Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“Em primeiro lugar, jurando que não permitiriam que nenhum homem governasse Roma, forçou o povo, desejoso de uma nova liberdade, a não se deixar influenciar pelas súplicas ou subornos dos reis.”
<footer class="jota-article__quote-cite">Titus Livius, sobre o juramento de Brutus</footer>
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<footer>Na próxima terça-feira, dia 15 de novembro, comemoramos 133 anos da Proclamação da República. Mais do que uma efeméride que marca a mudança de um regime político, é importante relembrar que se trata de uma opção de organização da nossa sociedade balizada por valores específicos – os valores republicanos – que são de extrema atualidade em um momento em que o povo brasileiro busca reencontrar o caminho da união nacional.A ideia de se organizar a sociedade em torno da noção de res publica, isto é, de patrimônio público, em oposição à ideia de se organizar a sociedade como se fosse patrimônio pessoal do monarca, tem raízes muito antigas na história da humanidade. Mas foi em Roma, contudo, que a ideia de que as posições políticas devem ser exercidas em prol da coletividade e não do detentor momentâneo do poder se realizou de maneira mais concreta.
O episódio da Queda da Monarquia de Roma traz em si mesmo as brumas do mito. Acredita-se que em algum momento entre os séculos 6 e 5 a.C. o filho caçula do rei Lucius Tarquinius Superbus, Sextus Tarquinius, teria violentado uma moça da nobreza, a famosa Lucrécia. A moça, sentindo-se desgraçada, suicida-se, mas não sem antes reportar o ocorrido para outros nobres. O sobrinho do rei, Lucius Junius Brutus, cansado dos desmandos do monarca que executara muitos membros da sua própria família, então, lidera uma coalização entre os nobres e o povo para que, com apoio das classes armadas, o rei fosse deposto e a família real expulsa para o exílio. A revolta ocorre e inicia-se o período republicano de Roma, marcado pela separação de poderes entre o Senado, o Povo e os Cônsules, sempre dois, eleitos anualmente.
O historiador Tacitus diz que a revolta estabeleceu a liberdade e o consulado, um indissociável do outro. Reza a lenda que o primeiro ato de Brutus como Cônsul após a deposição do rei foi o de conclamar o povo romano a fazer um juramento solene de jamais permitir que um homem se torne novamente rei de Roma. A alternância anual das pessoas que assumiam o consulado era uma defesa das liberdades civis contra o risco sempre presente de que o poder ilimitado corrompesse o rei e o transformasse em um tirano, a gerir Roma como se sua propriedade privada fosse.
Em nosso processo histórico brasileiro, a ideia republicana seguiu os moldes gerais do precedente romano, o de buscar a garantia da liberdade pela separação das funções e pela alternância na ocupação do poder, mas foi qualificada pela nossa realidade local, impactada com a transferência da corte em 1808 e com o processo de Independência em 1822, que, em especial após as Revoltas Regenciais da década de 1830 e a centralização administrativa levada à cabo pela chamada “política do regresso”, havia reduzido em muito a autonomia e a liberdade das províncias. Aqui, a ideia de República veio aliada à de Federação.
Nesse sentido, o documento seminal do movimento republicano, o Manifesto de 1870, redigido por Quintino Bocaiúva, pregava a unidade na diversidade, isto é, a unidade do povo brasileiro deveria se dar pelo respeito e pela valorização das particularidades regionais e não por um movimento centralizador e homogeneizante do nosso país continental.
Dizia claramente o Manifesto que “o regime da federação, baseado, portanto, na independência recíproca das províncias, elevando-as à categoria de Estados próprios, unicamente ligados pelo vínculo da mesma nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses de representação e da defesa exterior, é aquele que adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de manter a comunhão da família brasileira". A centralização forçada, ao contrário, levaria necessariamente à fragmentação do país em lutas fratricidas.
Um outro aspecto importante do movimento republicano no Brasil foi o de, ao lado de aliar a alternância no poder com o respeito pela diversidade e pelas particularidades regionais, ter ele representado, também, um programa de política externa. Bocaiúva entendia que uma monarquia centralizadora nos trópicos era um elemento que isolava o Brasil do mundo. Esse é um ponto muito importante, porque antecipa a mudança de eixo fundamental da política externa brasileira, de Londres para Washington, que será levada à cabo genialmente pelo Barão do Rio Branco.
Sobre essa questão externa, então, dizia o Manifesto Republicano de 1870 que “somos da América e queremos ser americanos. A nossa forma de governo é, em sua essência e em sua prática, antinômica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados americanos. A permanência dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem de opressão no interior, a fonte perpétua da hostilidade e das guerras com os povos que nos rodeiam. Perante a Europa passamos por ser uma democracia monárquica que não inspira simpatia nem provoca adesão. Perante a América passamos por ser uma democracia monarquizada, aonde o instinto e a força do povo não podem preponderar ante o arbítrio e a onipotência do soberano. Em tais condições pode o Brasil considerar-se um país isolado, não só no seio da América, mas no seio do mundo. O nosso esforço dirige-se a suprimir este estado de coisas, pondo-nos em contato fraternal com todos os povos, e em solidariedade democrática com o continente de que fazemos parte".
Neste 15 de novembro, assim, precisamos relembrar que o movimento republicano no Brasil representou, para além da defesa de um regime que assegurasse as liberdades civis contra a tirania pela alternância no poder, também um programa de estruturação de um Estado federalista voltado tanto para a paz interna, pelo reconhecimento da construção da unidade nacional pelo respeito à diversidade regional, quanto também voltado para a paz externa, na busca de uma identidade internacional do Brasil que fosse americana e que erigisse em sua prioridade a paz e a cooperação com os nossos vizinhos.
O principal esforço teórico de desenvolvimento da ideia de república na antiguidade foi realizado por Cícero, em seu "De Re Publica", em que o grande orador romano analisa o governo de Roma desde a queda dos reis até as ameaças então recentes, como a ditadura de Júlio Cesar. O livro termina com uma alegoria, o famoso “Sonho de Scipio”, no qual o general romano é conduzido em uma viagem intergaláctica por seu falecido avô, Scipio Africanus, que lhe apresenta Cartago – a cidade que será destruída em 146 a.C. – a partir de um ponto alto da galáxia, do qual mesmo Roma não passa de um grão de areia perdido entre as estrelas. O principal, segundo lhe ensina seu avô, é cumprir fielmente o dever do soldado romano, cuja recompensa virá após a sua morte, com o privilégio de habitar “aquele círculo que brilha entre as estrelas que você aprendeu com os gregos a chamar de Via Láctea".
Muito tem se debatido ao longo da história acerca do sentido de se encerrar um livro sobre a república com uma alegoria cosmológica. Parece claro, cara leitora, que o sentido da ideia de república está na humildade do reconhecimento de que os Estados, a política, não representam praticamente nada no conjunto maior do universo e que a maior virtude está em agir como bons cidadãos, esperando nada além de um lugar entre as estrelas após a morte. A visão contrária, a da tirania, é a do absolutismo, representado na máxima de Luís XIV, que se identificava com o próprio sol e dizia “o Estado sou eu”. Imperare sibi maximum imperium est.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Governar a si mesmo é o máximo poder.
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JOTA

No Brasil, a ideia de República veio aliada à de Federação

Uma lembrança dos valores celebrados no 15 de novembro

Uma lembrança dos valores republicanos celebrados no 15 de novembro neste aniversário de 133 anos da Proclamação da República