Thális Andrade

Falamos <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-a-despedida-dos-regimes-aduaneiros-diferenciados-06092023">aqui noutra oportunidade</a> dos regimes aduaneiros diferenciados que, ao que parece, estarão se despedindo tão logo seja confirmada pelo Senado a redação do texto da <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2196833">PEC 45/2019</a> aprovada na Câmara dos Deputados. Por outro lado, o legislador constituinte houve por bem literalmente manter na atual proposta os “Regimes Aduaneiros Especiais”, prescrevendo que “a Lei Complementar disporá sobre as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Os Regimes Aduaneiros Especiais, via de regra, desoneram a carga tributária do Imposto de Importação e demais tributos indiretos incidentes na importação quando da admissão no regime, tais como IPI, PIS/Cofins, ICMS e até AFRMM. No entanto, a taxatividade usada pelo texto constitucional para contemplar apenas regimes aduaneiros “especiais” acende um alerta: qual será o critério adotado para se enquadrar um regime como sendo “aduaneiro especial”?
Chamamos, portanto, atenção a esse pedido de SOS<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> destes regimes antes da votação no Senado.
No Código Aduaneiro do Mercosul, positivado pela Decisão do Conselho do Mercado Comum 27, de 2010 e que dentre os sócios foi internalizada apenas pela Argentina, teríamos na importação apenas cinco variações para o enquadramento de regimes aduaneiros especiais<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>: admissão temporária para reexportação no mesmo estado; admissão temporária para aperfeiçoamento ativo<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>; transformação sob controle aduaneiro<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>; depósito<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> e trânsito aduaneiro. Por sua vez, pelo lado da exportação, teríamos 3 variações: exportação temporária com reimportação no mesmo estado; exportação temporária para aperfeiçoamento passivo; e, trânsito aduaneiro. Note-se que não são regimes especiais as desonerações promovidas sobre investimentos setoriais como Reporto, Repetro, Repex, Recom.
Agora, e se tomarmos como base o Livro IV do Regulamento Aduaneiro<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>? Teremos cerca de 15 regimes, que podem ser desdobrados em suas submodalidades, entrando esses regimes de desoneração de investimentos de que falamos anteriormente, além da figura da reposição de estoques representada pelo Drawback-Isenção.
Pior: como ficam os regimes que estão fora deste livro? Por exemplo, os “Regimes de Tributação Especial” – não absorvidos pelo Regulamento Aduaneiro no seu Livro IV –, mas que igualmente desoneram todos os tributos federais como o setor de semicondutores, de TV Digital, infraestrutura petrolífera e aeronáutica, respectivamente, por meio dos programas denominados Padis<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, PATVD<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>, Repenec<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> e Retaero<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
Poderiam esses se prestarem à qualificação de “aduaneiros especiais”?
Qual seria o critério para regimes dedicados a um mesmo setor (e: petróleo), como é o caso Repenec (não arrolado no Livro IV do Regulamento Aduaneiro) e o Repetro arrolado neste livro?  Valeria a classificação promovida pela compilação do Regulamento Aduaneiro?
Temos ainda os regimes concedem incentivos somente para as Contribuições Sociais de PIS e Cofins. Esse foram taxados pela lei de forma distinta, denominados “Regimes de Tributação Especial”, mas que podem ser usados na importação, veiculando programas específicos de desoneração sobre aquisições voltadas aos setores de infraestrutura, bens de capital, software, insumos, respectivamente, por meio dos programas denominados Reidi<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, Recap<a href="#_ftn13" name="_ftnref13">[13]</a>, Repes<a href="#_ftn14" name="_ftnref14">[14]</a> e o Remicex<a href="#_ftn15" name="_ftnref15">[15]</a>.
Estarão fora da reforma por não abarcar todos os tributos? E o caso do Remicex, que se autointitula como “regime aduaneiro especial”? Será assim enquadrado por força da classificação feita pelo legislador ordinário?
