Leonor Cordovil

Tatyana Caiado Koch

A Medida Provisória n. 764 foi anunciada no final de 2016 como uma das estratégias do governo brasileiro para tentar reaquecer a economia. Seu objetivo principal é o estímulo ao comércio em dinheiro, ao permitir que os estabelecimentos comerciais cobrem preços diferentes para o mesmo produto a depender do meio de pagamento escolhido pelo consumidor: dinheiro, boleto de cobrança, cartão de débito ou cartão de crédito. Apesar de bem-intencionada, a medida não alcançará os objetivos que se propôs a cumprir.
Um dos argumentos utilizados em seu favor é que os estabelecimentos comerciais serão incentivados a reduzir os valores cobrados, já que os consumidores preferirão pagar um valor menor, em dinheiro. Essa lógica não fecha por dois motivos. O primeiro é que é pouco provável que os estabelecimentos comerciais concedam descontos reais para vendas em dinheiro – preocupação levantada por órgãos de defesa do consumidor. Ao contrário: poderão cobrar preços ainda mais altos para vendas a crédito e débito[1]. Assim, o incentivo ao consumo será reduzido, já que (i) as assimetrias de informação entre estabelecimento comercial e consumidor são aumentadas diante da multiplicidade de preços, tornando difícil entender o real valor do produto e causando a velha impressão de que estão pagando mais; (ii) haverá uma elevação dos custos de transação (loja-consumidor), pois o estabelecimento precisará apresentar ao consumidor informações claras e precisas sobre os diferentes preços e condições de cada um; e (ii) grande parte da população, principalmente as classes média e baixa, preferia o parcelamento das compras, usando o cartão. 
O segundo motivo é que quanto menor o número de usuários dispostos a pagar com cartões, menor o número de estabelecimentos comerciais que estarão dispostos a aceitar cartões (para que arcar com o custo de aceitar uma forma de pagamento se os consumidores não o utilizam – ou pouco?). Consequentemente, quanto menos pessoas tiverem um cartão, maior o custo individual daquelas que o têm (pois serão menos pessoas arcando com praticamente os mesmos custos de manutenção da rede). Assim, a Medida poderá resultar no aumento – e não a diminuição – dos valores cobrados pelo uso de meios de pagamento eletrônicos.
Inclusive, nesse cenário, consumidores aumentariam a proporção de compras em dinheiro para evitar taxas – artificialmente – altas. Isso reduziria o uso dos cartões e consequentemente aumentaria os custos do sistema de pagamento eletrônico, como explicado acima. Entretanto, conforme estudo realizado pelo Banco Central do Brasil, “uma migração completa de não-eletrônicos para eletrônicos geraria um ganho social de aproximadamente 0,7% do PIB brasileiro”[2]. Assim, o desejável enquanto política pública seria, na verdade, a modernização dos meios de pagamento, de modo a ampliar o seu acesso e diminuir ainda mais os seus custos. 
Além dos ganhos econômicos e sociais atrelados ao uso de meios de pagamentos eletrônicos, não há dúvidas de que a utilização do cartão proporciona comodidade, celeridade, segurança e benefícios para os consumidores que não são quantificados na precificação em si do uso do cartão. Portanto, a universalização do acesso a esse meio de pagamento é extremamente importante, inclusive para aumentar a inclusão social ao possibilitar que consumidores de rendas mais baixas possam ter facilidade na aquisição de novos produtos de consumo por meio do acesso ao crédito.
O fato de o custo do cartão poder ser mais facilmente quantificado (bastando verificar os valores cobrados para o processamento das transações, por exemplo) dá a impressão de que não há nenhum custo embutido no papel moeda. Contudo, importa lembrar que o uso do papel moeda também tem o seu preço. O manuseio e a guarda de dinheiro em espécie implicam em diversos custos ao estabelecimento comercial, tais como: utilização de caixa-forte e contrato com transportadora de valores (a depender do volume operado); e aumento da fiscalização do funcionário responsável por gerenciar os valores, assim como aumento do seu salário diante da responsabilidade assumida (muitas vezes funcionários são responsáveis por transportar valores aos bancos, etc). Além disso, o papel-moeda também possui custos significativos de emissão, administração e circulação, que, ao contrário dos cartões, produzem efeitos na economia nacional por meio, por exemplo, da inflação. Portanto, indiretamente, os usuários do cartão também arcam (na forma de preços embutidos nos produtos) com o valor do custo do papel moeda. Assim, ao contrário do que se imagina, são os usuários do cartão que subsidiam as transações dos usuários de dinheiro em espécie.
Em suma, a discriminação pretendida pela Medida Provisória fomenta o desequilíbrio do sistema de meios de pagamento, (i) gerando o aumento das taxas de manutenção da rede para os seus usuários (e a consequente restrição ao seu acesso), ou (ii) fazendo com que a iniciativa privada também contribua para atender as demandas geradas pela Medida. Essa restrição de acesso resulta, inclusive, na gradual elitização dessa forma de pagamento, dificultando o acesso de consumidores de rendas mais baixas e, assim, o seu poder de escolha.  Verifica-se que o posicionamento adotado pelo Governo está indo na contramão da estratégia adotada por diversos países, que estão incentivando o desenvolvimento de novas tecnologias e priorizando o pagamento eletrônico (ao invés do uso do papel-moeda), tendo em vista os seus diversos benefícios. Com a estagnação ou diminuição de um setor, aumentam os custos e diminuem os incentivos para inovação e criação de novos benefícios e comodidades para consumidores, um dos principais meios pelos quais se dá a concorrência entre marcas (bandeiras) nesse mercado. 
Não se pode desconsiderar, também, que incentivos a pagamentos em dinheiro podem significar incentivos à economia informal, diante da dificuldade do ente público de fiscalizar esse tipo de transação. A redução da efetividade da fiscalização pelo Estado impacta diretamente a arrecadação tributária do país, ao facilitar, por exemplo, a lavagem de dinheiro (no caso de empresas que movimentam montantes mais altos).
Assim, a Medida Provisória trará efeitos negativos à economia e sociedade brasileira a longo prazo. A sua edição parte de premissas equivocadas, desconsiderando custos e negligenciando a realidade de que o texto legal, na verdade, incentiva o aumento dos preços nas compras realizadas com cartões, ao invés de reduzir os preços das compras feitas à vista. A consequência será a ineficiência dos meios de pagamento eletrônico, o que desestimulará a inovação e a concorrência, e reduzirá drasticamente o poder de compra do cidadão brasileiro.

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JOTA

Apesar de bem-intencionada, a medida não alcançará os objetivos que se propôs a cumprir


Uma crítica à discriminação de preços da MP 764

Apesar de bem-intencionada, a medida não alcançará os objetivos que se propôs a cumprir