Fernando Antônio Ribeiro Soares

Com a Lei do Petróleo (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm">Lei 9.478/1997</a>), a mesma que criou a Agência Nacional do Petróleo (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anp">ANP</a>) e foi inspirada nas reformas econômicas dos anos 1990, os preços dos derivados de petróleo foram liberalizados, ou seja, não haveria controle, regulação ou fixação de preços por parte do setor público.
A expectativa era que o aumento da concorrência autorregularia os preços. Claro, entramos num dilema do tipo “o ovo ou a galinha”: se não liberalizo os preços, não atraio investimentos; mas, por outro lado, se liberalizo sem uma razoável entrada de novas empresas no mercado, não aumento a competição e tampouco influencio os preços.
Caso ocorresse a segunda hipótese – liberalização dos preços sem a concomitante entrada de novos concorrentes –, teria inexoravelmente um aumento de preços. Seria racional do ponto de vista econômico e permitiria uma proxy de maximização de lucros.
De fato, a mudança constitucional e da Lei do Petróleo atraíram investidores. Porém, esses investidores, em sua maioria, se alojaram no segmento de exploração de petróleo e gás natural. Notadamente este elo da cadeia produtiva possui seus preços fixados internacionalmente, tratando-se de uma commodity.
Os demais elos da cadeia produtiva, destacadamente os segmentos de infraestrutura de transporte do óleo e gás, bem como o refino permaneceram praticamente intocados. Colocando em outras palavras, nesses segmentos intermediários da cadeia produtiva – repisa-se, transporte de óleo e gás, inclusive uma grande parte dos terminais portuários de granéis líquidos, e refino –, apesar da liberalização de preços, permaneceu, na prática, uma estrutura de mercado monopolista ou quase monopolista com uma pequena franja competitiva. Tal condição pode ter jogado a sociedade brasileira num equilíbrio de qualidade inferior ou num pareto inferior, na medida em que só parte do processo de liberalização de fato ocorreu. Vamos detalhar esse raciocínio.
Na prática, temos uma sociedade de economia mista com ações transacionadas nos mercados brasileiro e norte-americano com imensa participação nos setores de transporte e refino de petróleo e gás natural. Algum desinvestimento, é verdade, tem sido feito. Com o intuito de desalavancar a empresa, a partir de 2016 foi posto em marcha um plano arrojado de desinvestimentos à luz do Decreto nº 9.188, de 2017.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Contudo, reitera-se: a <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/petrobras">Petrobras</a> ainda é o grande player em elos importantes da cadeia de óleo e gás no Brasil.
Consequentemente, temos uma empresa estatal, que precisa atender aos requisitos do art. 173 da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/constituicao-federal">Constituição Federal</a> (atendimento ao objetivo de segurança nacional ou interesse da coletividade), e, ao mesmo tempo, atender aos interesses de seus acionistas privados. Ora, objetivamente, temos um problema de alinhamento de incentivos onde há a disputa entre a execução de uma política pública e a geração (ou maximização) de lucros.
Nesta disputa, administradores (diretores e conselheiros de administração) pendem para a maximização de lucros. Não é captura pelos acionistas privados! Em termos práticos, esses acionistas privados são mais organizados e protegidos por normas de governança e de mercado de capitais, enquanto a execução de políticas públicas e, principalmente, seus beneficiários são agentes difusos, que não contam com poder concentrado. Os acionistas privados de uma empresa estatal, por seu turno, são grupos de interesses legitimamente organizados.
Em resumo, o marco regulatório do petróleo e gás natural surgiu com o objetivo de criação de um mercado competitivo e com uma pujante entrada de novos investidores e, dessa forma, concorrentes. Porém, não foi isso que efetivamente ocorreu. As mudanças se traduziram numa liberalização de preços, mas não proporcionou uma efetiva maior contestabilidade do mercado. Ao final, permanecemos com uma sociedade de economia mista que, pelos motivos acima expostos, atua no sentido de uma maior geração de lucros – sem demérito algum nesse objetivo.
Tal condição se reflete de tempos em tempos, em particular durante as crises internacionais, em pressões altistas nos preços dos derivados do petróleo, com destaque para o óleo diesel, a gasolina e o GLP. Essas pressões, ainda mais em um país onde grande parte das mercadorias são transportadas pelo modal rodoviário, se tornam ainda maiores. Com tudo isso, surge, reiteradamente, o descontentamento da sociedade e um grande desconforto por parte do governo federal, acionista majoritário da Petrobras. Concluo afirmando que tais condições podem nos levar à necessidade de construção de uma nova(s) política(s) de preços para o setor de combustíveis, porém vamos deixar esta discussão para tratamento específico em outro texto.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O Decreto nº 9.188, de 2017, que veio a regulamentar os desinvestimentos em empresas estatais, é posterior ao início dos desinvestimentos na Petrobras. Porém, tal regulamentação surgiu efetivamente das discussões entre o Tribunal de Contas da União (TCU), a Petrobras e o então Ministério do Planejamento, Gestão e Desenvolvimento.

hanindito-prabandaru-j_wlUxN2q9U-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Lei do Petróleo atraiu investidores, mas demais elos da cadeia produtiva permaneceram praticamente intocados

Um diagnóstico sobre os preços dos combustíveis no Brasil

Preços dos combustíveis: Lei do Petróleo atraiu investidores, mas demais elos da cadeia produtiva permaneceram praticamente intocados