Não se nega aqui que há um certo casuísmo na concessão desses benefícios, muitos deles sem paralelo internacional. Há, de fato, uma necessidade de “enxugamento” das concessões feitas a lobbies setoriais. Por outro lado, o que se busca fomentar aqui é discussão para o enquadramento do que possa ser enquadrado como “Regime Aduaneiro Especial”. O receio advém justamente da falta de tecnicidade do legislador constitucional, que prescreveu que a aplicação desses regimes será feita por meio de “diferimento” do imposto – expressão muito conhecida no campo do ICMS, mas sem paralelo na regulamentação da suspensão tributária federal encampada por estes regimes. A atecnia no tema pode se repetir na própria Lei Complementar, que será elaborada pelo Congresso Nacional.
Além disso, outras figuras jurídicas no campo material das hipóteses tributárias podem estar ameaçadas de extinção, como o “extravio de cargas a granel”<a href="#_ftn16" name="_ftnref16">[16]</a>, “não incidência na importação”<a href="#_ftn17" name="_ftnref17">[17]</a>, e a “não ocorrência de fato gerador”<a href="#_ftn18" name="_ftnref18">[18]</a>. Caso essas expressões que desnaturam a hipótese de incidência tributária sejam entendidas como favores fiscais, têm potencial de criar distorções na materialidade dos tributos devidos na importação, pois o Imposto de Importação será dispensado nessas hipóteses enquanto IBS, CBS e IS não. Será então encerrada uma lógica de décadas, de se afastar em situações correlatas, tanto a tributação do Imposto de Importação como dos demais tributos sobre consumo, trazendo irracionalidade nas materialidades de diferentes tributos incidentes na importação de mercadorias sobre um mesmo fato.
Dessa forma, mais do que de defender o retorno desses regimes e situações, o que se espera do Senado é que a mensagem de socorro contida na garrafa seja lida, trazendo àquela casa o salutar debate acerca do que se está abrindo mão.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 156-A, §5º, IX conforme texto da PEC 45/2019 aprovado na Câmara dos Deputados.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> A canção “Message in a bottle” (Mensagem em uma garrafa) composta por Sting, líder da banda The Police, lançada em 1979, conta a história de um náufrago perdido em uma ilha, que faz um pedido de socorro em uma garrafa. Universal Music Group. Disponível em: <a href="https://www.youtube.com/watch?v=WMl1xKJeuuQ">https://www.youtube.com/watch?v=WMl1xKJeuuQ</a>. Acesso em 28 de agosto de 2023.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Decisão CMC 27/2010, art. 36.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Aqui podemos citar o Drawback Suspensão e o RECOF.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Aqui teríamos os aplicados em área especial.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Aqui teríamos 4 regimes de depósito (Franco, Afiançado, Especial e Alfandegado Certificado), além do próprio entreposto aduaneiro.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Decreto 6.759/2009.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Lei 11.484/2007, art. 3º
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Lei 11.484/2007, art. 14.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> Lei 12.249/2010, art. 3º.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Lei 12.249/2010, art. 31.
<a href="#_ftnref12" name="_ftn12">[12]</a> Lei 11.488/2007, art. 3º
<a href="#_ftnref13" name="_ftn13">[13]</a> Lei 11.196/2005, art. 14.
<a href="#_ftnref14" name="_ftn14">[14]</a> Lei 11.196/2005, art. 4º.
<a href="#_ftnref15" name="_ftn15">[15]</a> Lei 11.196/2005, art. 49.
<a href="#_ftnref16" name="_ftn16">[16]</a> Lei 10.865/2004, art. 3º, § 2º, II e § 3º c/c Lei 10.833, de 2003, art. 66
<a href="#_ftnref17" name="_ftn17">[17]</a> Lei 10.865/2004, art. 2º c/c Decreto 6759/2009, art. 237, § 1º, inciso I
<a href="#_ftnref18" name="_ftn18">[18]</a> Decreto-Lei 491/1969, art. 11. Vide ainda a situação do pescado capturado fora de águas territoriais, que passariam a ser tributados pela CBS/IBS, mas nunca o foram pelos antigos tributos sobre consumo.

Moeda Nacional, Real, Dinheiro, notas de real

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JOTA

Mais do que de defender o retorno desses regimes, esperamos que o Senado leia a mensagem de SOS

Um pedido de socorro implícito na manutenção dos Regimes Aduaneiros Especiais

Regimes aduaneiros especiais parecem estar se despedindo da legislação tributária caso a reforma tributária seja aprovada no Senado