Philippe de Oliveira Nader

A <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-tem-maioria-para-manter-x-ex-twitter-suspenso-em-todo-o-brasil">suspensão do X</a> (antigo Twitter), confirmada pela 1ª Turma do STF, levantou acalorados debates na mídia tradicional, no ambiente acadêmico e nas redes sociais, tanto no Brasil, como no estrangeiro. Não é para menos. O que está em disputa, em essência, é a definição dos limites da liberdade de expressão vis-à-vis outros direitos fundamentais como honra, imagem, privacidade e, em última instância, a própria democracia. A solução para esse enorme desafio passa, necessariamente, pela regulação das redes sociais e da inteligência artificial, que é utilizada no seu funcionamento.
Em seu novo livro<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, lançado mundialmente no último dia 10 de setembro, Yuval Harari rechaça a ideia de que uma única instituição governamental concentre o poder da regulação da inteligência artificial. O risco, alardeado entre os críticos da regulação, seria o de se criar um “Ministério da Verdade”, alusão a 1984, clássica obra de George Orwell. O remédio estaria, segundo o historiador, na distribuição do poder regulatório entre os vários atores sociais: as próprias plataformas de mídias sociais, os tribunais, a mídia tradicional, a academia e a sociedade civil organizada.
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/poder%20?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_poder_q2&amp;utm_id=cta_texto_poder_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_poder&amp;utm_term=cta_texto_poder_meio_materias">Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!</a></h3>
O modelo regulador policêntrico merece, de fato, prevalecer. Falta no Brasil, porém, uma instituição técnica, com razoável autonomia, capaz de exercer esse papel dentro do arcabouço estatal. Propõe-se, neste breve ensaio, que essa função deva ser exercida por uma agência reguladora, sobretudo quando formada por especialistas de diversos campos do saber.
É dizer: o poder constituído deve assumir sua parcela de responsabilidade no debate e atuar, seja por meio do Parlamento, seja por meio de agências reguladoras, para fixar padrões mínimos de funcionamento das empresas de tecnologia.
Nesse sentido, sugere-se a criação, por meio de lei, de agência reguladora específica, de composição plural e multissetorial, que venha a estabelecer regras atualizadas de funcionamento para as redes sociais e para o uso da inteligência artificial, o que representará marco inédito em nosso país. A inspiração da proposta vem da Lei de Inteligência Artificial europeia (AI Act<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>), aprovada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, órgão transnacional que exerce funções reguladoras.
Quais standards seriam passíveis de serem fixados pela agência reguladora? Basicamente, sem prejuízo de outros: regras claras e razoáveis de moderação de conteúdo, de suspensão e exclusão de perfis de usuários, além de exigir total transparência em relação ao uso de algoritmos, tão necessários para fazer o trabalho de moderação. Seria possível também prever regras de proteção contra manipulação cognitiva, reconhecimento facial (vigilância biométrica e uso de “social scoring”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>) e contra a reprodução de vieses preconceituosos.
No Brasil, tramita no Senado o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233">PL 2338/2023</a> que visa regulamentar o uso da inteligência artificial. No último dia 4 de setembro, foi realizada audiência pública com maioria de opiniões favoráveis à regulação, embora sem consenso em relação à sua exata medida.
O projeto não cria um órgão regulador na matéria, mas submete genericamente a defesa dos interesses afetados a “órgãos administrativos competentes”. É preciso avançar, nesse particular, para a criação de uma agência reguladora formada por especialistas na matéria, que concentre e coordene os esforços regulatórios.
Já há algumas décadas, as agências reguladoras vêm exercendo papel fundamental em áreas extremamente sensíveis da vida social em nosso país e em grande parte do mundo: saúde, energia elétrica, aviação, transportes, petróleo e gás, entre outras.
Embora não se possa ignorar os conhecidos riscos de “captura” dos órgãos reguladores pelos agentes regulados, não há razão para que a inteligência artificial e as plataformas de mídias sociais, pela enorme relevância que têm nos tempos atuais, sejam deixadas de fora da regulação estatal, preservada uma margem de flexibilidade para as plataformas. Negar a possibilidade de regulação estatal, ainda que compartilhada com outras entidades privadas, seria atestar o fracasso das nossas agências reguladoras, o que reputamos descabido.
Vivemos num mundo cada vez mais instável, polarizado e com alta incidência de pessoas afetadas em seu comportamento e nas suas vidas pelo uso excessivo das redes sociais, potencializadas pela inteligência artificial que não para de avançar<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. A verdade é que as empresas de tecnologia representam um poder econômico – e político – maior do que o de muitas economias do G20, o que pode colocar em xeque alguns pilares da democracia contemporânea.
Em que pese o discurso de neutralidade e imparcialidade das plataformas de mídias sociais, elas tomam milhares de decisões diariamente, seja para moderar conteúdo, remover ou suspender temporariamente perfis de pessoas que infringem as regras da plataforma, sem que haja a necessária transparência a respeito dos termos e condições que embasam as suas decisões, muitas delas integralmente automatizadas.
A regulação, nesse cenário, não deveria causar surpresa. Da mesma forma que regulamos diversas áreas da sociedade, de drogas a veículos, seria natural admitir a regulação da inteligência artificial e das redes sociais, mais pela transparência do que pela eventual responsabilização, que ficará a cargo do Judiciário.
As vantagens da agência reguladora são: independência técnica dos membros, não sujeição dos dirigentes à lógica eleitoral, gestão técnica e profissional, programas com metas de longo prazo e acompanhamento periódico. Ademais, elas atuam com mais agilidade que o Parlamento, podendo emitir resoluções sempre atualizadas, dada a impressionante velocidade de transformação do setor da tecnologia virtual.
A ausência de instituições reguladoras capazes de impor freios às plataformas digitais empurra os conflitos sociais para os tribunais, fazendo recair sobre os ombros do Judiciário um peso político excessivo para decidir questões sensíveis à democracia, já que os juízes não são eleitos para decidir o destino da nação. Não é bom sinal quando a maioria das questões relevantes do país acaba sendo decidida pelo Judiciário, sem outros anteparos institucionais.
Seja como for, a demanda social por regulação é urgente. Conforme já alertou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, “não podemos entrar num futuro distópico em que o poder da IA é controlado por poucas pessoas, ou pior, por algoritmos além da compreensão humana”.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> “Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência artificial”.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Conforme reportagem disponível em <a href="https://www.dw.com/pt-br/o-que-diz-a-lei-que-regula-a-intelig%C3%AAncia-artificial-na-ue/a-69144851">https://www.dw.com/pt-br/o-que-diz-a-lei-que-regula-a-intelig%C3%AAncia-artificial-na-ue/a-69144851</a> e artigo disponível em <a href="https://www.europarl.europa.eu/pdfs/news/expert/2023/6/story/20230601STO93804/20230601STO93804_pt.pdf">https://www.europarl.europa.eu/pdfs/news/expert/2023/6/story/20230601STO93804/20230601STO93804_pt.pdf</a> . Acessos em 08 de setembro de 2024.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Uma espécie de pontuação social de cada indivíduo computada a partir de seus comportamentos e seu histórico online.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> As preocupações da comunidade internacional aumentaram com as transformações decorrentes da chamada inteligência artificial generativa, a exemplo do ChatGPT (Open AI), Claude (Anthropic), Gemini (Google), Grow (X), entre outros.

Inteligência artificial

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