Rodrigo M. Pereira

Nos últimos dias foi noticiada a <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/taxacao-da-shein-e-da-shopee-entenda-a-proposta-do-governo-13042023">intenção do governo</a> de conter o aumento de pequenas importações feitas por pessoas físicas dentro do Regime de Tributação Simplificada (RTS). Pressionado por algumas redes varejistas brasileiras, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-fazenda">Ministério da Fazenda</a> está preparando mudanças nas regras desse regime especial. Um setor da economia nacional pedindo proteção tarifária contra a concorrência dos importados não é nenhuma novidade no Brasil. Trata-se do embate clássico entre os interesses de um grupo pequeno (as redes de varejo) mas com grande poder de mobilização política, e os 207 milhões de brasileiros que se beneficiam de importações baratas, mas que têm um poder político muito difuso. 
Pelas regras atuais quase todas as compras internacionais via e-commerce se enquadram no RTS, em que os tributos federais que normalmente incidem sobre importações convencionais – IPI, PIS, Cofins e Imposto de Importação (II) – são substituídos por um imposto único de importação de alíquota de 60% incidente sobre o valor aduaneiro (valor do bem mais custos de transporte).
Trata-se de uma alíquota draconiana se comparada aos padrões internacionais, e mesmo para os padrões locais. Para se ter uma ideia, em 2022 o governo federal arrecadou R$ 60 bilhões com o II, R$ 25 bilhões com o IPI vinculado às importações, e R$ 103,8 bilhões com o PIS e a Cofins sobre as importações. Somando todos esses tributos e dividindo pelo valor FOB importado de US$ 272 bilhões (R$ 1,36 trilhão), tem-se uma carga tributária federal média sobre as importações de cerca de 13,4%. Por que então há uma tributação tão mais alta para o RTS? Seria esse um resquício do nosso protecionismo padrão século 20 esquecido num canto da nossa imensa legislação tributária?
A carga tributária total sobre as importações ainda inclui o ICMS do estado de destino da importação, que incide nas importações convencionais e também no RTS. Sob o RTS, o II de 60% somado ao ICMS estadual, aplicados sobre o valor do bem mais o valor do frete, mais do que dobra o preço originalmente pago quando um brasileiro pessoa física importa algo pelos Correios. É o famoso compre um e pague dois. Mas se as regras de tributação de pequenas importações via RTS são tão duras, por que então o governo está buscando dificultar o processo ainda mais?
A resposta está no limite de isenção, conhecido como de minimis. Se o valor aduaneiro de uma importação feita por pessoa física via Correios é menor que o de minimis, então não há incidência de tributo algum. No Brasil, o de minimis é definido dentro da legislação que regulamenta o RTS: o Decreto-Lei 1.804/1980, posteriormente modificado pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8383.htm">Lei 8.383/1991</a>, e a Portaria do Ministério da Fazenda 156/1999. O decreto-lei define um teto para o de minimis de US$ 100 e a portaria define o valor de US$ 50 para esse de minimis (abaixo do teto, portanto em consonância com a lei). Porém, a portaria também restringe o usufruto do de minimis a remessas em que o destinatário e o remetente são pessoas físicas, enquanto a restrição no decreto-lei é a de que apenas o destinatário seja pessoa física. Como portarias não podem ser mais restritivas que leis, alguns importadores pessoas físicas judicializaram a questão. O tema eventualmente chegou ao STJ, que em 2019 proferiu decisão favorável ao governo (REsp 1736335). 
Há uma grande variância nos valores do de minimis praticados pelos países. O valor brasileiro de US$ 50, ou mesmo o teto de US$ 100 não são nenhuma discrepância frente a esses valores. A tabela abaixo lista os de minimis para importações de algumas economias do planeta. Existem dois de minimis, um para o IVA (tax de minimis) e um para o II (duty de minimis). Alguns países estabelecem valores diferentes para os dois.
No Brasil como temos um único imposto com alíquota de 60% (que chamamos de II, mas na verdade equivale a um IVA + II), não é possível separar o tax do duty de minimis. Por exemplo, no México tributa-se o IVA em importações de valores a partir de US$ 50, mas tributa-se o II apenas em importações de valores acima de US$ 1.000. No Peru e na Rússia as importações são isentas de todos os tributos para valores até US$ 200. São todos países de renda per capita não muito diferente da brasileira, e que possuem de minimis bem maiores que o brasileiro. 
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Nos últimos anos não houve um movimento mundial generalizado de redução ou de aumento dos de minimis. Por um lado, a União Europeia reduziu o seu de minimis do IVA de € 22 para zero, e o Reino Unido reduziu o seu de minimis do IVA de £ 15 para zero. Por outro lado, a Tailândia aumentou seu de minimis de 1.000 para 1.500 bahts (algo em torno de US$ 43), e a Nova Zelândia aumentou o seu de minimis de 250 para 1.000 dólares neozelandeses (algo como US$ 619). O México aumentou seus de minimis do IVA e do II de 645 pesos (cerca de US$ 35) para US$ 50 no caso do IVA e US$ 1.000 para o II.
