Letícia Gonçalves Nunes

O <a href="https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&amp;tipo_pesquisa=T&amp;cod_tema_inicial=1198&amp;cod_tema_final=1198">Tema Repetitivo 1198</a> do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">STJ</a> submete à julgamento a seguinte questão: “possibilidade de o juiz, vislumbrando a ocorrência de litigância predatória, exigir que a parte autora emende a petição inicial com apresentação de documentos capazes de lastrear minimamente as pretensões deduzidas em juízo, como procuração atualizada, declaração de pobreza e de residência, cópias do contrato e dos extratos bancários”.
À primeira vista, os juristas engajados no combate à advocacia predatória podem ser críticos à amplitude da tese proposta. Mas, apesar da ausência de definição afeta ao julgamento dos casos, há motivos para direcionarmos um olhar otimista para a identificação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça.
Não podemos negar que, há algum tempo, está visível que o judiciário está atento e interessado no tema da advocacia predatória. Esse movimento ganhou maior força a partir de outubro de 2020, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da <a href="https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&amp;tipo_pesquisa=T&amp;cod_tema_inicial=1198&amp;cod_tema_final=1198">Resolução 349</a>, instituiu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário e a rede de Centros de Inteligência do Poder Judiciário, com o objetivo de identificar e propor tratamento adequado de demandas repetitivas.
Hoje, observamos a multiplicação de normativos elaborados pelos tribunais estaduais e federais. O desafio nesse cenário é a ausência de uma estratégia unificada entre esses atos regulatórios que buscam combater a advocacia predatória e aí reside o otimismo frente ao Repetitivo 1198.
A título de exemplo, vamos trazer para essa análise duas regulamentações sobre o tema: a <a href="https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/12988/1/NT_01_2022%20_Litig%c3%a2ncia%20Predat%c3%b3ria-CIJ.pdf">Nota Técnica CIJMG 1/2022 do TJMG</a> e a Recomendação 16 do Conselho da Justiça Federal.
A Nota Técnica do TJMG lista práticas utilizadas pelos advogados antiéticos, funcionando como um “manual de alertas” para os juízes, e finaliza seu conteúdo recomendando a adoção de algumas medidas pelos magistrados mineiros.
Dentre as recomendações trazidas no normativo do TJMG, destacamos: o monitoramento da distribuição de ações; a análise dos requerimentos de justiça gratuita e do valor atribuído à causa; a verificação da idoneidade do mandato; a intimação do autor para que compareça ao juízo, caso existam dúvidas sobre a documentação pessoal; a imposição dos ônus processuais àqueles que abusam do sistema de justiça; a determinação, na expedição de alvará, de intimação pessoal do autor; e a aplicação de penalidade por litigância de má-fé, sempre que cabível.
O referido normativo é muito prático e ataca os gaps existentes no processamento de feitos, que fomentam o crescimento da advocacia predatória.
Por outro lado, a Recomendação 16 do Conselho da Justiça Federal, que passaremos a abordar, não focou na desconstrução das “oportunidades” processuais vistas pelos advogados ofensores.
A referida recomendação surgiu frente à identificação de mais de 100 mil ações indenizatórias, potencialmente simuladas, distribuídas por um pequeno grupo de advogados, sobre o tema de vícios construtivos em empreendimentos do Faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida.
Dentre outras medidas, o normativo regula a reunião de processos de um mesmo empreendimento imobiliário, independentemente dos pedidos, sugere a realização de uma única perícia paradigma por condomínio, mesmo os pedidos envolvendo danos em unidades imobiliárias, e dispensa a intimação da parte ré sobre a concessão de gratuidade de justiça, para ações no âmbito do Juizado.
Diante do abarrotamento dos cartórios, o Judiciário, no caso da Recomendação 16, priorizou uma possível celeridade no julgamento dos casos em detrimento da identificação do interesse de agir dos autores e fomentou uma grande “arma” utilizada pelos advogados antiéticos, ao cercear o direito da parte ré de impugnar a concessão da justiça gratuita.
O foco extremista em celeridade da Recomendação 16 também prejudicou a adequada comprovação do mérito, ao passo que propôs a apuração pericial conjunta.
