Vinícius Klein

Anne Caroline Wendler

O debate sobre o estímulo à concorrência nos mercados regulados é amplo e envolve, ao menos, o combate ao abuso de poder regulatório, a discussão entre os arranjos institucionais entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e as agências reguladoras setoriais e o papel da advocacia da concorrência na produção de normas regulatórias.
Entretanto, as reformas regulatórias, mesmo que desenhadas de forma a ampliar a competitividade de determinados mercados, podem enfrentar desafios na sua implementação decorrentes de posicionamentos judiciais capazes de minimizar seus ganhos concorrenciais.
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Assim, a advocacia da concorrência junto ao Poder Judiciário pode ser um ingrediente crítico para o sucesso de uma reforma regulatória. Sem dúvidas, o sucesso da reforma iniciada pela Consulta Pública nº 16/2020 da Susep passa por este aspecto.
A flexibilização regulatória do seguro de danos
A existência de uma regulação setorial indica que determinado mercado apresenta especificidades capazes de justificar uma restrição no espaço de livre iniciativa. No caso dos seguros, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), que exerce o papel de fiscalização e regulação, vem consolidando um novo marco regulatório, que busca a desregulamentação e flexibilização das normas.
Mais especificamente quanto ao seguro de danos, a Circular nº 621/2021<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, originada pela Consulta Pública nº 16/2020, trouxe algumas alterações. Dentre os motivos expostos na proposta da Circular estão a simplificação da regulação dos mercados, favorecimento de ambiente competitivo, transparente e inovador e proporcionar amplo acesso aos mercados supervisionados<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Na finalidade de atingir o objetivo de simplificação da regulação, a Circular suprimiu à menção ao uso de condições especiais e particulares, para se referir somente às condições contratuais; a utilização de meios remotos para anuências, envio de documentos e comunicados, dentre outras medidas.
Na tentativa de favorecer a competitividade dos mercados, a referida Circular ataca um dos pontos que limitam a concorrência entre os agentes do mercado de seguro de danos: a existência de um conjunto de cláusulas padrão bastante amplo que, em termos práticos, desestimula a competição e, por consequência, o desenvolvimento de produtos que permitem maior diversificação de preços e coberturas.
Afinal, o produto em questão tem contornos legais que para além de um controle de qualidade engessam a possibilidade de oferta de novos produtos e/ou serviços.
Por meio desta alteração, a estrutura legal até então existente, marcada pela determinação do regulador dos parâmetros mínimos de comportamento e de todo o clausulado e produtos a serem comercializados, passa a dar lugar à liberdade econômica de criação de produtos e disposições contratuais que as partes queiram estabelecer, que adquiriu uma nova dinâmica com o avanço da tecnologia e da inovação.
Nesse sentido vê-se a possibilidade de uma verdadeira revolução no mercado de seguros, que demandará a qualificação e participação de todos, de modo a permitir que o setor desenvolva o potencial que possui.
Os desafios do aumento da competitividade no seguro por danos 
Não é simples obter sucesso em uma mudança regulatória tão significativa, visto que para isso é necessário enfrentar ao menos dois desafios.
O primeiro deles é afastar entendimentos jurisprudenciais que incluam coberturas ou hipóteses de exclusão de cobertura em desacordo com o contratado pelas partes. Isso porque essa movimentação obsta o proposto aumento da competitividade por meio da possibilidade de oferta de produtos e serviços diferenciados.
Afinal, caso haja um contrato com retirada ou acréscimo de cobertura e, por consequência, com uma diferenciação de preços, haverá a desconsideração da opção feita pelo consumidor, o que prejudicaria a nova dinâmica competitiva que se busca.
Ao dar mais liberdade às relações contratuais, permitindo que as seguradoras sejam capazes de apresentar contratações mais baratas com coberturas de diversos ramos, a Susep assume o papel de acompanhar e fiscalizar com mais afinco a conduta das seguradoras, a fim de garantir – junto aos órgãos de defesa do consumidor – que a escolha feita pelo consumidor não seja viciada, por meio de condutas abusivas ou que sem a informação adequada retirem coberturas por exemplo em renovações.
