Alberto Ferreira Filho

Ivan Vianna de Freitas

Está bem difícil de aturar 2020. Para muita gente, compartilhar memes está sendo um mecanismo para escapar ou ao menos gerir surtos de insanidade. Quase um motivo de orgulho nacional – ao menos para estes autores – o Brasil produz, com enorme rapidez e volume, piadas virais todos os dias.
Já temos até casos históricos que internacionalizaram. Com a explosão de memes que surgiram após a participação de Gretchen no reality show A Fazenda, a diva pop brasileira chamou a atenção dos gringos. “Não é aquela moça mexicana da internet?”, manifestaram-se diversos incautos estadunidenses quando Maria Odete participou, ou melhor, estrelou o clip Swish Swish de Kate Perry.
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Renata Sorrah, depois de meio século de carreira, viu adolescentes se referindo a ela como a mulher dos memes. A imagem de seu cenho franzido como a emblemática personagem Nazaré Tedesco, da novela Senhora do Destino, rodeada de equações e gráficos matemáticos, virou um símbolo para expressão de dúvida e confusão. Não acredita? Joga Nazaré Confusa no Google e observe que vai ter meme até em russo. Os brasileiros, descobrindo a apropriação do uso pelos gringos devolveram, evidentemente, com mais memes.
O próprio formato de um meme viral já passou a ser usado como identificador de uma expressão pretendida. Além das dúvidas de Nazaré, quem nunca viu pequenos óculos pixelados baixando ao som de turn down for what e anteviu alguma lacração? O Brasil já conta até com um museu de memes! Trata-se de um projeto da Universidade Federal Fluminense para constituição de acervo, exposições e experimentação de linguagem midiática.
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Como advogados, mas também como entusiastas e compartilhadores de memes, estes autores recebem tanto as risadas, quanto as dúvidas dos amigos sobre o que pode e o que não pode ser feito com marcas, paródias e imagens de terceiros.
O caso Cabeleireira Leila, de autoria de Eduardo Sterblitch, nos fez pensar no assunto e compor este artigo. A repercussão foi tamanha que o meme teve sequência, filtro de instagram e até mesmo redes comerciais se utilizando do seu formato. Uma paródia de propaganda que veio do meme! Houve quem questionasse se Leila e seu sobrinho neto Luis Cláudio fossem reais empreendedores, até que se esclareceu que eram pessoas com fotos disponíveis em bancos de imagem. Os fãs mais atentos chegaram até a perceber que a mesma fotografia foi usada, bem rapidamente, na série de televisão The Boys.
Recentemente ganhou destaque uma série de memes do publicitário carioca Igor Frossard. Ele associa a imagem de celebridades brasileiras a marcas famosas, em geral alterando seus logos para que haja alguma piada associada com a pessoa retratada. Suas artes chegaram a ser republicadas pela Vogue Brasil e ilustraram a renomada Revista Ela de O Globo.
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É fascinante na propriedade intelectual que uma imagem que desperta tanto riso e emoção também gera diversas perguntas, em múltiplas camadas. O mesmo objeto tem uma observação sobre o direito do retratado, da marca, do fotógrafo da arte original, de algum direito autoral sobre o objeto da primeira imagem e sobre o autor do produto final. Não temos repostas estanques para todos os focos, mas ousamos tentar explorar alguns deles.
Entrando numa seara mais jurídica, cabe então o questionamento sobre paródias e paráfrases. Segundo nossa Lei de Direitos Autorais (LDA), elas são permitidas quando não forem verdadeiras reproduções da obra originária e não lhe implicarem descrédito. Agora, existe paródia em marca? Vejamos como já se manifestaram os tribunais brasileiros.
Um caso interessante foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e envolvia a Falha de São Paulo – site que fazia piadas em formato de notícias da Folha de S. Paulo – e o jornal paulista original. O STJ entendeu que se estava diante de paródia e, mesmo que o caso também fosse relacionado a uma marca, deixou de aplicar direitos marcários.
Em tese, direitos de marca não teriam relação com essa possibilidade de uso prevista na LDA. Ainda, o STJ descaracterizou a existência de concorrência desleal. Importante mencionar que a visualização gráfica (tipografia, tamanho, paginação) do Falha de São Paulo era intencional e esteticamente semelhante à da Folha de São Paulo. Houve uma aplicação extensiva das normas de direitos autorais para casos que envolviam também direitos de marca, que são previstas da Lei da Propriedade Industrial (LPI) e uma permissividade à liberdade do parodiador.
