Diego Werneck Arguelhes

Dilma Rousseff terá a oportunidade de moldar profundamente a identidade do Supremo Tribunal Federal. Com a vaga em aberto de Joaquim Barbosa e os vários Ministros que completarão 70 anos até 2018, Dilma poderá indicar seis Ministros em seu próximo mandato. Uma perfeita maioria. Mas dentro de como o sistema foi desenhado para funcionar. Com indicações políticas para o tribunal constitucional ou corte suprema, é esperado que transformações na esfera política influenciem a composição dos juízes. Resultados eleitorais se traduzem, ao longo do tempo, em mudanças de jurisprudência e de interpretação da Constituição. Contudo, o mecanismo é de indicação política conjunta, cabendo ao Senado um poder de veto. A participação do Senado evita que um único ator político (o Presidente) possa determinar, unilateralmente, quem entra no STF. Dispersando-se dessa forma o poder de indicação, nosso sistema procura produzir indicações mais moderadas e de apoio político mais difuso, dificultando a escolha de juristas total e exclusivamente comprometidos com as visões do Presidente.
Nesse aspecto, porém, a finalidade do desenho e a prática institucional não têm convergido no caso do Brasil. Apesar de sinais pontuais de mudança nos últimos anos, a participação do Senado Federal no processo de indicação costuma deixar a desejar. Na última década, criticar a passividade do Senado no exercício de seu poder de veto se tornou um hábito na comunidade jurídica brasileira. Há amplo consenso que a Comissão de Constituição de Justiça <a href="http://www.conectas.org/pt/acoes/justica/noticia/indicacao-para-o-stf-novo-ministro-velha-escolha">não costuma exercer esse papel com o devido rigor</a>. Um indicador frequentemente utilizado para sustentar essa crítica está na nula ocorrência de vetos, pelos senadores, de indicações feitas pelo Presidente. No contraste típico com os EUA, onde, nos anos 80, <a href="https://www.youtube.com/watch?v=wRZB629o2io">os senadores rejeitaram a indicação de Robert Bork para a Suprema Corte</a>, teríamos um Senado pouco disposto a fiscalizar e moderar a influência presidencial na composição do Supremo.
O caráter recorrente e consensual dessa crítica não a trivializa. Na verdade, diante da perspectiva de seis Ministros serem indicados em um único mandato, ela se torna ainda mais importante. Mas é preciso compreendê-la de maneira adequada, em dois aspectos. Primeiro, o número de indicações rejeitadas não é um bom indicador do quanto o Senado de fato limita e modera as indicações do Presidente. É perfeitamente possível que o poder de veto do Senado produza efeitos concretos mesmo sem jamais chegar a ser utilizado. Se a ameaça do veto é real, se o risco existe, um Presidente minimamente prudente agirá de modo a prevenir a rejeição. Levando em conta o apoio com que conta no Senado, só indicará pessoas que, após sondagens e negociações com sua coalizão e/ou com a oposição, têm boas chances de ganhar o aval dos senadores. A qualificação dos candidatos influencia nesse cálculo, já que, quanto mais ele(a) for percebido(a) como experiente e qualificado(a) pelo público em geral, mais custoso ficará para os senadores utilizarem o poder de veto. De fato, <a href="http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1548-2456.2013.00194.x/abstract">um estudo recente sugere que, no Brasil, as indicações feitas desde 1988 expressam algum tipo de antecipação estratégica, pelos Presidentes, do veto potencial do Senado</a>.
Segundo, mesmo que esse tipo de efeito antecipado do poder do Senado ocorra, ele é insuficiente para a democracia brasileira. O problema principal não é o Senado, no fim das contas, vetar ou não o indicado. A questão é como a aprovação ou veto ocorre. O Senado e a Presidência exercem uma dupla função no processo de preenchimento de vagas para o STF. De um lado, têm poderes decisórios: ao poder positivo da indicação presidencial corresponde o poder negativo da aprovação (ou veto) no Senado. De outro lado, a contrapartida desse poder de decisão em ambos os casos é a tarefa republicana de promover e se engajar em um debate público e transparente sobre essas decisões.
Um Senado que cumpre essa tarefa republicana não é necessariamente um Senado que rejeite muitas indicações, ou que force o Presidente a escolher bem seus indicados de modo a evitar o veto. Decidir é pouco, escolher é insuficiente. Aprovando ou rejeitando, o Senado precisa debater em profundidade as indicações. Não tanto para convencimento dos Senadores, mas, sobretudo, para a sociedade. Precisa promover a produção de informações que permitam aos eleitores entender o sentido político e as implicações constitucionais da indicação. <a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/81765-senado-deve-fiscalizar-rota-politica-ate-o-supremo.shtml">Quem apoia o(a) indicado(a)? Com quais associações e instituições ele(a) se engajou ao longo da carreira? Quem levou seu nome ao Presidente?</a> <a href="http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1011201107.htm">Que ideias o(a) indicado já defendeu em seus escritos, pareceres ou decisões judiciais?</a>
Essas perguntas precisam ser feitas e respondidas ao vivo, diante das câmeras, e não em negociações secretas entre lideranças políticas. A primeira vítima desse compromisso republicano com a transparência será a inacreditável velocidade com que, sobretudo na última década, a maioria das indicações tem tramitado no Senado. <a href="http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Dados%20Estatisticos%20sobre%20%20STF.pdf">Com exceção de Rosa Weber e Teori Zavascki, desde 2003 todas as sabatinas ocorreram em menos de três semanas após a o Presidente anunciar o nome. Em alguns casos, o processo todo não levou mais que alguns dias.</a> Preenchimento de vagas do Supremo não é medida provisória. Não há urgência que justifique essa prática. A transparência e a opinião pública precisam de tempo.
Em 2013, houve uma mudança importante nesse cenário. <a href="http://conectas.org/pt/acoes/stf-em-foco/noticia/dossie-transparencia-no-stf">Após muita mobilização e sistemáticos pedidos de organizações da sociedade civil nos últimos cinco anos</a>, dirigidos tanto à Presidência <a href="http://www.conectas.org/arquivos-site/Luiz%20Fux_Processo%20de%20Sabatina_CCJ.pdf">quanto à CCJ,</a> o Senado aprovou <a href="http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=266991&amp;tipoDocumento=RSF&amp;tipoTexto=PUB">a Resolução n.41/2013, alterando o procedimento de aprovação de autoridades.</a> Entre as várias mudanças, agora a indicação deve vir acompanhada de ampla divulgação do currículo, das publicações, das filiações atuais e passadas, de potenciais conflitos de interesse e das razoes presidenciais para a indicação. Essas informações ficarão disponíveis ao público por um período mínimo de tempo. A Resolução permite também que cidadãos submetam ao relator na CCJ sugestões de perguntas para a sabatina.
Com seus votos nas eleições passadas, eleitores influenciaram, indiretamente, na construção da identidade do STF no futuro próximo. Mas, assim como a participação democrática não pode se esgotar no voto bienal, nossa parte na definição dos rumos da Corte nessa geração não terminou em outubro. Pela Constituição, o poder de moldar o STF não é uma delegação ilimitada a quem foi eleito. Em vez de um jogo de xadrez institucional pautado por negociações silenciosas, deve haver amplo debate para que a geração atual possa compreender e avaliar como o(a) eventual Ministro(a) impactará a atuação do STF. É preciso lutar pela aplicação da Resolução n.41/2013 e pelo aprofundamento da transparência, transformando essa oportunidade formal em hábito institucional.

Supreme Federal Tribunal

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JOTA

O novo Supremo e a responsabilidade do Senado


Um novo processo de indicação de ministros do STF

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