Independente da existência de regras explícitas especificando o de minimis, os países acabam praticando algum tipo de isenção tributária para encomendas de baixo valor por uma razão muito simples: custos administrativos. Escanear, catalogar e rastrear o grande volume de pequenas encomendas internacionais requer imensos recursos. A autoridade aduaneira tem recursos humanos e materiais limitados. Uma estratégia ótima é direcionar esses recursos para fiscalizações em que está em jogo arrecadações de grandes magnitudes. Quantos mais fiscais aduaneiros, máquinas de raio X etc. são alocados para monitorar pacotes da Shein e da Shopee, mais vulneráveis ficam nossas fronteiras aos contrabandos de grandes dimensões, que em geral não chegam pelos Correios. 
Um outro motivo para não se tributar essas pequenas encomendas é a sua insignificância tributária. Os dados sobre o RTS estão no Balanço Aduaneiro, publicado anualmente pela Receita Federal. Em 2022 o valor FOB (Free on Board) das importações via remessas postais foi de US$ 254 milhões. No mesmo período o valor FOB do total de importações brasileiras foi de US$ 272 bilhões. Ou seja, de cada US$ 1.000 de importações brasileiras, cerca de 89 centavos foram importações via RTS.
O valor arrecadado com o II de 60% sobre as remessas postais foi de R$ 639 milhões em 2022. Esse valor corresponde a 0,33% do total de R$ 189 bilhões arrecadados em 2022 com a tributação federal sobre o total de importações. Ou seja, o RTS é troco de bolso na perspectiva do orçamento federal. Além disso, ao apertar muito a sua taxação a arrecadação pode até aumentar um pouco, mas logo ela começa a cair porque as pessoas param de importar. Os economistas conhecem muito bem esse efeito que se manifesta na arrecadação de qualquer tributo, descrito pela famosa Curva de Laffer. 
De todo modo, se o governo pretende financiar o rombo de R$ 150 bilhões da farra dos gastos federais com essa arrecadação do RTS, é melhor procurar receitas em outras fontes. O ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fernando-haddad">Fernando Haddad</a> já declarou que espera ter um ganho de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões com o aperto na legislação do RTS. Será?
Não parece nada trivial transformar uma receita de R$ 639 milhões em R$ 7,6 bilhões ou R$ 8,6 bilhões com um aperto nas regras de tributação. Para ser justo, o RTS também arrecada cerca de R$ 860 milhões com a tributação de remessas expressas, que são aquelas feitas por companhias privadas como DHL e FedEx. Porém não existe de minimis sobre as remessas expressas, que normalmente são feitas por pessoas jurídicas, em busca de celeridade. Portanto, a mudança proposta na legislação tem como alvo apenas os R$ 639 milhões de arrecadação das remessas postais. 
O Balanço Aduaneiro de 2022 também mostra um avanço forte (32%) no valor FOB total das importações por remessas postais se comparado a 2021. Esse talvez seja o número que acendeu a luz vermelha no gabinete do ministro Haddad. Porém, ele não pode ser visto isoladamente, pois está dentro de um contexto de forte aumento do grau de abertura comercial do Brasil. Como proporção do total de importações, o aumento do RTS foi bem mais modesto. Ele representou 0,89% das importações brasileiras em 2022 e 0,84% das importações brasileiras em 2021. Isso porque o valor FOB do total de importações aumentou impressionantes 24% entre 2021 e 2022.
Um outro ponto importante é que essas importações via RTS não são apenas itens de consumo final. São também bens intermediários utilizados por uma infinidade de profissionais brasileiros: ferramentas importadas por artesãos, utensílios de cozinha importados por cozinheiras e por restaurantes, insumos de costura importados por costureiras, cordas e peças de instrumentos importadas por músicos etc. O acesso amplo e barato a esses insumos é notadamente aumentador de produtividade. Sua restrição terá o efeito contrário, de reduzir a produtividade de uma enorme gama de profissionais no Brasil. 
O maior questionamento no RTS talvez seja a alegada prática de sub-reportar o valor do bem importado para que esse se enquadre dentro do limite de isenção tributária. Essa prática seria particularmente prevalente nas plataformas chinesas como Shopee, AliExpress e Shein. Se isso realmente é verdade, seria essa uma prática exclusiva do Brasil? Por que outros países do mundo não estão com uma preocupação semelhante? O que há de diferente no Brasil?
A diferença do Brasil para o resto do mundo é a voracidade fiscal dentro do RTS. Aqui, se a remessa postal é tributada, seu valor não aumenta 20% ou 25% como acontece no resto do mundo – seu valor dobra, ou mais do que dobra. Abaixe-se essa alíquota para 20% e ninguém mais se importará em pagar o imposto, sendo até plausível um aumento em sua arrecadação. O vendedor chinês não mais terá o incentivo de mentir o valor no formulário de importação. O importador brasileiro vai pagar uma tributação civilizada, reforçando sua consciência de cidadania. E o governo vai arrecadar mais. Todos ganham. 
A Secretaria de Política Econômica (SPE) do governo Bolsonaro apresentou uma proposta de mudança no RTS que envolvia a redução da alíquota de 60% para 20%, o aumento do de minimis para US$ 100 e a elevação do valor máximo de elegibilidade ao RTS dos atuais US$ 3.000 para US$ 5.000. Teria sido o triunfo da liberdade econômica, da produtividade e do bem-estar de 207 milhões de brasileiros. Porém, os mesmos empresários que estão convencendo o ministro Haddad a extinguir o nosso de minimis já orbitavam o Ministério da Economia na ocasião. E a proposta da SPE não teve fôlego político para seguir adiante.

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JOTA

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