Cariocas, mineiros e capixabas devem se lembrar das criativas propagandas da Hortifruti com nomes de músicas e filmes e montagens com frutas, verduras e legumes.
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Em caso que também foi parar no STJ, a Universal Music do Brasil, detentora de 50% dos direitos patrimoniais sobre a música “Garota de Ipanema”, processou a Hortifruti, alegando reprodução abusiva da obra original. Na propaganda, a palavra coisa foi substituída por couve. O STJ entendeu no sentido de que a alteração era satírica, não depreciativa, configurando uma paródia. Temos aqui um caso clássico de aplicação da lei e da doutrina.
Adicionalmente, o tribunal traz alguns parâmetros razoáveis para verificação de uso regular: “a licitude da paródia depende das circunstâncias fáticas de cada caso concreto e envolve um certo grau de subjetivismo do julgador ao aferir a presença dos requisitos de comicidade, distintividade e ausência de cunho depreciativo, conforme exigido pela legislação de regência” .
Importante termos em conta essa decisão do STJ ao reconhecer que a paródia não deve ter a intenção de ofender o titular do direito envolvido. Um raciocínio semelhante pode ser aplicado a casos envolvendo memes.
Como os cenários de uso e forma de memes são muito amplos, sigamos para mais um deles. Atualmente, há diversos sites que brincam com a realidade pública e política, como o Piauí Herald e o Sensacionalista, que inclusive usa como slogan a indicação de que se trata de um “jornal isento de verdade”. O objetivo, contudo, não é a propagação do falso, mas fazer graça justamente por ser tão claro que aquilo não é a verdade.
Observamos uma intenção de fazer humor com fatos públicos do cotidiano, inclusive atos de políticos, mas não podemos desconsiderar que é livre ao retratado alegar ter sofrido algum descrédito, de modo que a análise final de alguma controvérsia caberá ao judiciário. Não se deve confundir paródia com fake news: na última, há intenção de desacreditar alguém, com uso de informação falsa, o que pode configurar infração penal, enquanto na primeira se pratica a ironia, sem indução mentirosa.
Apesar de não haver uma uniformidade nas decisões dos tribunais brasileiros sobre ofensas a direitos de imagem por conta de memes, há decisões pontuais interessantes que nos permitem verificar que há maior condescendência dos tribunais, ou seja, permitir a veiculação, quando as críticas são direcionadas a pessoas públicas.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo , por exemplo, já decidiu que um vereador que teve sua imagem utilizada em memes que o acusavam de recebimento de propina não teria direito a indenização. O tribunal entendeu que o vereador deveria suportar meras contrariedades de embates da vida pública, ou seja, críticas de cidadãos, uma vez que políticos estão mais expostos a críticas exacerbadas. Relativizou-se, assim, possível ofensa por privilegiar-se direito à livre expressão.
Embora ainda tenhamos mais dúvidas do que certezas, o cenário e as decisões existentes nos sinalizam uma tendência que privilegia a liberdade de expressão e relativiza o direito patrimonialista inerente a direitos de propriedade intelectual. Salvo quando há explícita intenção de ofender ou desacreditar alguém, os direitos a criar graça prevalecem. Ofensas reais e diretas continuarão sendo objeto de ações cíveis, criminais e empresariais, e o judiciário mantem a competência de fazer a análise dos fatos e ponderar sobre os direitos em disputa. Até o momento, ganhamos com os memes.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> STJ – RESP 1548849 – SP, Relator ministro Marco Buzzi. Data de julgamento: 20/06/2017
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> STJ - RESP 1597678 RJ, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, data de julgamento: 21/08/2018
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> TJ SP APL 1001009-77.2016.8.26.0047 SP 1001009-77.2016.8.26.0047. Órgão Julgador 10ª Câmara de Direito Privado. Relator Araldo Telles. Data de julgamento: 30/05/2017.

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JOTA

Uma breve análise do direito autoral, de marcas e de imagens contidas nos memes brasileiros

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