Vale mencionar que as conduta dos agentes envolvidos no processo de contratação serão essenciais para a simplificação regulatória funcionar no seguro de danos. Inclusive, o corretor de seguros tem um papel central na transmissão de informações sobre os novos produtos e termos do contrato.
Assim, não apenas a quantidade de informações, mas como bem demonstram os estudos comportamentais, a forma de apresentação das informações deve ser desenhada para que a escolha do consumidor seja consciente e, desta forma, respeitada judicialmente.
O segundo desafio é a existência, de forma concreta ou potencial, da concorrência no setor, que é o que promove pressão competitiva e evita a redução de coberturas sem alteração do preço.
Afinal, caso o resultado da flexibilização seja a mera redução de coberturas ou inclusão de cobertura intermitentes, sem alteração de preço, além do bem-estar do consumidor a própria legitimidade da mudança regulatória pode ser questionada.
<blockquote class="jota-article__eye">Aqui o trabalho da Susep ganha muito com o reforço de uma atividade mais intensa da advocacia da concorrência não só no desenho das normas, mas no acompanhamento dos impactos das decisões judiciais na dinâmica concorrencial do setor.</blockquote>
Apesar da advocacia da concorrência não possuir foco principal no respeito às normas regulatórias no Poder Judiciário, mas na produção das normas em si, este ponto deve ser considerado.
Isso porque a deferência do Poder Judiciário frente às decisões das agências reguladoras, cujo ápice deu-se na decisão do Supremo Tribunal Federal que tratou do Cade (RE 1083955/DF, rel. min Luiz Fux, julgamento em 28/05/2019), tem como um dos seus fundamentos que os efeitos sistêmicos e concorrenciais são usualmente ignorados pelos magistrados nas suas decisões.
Assim, no caso de uma decisão judicial que inclua cobertura antes prevista como padrão, e passou a ser facultativa pela flexibilização regulatória para uma seguradora, mesmo que não se questione a norma regulatória em si, a mudança regulatória proposta pela Susep estará seriamente ameaçada.
É possível que a flexibilização proposta pela Susep gere ganhos significativos para a sociedade através do fortalecimento do mercado e da competitividade no setor de seguros no Brasil. No entanto, para que isso ocorra, será necessário que o Poder Judiciário respeite a diferenciação de produtos e preços, ressalvados os casos em que houver abusividade ou vício na manifestação de vontade do consumidor.
Dessa forma, padrões adequados de transmissão de informação e de obtenção de consentimento do consumidor são essenciais, o que deve ser somado ao respeito do Poder Judiciário ao efetivamente contratado.
Ainda, para que os ganhos se concretizem e a própria flexibilização obtenha legitimidade social, é importante que eventuais barreiras à entrada de novos agentes ou que reduzam a competitividade entre seguradoras sejam retiradas de forma concomitante. Para tanto, necessário acompanhamento pelas autoridades concorrenciais tanto na atividade de advocacia da concorrência quanto na implementação da legislação concorrencial no setor.
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> BRASIL. Diário Oficial da União (DOU). Circular Susep n° 621, de 12 de fevereiro de 2021. Disponível em: &lt;<a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/circular-susep-n-621-de-12-de-fevereiro-de-2021-303756056">https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/circular-susep-n-621-de-12-de-fevereiro-de-2021-303756056</a>&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Disponível em: &lt;<a href="http://www.susep.gov.br/setores-susep/seger/copy_of_normas-em-consulta-publica/SEI_SUSEP%20-%200745318%20-%20EXPOSICaO%20DE%20MOTIVOS.pdf">http://www.susep.gov.br/setores-susep/seger/copy_of_normas-em-consulta-publica/SEI_SUSEP%20-%200745318%20-%20EXPOSICaO%20DE%20MOTIVOS.pdf</a>&gt;.

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Desafios a partir da Consulta Pública nº 16/2020 da Susep

Um mercado competitivo de seguro de danos no Brasil

Desafios a partir da Consulta Pública nº 16/2020 da Susep