que vai ao encontro das mais avançadas práticas internacionais e nacionais em regulamentação prudencial, a RN 443/2019 é fator crucial no seu sucesso. Isso porque, para que tais critérios destacados anteriormente possam ser efetivados e, principalmente, auditados, é essencial que existam práticas estabelecidas de governança corporativa nas operadoras. Logo, a resolução se apresenta como um meio através do qual tais práticas poderão ser implementadas. O novo modelo de gestão de riscos, inclusive, fica ainda mais claro a partir da leitura da Seção II.<a href="#_ftn2" name="_ftnref7">[2]</a>
Todavia, a necessidade de criação de programas de governança corporativa nas operadoras de planos de saúde suplementar não é uma novidade de todo, já que a LGPD se encontra publicada desde 2018 e vigente desde agosto de 2020. Ao definir que as organizações que tratam dados pessoais serão responsáveis pela sua gestão, a lei trouxe a necessidade de que estruturas, muitas vezes inaugurais e incipientes, fossem criadas para comportar suas previsões. Procedimentos como gestão de processos, auditorias, canais de denúncia, gestão de terceiros e melhores práticas em governança se tornaram temas frequentes.
Quis o contexto global e, quiçá, o destino que ambas as regulamentações fossem publicadas praticamente ao mesmo tempo, o que permitiu àquelas operadoras que se anteciparam nos respectivos temas a capacidade de desenvolver ambos os programas de governança de maneira concomitante e conexa, se aproveitando de elementos comuns para a racionalização de recursos físicos e financeiros.
Aproveitando-se ainda de perceber a semelhança entre conceitos e determinações contidas nas respectivas normas, cada uma delas voltada ao atendimento de seus objetivos específicos, mas sempre em atinência às práticas gerais de governança.
Princípios próprios de governança corporativa, como prestação de contas, transparência, equidade e responsabilidade, foram diretamente incorporados pela RN nº 443/2019, o que pode gerar certa confusão/sobreposição entre normas, já que também presentes em outros cenários. Neste contexto, a partir do seu objetivo e sua conexão direta com a já mencionada RN nº 451/2020, acredita-se que a interpretação de seus dispositivos deva se aproximar de aspectos financeiros e de gestão de risco, não se estendendo a demais campos já regulamentados por outras legislações mais específicas.
Além disso, as regulamentações também convergem no sentido da necessidade de observância do conceito de accountability, ou seja, a necessidade de produção e armazenamento de evidências acerca do cumprimento das normas.
Divergem, contudo, quanto à forma de verificação. Enquanto pela LGPD tais evidências deverão ser armazenadas por prazo indeterminado, a ser definido de acordo com a finalidade da atividade e visando eventuais solicitações da ANPD a título de fiscalização e/ou dos titulares, para a RN nº 443/2019 as evidências deverão ser desenvolvidas anualmente por auditores independentes, com base no exercício antecedente, e encaminhadas à ANS por meio do Relatório de Procedimentos Previamente Acordados (PPA).
Também divergem com relação às formas de sua fiscalização. Enquanto a RN nº 443/2019 é de responsabilidade da ANS, as regras contidas na LGPD poderão ser objeto de fiscalização por parte da ANPD, Ministério Público, órgãos de defesa do consumidor e até do Poder Judiciário. Todavia, se ressalta que as penalidades administrativas contidas na legislação são de competência específica da ANPD.
Embora existam semelhanças entre as normas, o que em um primeiro momento pode gerar dúvidas acerca de suas respectivas aplicações e extensão da competência de fiscalização dos respectivos órgãos, os contextos de atuação de cada uma delas devem orientar a amplitude da interpretação de sua incidência. Para tanto, enquanto não existem maiores definições, sugerimos a utilização do critério da especialidade, ou seja, regras mais específicas sobre um determinado afastam as demais.
Exemplificativamente, isso quer dizer que eventuais dúvidas acerca do cumprimento ou não do princípio da transparência deverão, antes de mais nada, passar pela análise referente ao viés regulatório abordado. Ou seja, cabe compreender se a análise acontece do ponto de vista da privacidade e proteção de dados, com informações claras aos titulares sobre o tratamento de seus dados pessoais, ou sob o viés administrativo e de gestão, referente a informações sobre a solvência e risco da operadora.
Tais semelhanças têm importante papel nas construções de programas de governança corporativa sólidos, coesos e conexos, permitindo a otimização de recursos e a melhoria contínua de práticas, fluxos e procedimentos internos. Isso devido ao fato de serem constituídas sobre as mesmas premissas. Tratam-se, pois, de aspectos específicos de uma única estrutura de governança corporativa.
Entre semelhanças e diferenças existentes entre as regulamentações, fato é que ambas são extremamente necessárias em seus respectivos campos de atuação, representando passos importantes para que a saúde suplementar brasileira esteja em nível semelhante aos mais desenvolvidos mercados do mundo, tanto a título de gestão da solvência dos contratos com os beneficiários como em relação à utilização de seus dados pessoais de maneira regrada. Os maiores beneficiados pela nova realidade das operadoras brasileiras sob o ponto de vista da governança corporativa são, sem dúvida, os cidadãos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 52. Os agentes de tratamento de dados, em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional:
I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
II - multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração;
III - multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II;
IV - publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
V - bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;
VI - eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração;
X - suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento pelo controlador;
XI - suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 (seis) meses, prorrogável por igual período;
XII - proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2"></a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn7">[2]</a> Seção II – Da Gestão de Riscos
Art. 9º A gestão de riscos nas operadoras deve ter por objetivo:
I - uniformizar o conhecimento entre os administradores quanto aos principais riscos das suas atividades, em especial aqueles relacionados aos riscos de subscrição, de crédito, de mercado, legais e operacionais;
II - conduzir tomadas de decisão que possam dar tratamento e monitoramento dos riscos e consequentemente aperfeiçoar os processos organizacionais e controles internos da operadora; e
III - promover a garantia do cumprimento da missão da operadora, sua continuidade e sustentabilidade alinhadas aos seus objetivos.
Art. 10. As práticas de gestão de riscos devem ser adequadas à estrutura e aos controles internos da operadora, de forma a possibilitar o seu aperfeiçoamento e monitoramento contínuo.

Planos de saúde 2

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JOTA

Além da LGPD, empresas devem cumprir regras de gestão de risco com programas de governança corporativa

Uma nova era para as operadoras de planos de saúde

Além da LGPD, operadoras de planos de saúde devem cumprir regras de gestão de risco com programas de governança corporativa