Marcos Fuchs

O direito não é igual para todos no Brasil. Há uma ampla diversidade de exemplos que servem a essa verdade, mas um deles salta pela urgência e atualidade: a manutenção de uma maioria pobre, sem acesso à defesa adequada, em regimes prisionais mais duros do que os estipulados pela sentença e garantidos pelo direito à progressão da pena. Para quem visita os presídios do País, não é difícil encontrar no regime fechado detentos que já teriam direito ao semiaberto. E detentos no semiaberto que já poderiam estar no aberto.
O fato de já termos naturalizado – e, em alguma medida, aceitado – a vocação violadora do sistema prisional brasileiro nos cega para oportunidades reais de avanço. E uma delas, justamente no âmbito da progressão da pena, pode se dar amanhã na plenária do STF (Supremo Tribunal Federal) durante a votação da Proposta de Súmula Vinculante 57 – documento de cumprimento obrigatório pelos juízes de todo o Brasil que formaliza entendimento do STF sobre determinado tema.
A PSV 57, proposta pela Defensoria Pública da União e idealizada pela Pastoral Carcerária, estabelece que, na inexistência de vaga para o cumprimento adequado da pena, a pessoa presa deve ser alocada em regime mais benéfico. Isso significa que, se o sistema não possuir vagas para um detento que já tem direito ao semiaberto, essa pessoa passará ao regime aberto. O mesmo raciocínio seria aplicado para aqueles que acabam de ser condenados, por exemplo, ao regime fechado: na inexistência de estrutura, seriam encaminhados para o semiaberto.
Parece óbvio? E é.
Os próprios ministros do STF já se manifestaram reiteradas vezes sobre o tema, sempre voltando à mesma conclusão: a progressão de pena é um direito inalienável do preso e a ineficiência ou morosidade do Estado na construção de vagas não é argumento válido para não se efetivar esse direito. Nas palavras do decano da Corte, “não se revela aceitável que o exercício, pelo sentenciado, de direitos subjetivos (...) venha a ser impossibilitado por notórias deficiências estruturais do sistema penitenciário ou por crônica incapacidade do Estado de viabilizar, materialmente, as determinações constantes da Lei de Execução Penal” (Min. Celso de Mello, no julgamento do HC 93596/SP, em 08/04/08).
Não se trata, portanto, como tentou argumentar o ex-Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, em lamentável parecer desfavorável à proposta, de aguardar-se construção de novas vagas para desanuviar as celas superlotadas.
Como costuma acontecer quando o assunto são os presídios, as autoridades justificam a aberração com a própria incapacidade de garantir o correto funcionamento do sistema. Aqui, é importante esclarecer, o argumento da superlotação serve apenas para reforçar o caráter violador da manutenção de pessoas que já têm direito à progressão no regime fechado. Ou seja, segundo pensam alguns, os pobres – porque só prendemos pobres – deveriam ficar aguardando pacientemente suas vagas serem criadas nos regimes adequados para então terem seu exercício de direitos garantidos.
Sejamos claros: é ilegal, inconstitucional e imoral, a tentativa de modular a ilegalidade consistente em deixar pessoas apodrecerem em regime de cumprimento de pena diverso daquele a quem tem direito.
Só se livram das condições abomináveis aquelas que, com a ajuda de advogados, conseguem fazer seu caso chegar ao Supremo – que, por sua vez, perde tempo e dinheiro no julgamento de centenas de Habeas Corpus que poderiam ter sido resolvidos nas justiças estaduais se o entendimento sobre o tema estivesse devidamente sumulado pelo Supremo.
Nesse sentido, a aprovação da PSV 57 também vai gerar uma enorme economia processual. Estados como São Paulo, onde cerca de 70% dos HCs impetrados por conta da ausência de vagas no semiaberto são negados, serão obrigados a garantir a progressão para regime mais benéfico àqueles que tiverem direito a ela, sem malabarismos ideológicos. Não se trata, como previsivelmente dirão alguns, de dar aos presos um benefício que não lhes pertence, mas de obrigar o poder público a responder à Justiça na mesma medida que a sociedade e seus cidadãos.
A proposta é apoiada por diversas entidades que já se manifestaram no caso pela aprovação da súmula, como Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Conectas Direitos Humanos, Associação pela Reforma Prisional (ARP), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH), Instituto Sou da Paz e Justiça Global.
Se todos são iguais perante a Lei (art. 5º, CF/88), que os pobres das nossas “masmorras mediáveis” tenham um Supremo à altura. Que a discussão no órgão responsável pela interpretação da Constituição Federal reflita a urgência social e política desse debate.
* Diretor Adjunto da Conectas Direitos Humanos e membro do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

Sunshine Shining In Prison Cell Window

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JOTA

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