Cássio Casagrande

Em 1984, eu estudava no colégio marista Santa Maria de Curitiba e me preparava para o vestibular, indeciso sobre qual curso deveria tentar na universidade. Cogitava Agronomia ou Geografia; meus pais, que eram originários da classe trabalhadora e não haviam tido a oportunidade de frequentar uma universidade, sonhavam com algo mais ambicioso - Direito. Eu não me empolgava muito com essa ideia.
Então o colégio promoveu uma semana “vocacional” para os alunos do terceiro ano do ensino médio, convidando profissionais de destaque em várias áreas. René Ariel Dotti foi até lá conversar sobre a carreira jurídica. Ele já era, àquela altura, o maior advogado do Paraná - coisa que, com 17 anos, eu ignorava.  Diz muito de sua generosa personalidade que ele tenha disponibilizado graciosamente seu precioso tempo para falar sobre Direito com secundaristas desorientados.
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Lembro que fiquei fascinado pela palestra, especialmente com sua capacidade retórica de entreter a audiência, para além do conteúdo que encantava a todos.  A forma com que o Professor Dotti descrevia a carreira jurídica como uma luta pela Justiça a tornava por si só apaixonante. A veneração daquele Professor pelo objeto de seu trabalho e de sua ciência era o ingrediente que os tornavam sedutores. “Se alguém é capaz de tamanho amor pela sua profissão, ela deve ser muito interessante”, foi o que concluí.
Quando cheguei em casa e comentei que havia assistido a uma palestra de René Dotti, meus pais ficaram incrédulos e achavam que eu estava fazendo alguma confusão, como se fosse impossível que tamanha estrela do mundo do Direito fosse perder tempo com gurizada. Isso já mostra a projeção que o professor Dotti tinha ali pelo meado dos anos 1980, nos estertores da ditadura, período de nossa história em que ele se notabilizara por sua destemida atuação como advogado de perseguidos políticos.
Apenas alguns anos antes daquele dia no colégio, Dotti havia defendido um grupo de estudantes da UFSC processados criminalmente perante a Justiça Militar, em decorrência do episódio conhecido como “novembrada”, apenas por haverem articulado, em Novembro de 1979, um protesto contra a visita do General Figueiredo à Florianópolis. Esse processo, fundado na Lei de Segurança Nacional, foi certamente um dos derradeiros atos de truculência do funesto regime militar em seu ocaso. O advogado Rene Dotti obteve a absolvição dos acusados, por três votos contra dois, e o placar apertado mostra o quão difícil era o trabalho da defesa nesse tipo de processo “em tempos de cólera”.  Esse foi apenas um (talvez o último) dentre vários casos em que ele defendeu réus processados pela ditatura militar.
Em 1985, ingressei ao mesmo tempo nos cursos de Direito e Geografia, este logo abandonado. Aquele entusiasmo do Professor Dotti pelo mundo da Justiça, que de alguma forma me influenciou a escolher a carreira, era também, naquela altura, a empolgação de todos juristas democráticos, como ele, pela reconstitucionalização do país. Em breve, o reencontrei ministrando inesquecível palestra na Faculdade de Direito de Curitiba, sobre as necessárias reformas das leis penais em um Estado de Direito recuperado. O Professor Dotti foi um dos Beccarias da revolução constitucional de 1988 no que diz respeito às garantias do cidadão perante a justiça criminal.
Era também um homem de vasta cultura e me recordo que, exatamente enquanto eu cursava Direito, ele foi nomeado Secretário de Estado de Cultura na administração Álvaro Dias (1987-1991), quando desenvolveu arrojada programação cultural, especialmente no campo das artes plásticas e teatro (na juventude, foi ator amador junto com Ary Fontoura e crítico de cinema em publicação criada por Sylvio Back). Torcedor do Coritiba FC, foi também advogado do clube em causas importantes.
E, acima de tudo, foi um grande Professor da Universidade Federal do Paraná, formando gerações de profissionais do Direito. Sua influência e sua memória permanecerão em todos aqueles que tiveram o raro privilégio de ouvi-lo.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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René Dotti

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JOTA

Professor paranaense influenciou gerações de advogados

Uma breve memória do professor René Ariel Dotti (1934-2021)

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