Ora, demandas de vícios construtivos relacionadas a unidades imobiliárias são, por sua própria natureza, individualizadas; ainda que localizados no mesmo empreendimento, nem todos os apartamentos possuem as mesmas características e/ou condições de uso. Sempre que identificada uma infiltração na casa do seu vizinho, o seu imóvel também é impactado? A resposta negativa é óbvia.
Em resumo, apesar de uma roupagem de ativismo judicial, a Resolução 16 traduz uma estratégia de curto prazo, já que é focada unicamente na diminuição do volume de demandas, não traduzindo diretrizes processuais de efetivo combate ao “terreno fértil” que a advocacia predatória tem identificado.
Para melhor compreensão da opinião técnica objeto desse artigo, importante destacar que se vislumbra na uniformização de entendimentos sobre as técnicas processuais aplicáveis às demandas predatórias, uma ferramenta moduladora do ativismo judicial processual, que julgamos ser essencial para o combate à infestação de demandas simuladas que ataca o judiciário brasileiro.
Vale destacar que o ativismo judicial processual pode ser verificado com a atuação dos magistrados, de ofício, para determinar e/ou realizar atos processuais em prol dos direitos e deveres constitucionais. Esse conceito, quando levado ao extremismo, se opõe ao garantismo, que consiste na busca pela preservação dos direitos e garantias dos cidadãos, de modo a garantir a ampla defesa e o contraditório, no estrito cumprimento das regras legais.
No direito processual brasileiro, porém, observa-se uma mescla das duas linhas, sendo admitido um ativismo processual moderado, como bem explica a autora Mônica Silveira Vieira, na obra <a href="https://bd.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/12430">Abuso do direito de ação e seu enfrentamento no contexto do TJMG</a>.
<blockquote class="jota-article__citation">À luz do ordenamento jurídico brasileiro vigente, o juiz deve ter postura ativa, atuar para garantir o válido evolver da relação processual e a democrática condução dos atos processuais, inclusive determinando a realização de atos processuais de ofício, sempre que isso for admitido pelas normas vigentes, propiciando amplo respeito pelo contraditório e pela ampla defesa, sem violação do dever de imparcialidade. O ativismo democrático não apenas é admitido juridicamente, mas consiste, na realidade, em um feixe de poderes-deveres do magistrado, imposto pela Constituição e pela legislação processual civil. Exige-se do juiz, na condução do processo, particularmente na área cível, uma postura que combina aspectos de ativismo e garantismo, na exata medida dos poderes-deveres impostos pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. (Grifo nosso)</blockquote>
Nesse contexto, a autora mencionada acima conclui, na mesma obra, de forma brilhante, que os direitos fundamentais de acesso à justiça, a vedação do abuso de direitos, e o dever dos juízes de prevenir atos contrários à dignidade da justiça, impõem uma postura ativista quando o assunto é a advocacia predatória.
Porém, além do ativismo processual, que sempre será ferramenta necessária para o monitoramento e acompanhamento da alteração de estratégias da advocacia simulada, mostra-se necessária a normatização unificada sobre as técnicas processuais a serem minimamente utilizadas no curso dos processos individuais com suspeita de prática predatória.
Não é factível que o Judiciário atue, de forma descentralizada, no combate à uma estratégia processual única e consolidada na mão de poucos agentes. Depender unicamente da percepção e julgamento de mais de 18 mil magistrados (número extraído do relatório “<a href="https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf">Justiça em Números</a>”, do CNJ), certamente, não gerará uma atuação direcionada e eficaz.
Nesse cenário, o Repetitivo 1198 deveria estar sendo celebrado pela advocacia corporativa e pela advocacia pública. É um avanço! Enfim, temos a sinalização de uma tentativa de padronização de um movimento judicial organizado, à nível Brasil, para o combate às demandas simuladas. Parafraseando Neil Armstrong: é um pequeno passo para a jurisprudência, mas um grande salto no combate à advocacia predatória!

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JOTA

Tema Repetitivo 1198 do STJ deveria ser celebrado pela advocacia corporativa e pela advocacia pública

Um grande salto no combate à advocacia predatória

Tema Repetitivo 1198 do STJ deveria ser celebrado tanto pela advocacia corporativa como pela advocacia pública