Ivan Allegretti

Michell Przepiorka

Este artigo completa as reflexões produzidas em <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-lei-geral-do-processo-administrativo-fiscal-10052022">dois artigos anteriores do JOTA</a>, ultimando a trilogia de textos destinados a fomentar a discussão a respeito de uma Lei Geral para o Processo Administrativo Fiscal em âmbito nacional.
Enquanto os artigos anteriores foram dedicados a analisar o <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=611441">Projeto de Lei Complementar nº 381/2014</a>, o presente artigo trata de outros temas importantes que não foram contemplados pelo projeto.
O principal deles corresponde à necessidade de criar uma cultura de precedentes, em alinhamento ao esforço empreendido pelo Código de Processo Civil de 2015, para a estabilidade e previsibilidade dos julgamentos administrativos, equalizando o efeito das mudanças de composição dos julgadores e induzindo à assimilação dos precedentes judiciais qualificados, julgados em regime de recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>) e em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/stf">STF</a>).
Os tribunais administrativos não podem se furtar à interpretação e aplicação destes precedentes qualificados, cujo entendimento de mérito já foi definido pelos tribunais superiores, sendo por isso oportuno que a Lei Geral do PAF exija o enfrentamento do tema sob pena de nulidade, inclusive exigindo motivação para eventuais distinções em relação ao paradigma judicial.
Vale lembrar que é comum que a legislação de regência do contencioso administrativo restrinja a competência do órgão julgador a questões de legalidade, recusando o conhecimento de matérias de índole constitucional. Ocorre que esta regra não pode ser usada como pretexto para se esquivar da aplicação de um precedente qualificado de natureza constitucional, sendo por isso necessário exigir que o tribunal administrativo enfrente o tema da aplicação de precedentes judiciais qualificados mesmo que tratem de matéria constitucional, prevendo efeito vinculante aos órgãos julgadores administrativos.
Nesse mesmo sentido, seria importante regular os efeitos do reconhecimento de repercussão geral e de recursos repetitivos no âmbito do contencioso administrativo, para que não se movimente toda a máquina estatal sem qualquer eficácia. Com efeito, exemplifica a importância da matéria a experiência que se teve quando do julgamento da <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/tese-do-seculo-entenda-julgamento-icms-base-pis-cofins-07032022">“tese do século”</a>, haja vista a longa espera pelo julgamento de embargos.
Uma alternativa seria a atribuição de efeito suspensivo ao lançamento enquanto não julgado o precedente qualificado. Embora fuja ao escopo do processo administrativo, outra seria autorizar que contribuinte apresentasse embargos à execução sem a necessidade de apresentar garantias.
Esta ponderação é necessária porque, encerrado o processo administrativo, desencadeia-se o mecanismo de exigência do crédito tributário, com a inscrição em dívida ativa, protesto, inscrição em cadastro de inadimplentes e propositura da execução fiscal, ou ao ajuizamento de ação por iniciativa do contribuinte, agravando-se o cenário de macrolitigância fiscal tão combatido.
Outra matéria de ordem prática que deveria ser melhor regulada diz respeito à flexibilização de dispositivos que regulamentam o momento de apresentação de provas pelo contribuinte, em atendimento ao princípio da verdade material e ao objetivo precípuo do processo administrativo na revisão do lançamento.
Há também pontos importantes que ainda não foram contemplados pelo projeto e que dizem respeito à transparência e à ampla publicidade que precisam existir na condução da administração pública e tanto mais em razão da natureza da atividade de julgamento.
A esta altura do desenvolvimento da tecnologia, precipitada pela pandemia do coronavírus, não parece muito exigir que os tribunais administrativos mantenham sítios, por meio dos quais seja assegurado o acesso às informações institucionais, ao andamento e à jurisprudência, como também o acesso eletrônico — senão diretamente pelos menos a possibilidade de formular pedido de cópia eletrônica — da íntegra do processo, bem como a realização do protocolo da defesa e dos recursos por meio eletrônico.
A sociedade em geral precisa ter acesso ao conteúdo integral de consultas e decisões administrativas, e quaisquer outros atos administrativos que permitam tomar conhecimento do entendimento da administração pública acerca da interpretação dos dispositivos legais que regulem seus atos e negócios jurídicos, permitindo uma conformidade adequada à legislação.
Ademais é preciso escancarar as informações quanto à composição dos órgãos de julgamento e os meios de acesso aos julgadores, bem como o processo de escolha dos representantes fazendários e dos contribuintes.
Também é preciso, por um lado, assegurar o tratamento adequado aos advogados e, por outro lado, franquear a possibilidade de que os contribuintes se façam representar por procuradores que não sejam advogados.
Ainda hoje, o processo administrativo federal não admite o cadastramento de advogados para que recebam as intimações diretamente, sendo a intimação feita exclusivamente ao próprio contribuinte, o que muitas vezes gera grande demora e até mesmo o risco de perda de prazo.
Em contraste, alguns estados recusam defesas e recursos que sejam subscritos por procuradores que não sejam advogados. As normas locais exigem a assinatura ou de um advogado ou do próprio representante da pessoa jurídica constante do contrato social, recusando a atuação de contadores, prepostos ou outros procuradores legalmente constituídos — que não sejam advogados. Parece minimamente legítimo permitir que qualquer procurador habilitado subscreva em nome da pessoa jurídica.
Um último tema que representaria um marco importante no processo administrativo fiscal seria a fixação de prazo de prescrição intercorrente para a tramitação e julgamento.
O contencioso administrativo que se segue ao ato da administração é uma fase acoplada ao funcionamento do sistema nacional de constituição e exigência dos tributos e por isso reclama um prazo máximo para a sua realização, assim como há para a constituição e para a exigência do crédito tributário.
Atualmente o contencioso administrativo abre um limbo entre a contagem da decadência e da prescrição. A notificação do lançamento fiscal, por concretizar a constituição do crédito, faz cessar a contagem do prazo decadencial. Mas a contagem do prazo prescricional apenas se inicia com o desfecho da discussão administrativa, pois apenas neste momento se consuma a constituição definitiva do crédito tributário, permitindo-se a sua exigência.
O intervalo que corresponde ao contencioso administrativo não é balizado nem pela decadência, nem pela prescrição tal como atualmente previstas no Código Tributário Nacional (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ctn">CTN</a>), que é lei complementar.
Sabe-se que, embora o estado de Santa Catarina já tenha no passado previsto em lei estadual a prescrição intercorrente em processo administrativo, o STF entendeu pela sua inconstitucionalidade por se tratar de matéria reservada à lei complementar<a href="#_ftn1" name="_ftnref2">[1]</a>.
Sendo, pois, a Lei Geral do PAF um projeto de lei complementar, pode-se finalmente fixar um prazo para o encerramento da discussão administrativa sob pena de extinção por prescrição, buscando-se assim maior celeridade e eficácia no julgamento administrativo.
Enfim, são muitos os pontos que, se balizados, significarão grandes avanços para imprimir uma uniformidade inteligente e eficaz ao processo administrativo fiscal em âmbito nacional, conferindo-lhe a necessária publicidade, racionalidade e previsibilidade, em favor de uma efetiva cidadania fiscal.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn2">[1]</a> ADI 124, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2008, DJe-071  DIVULG 16-04-2009  PUBLIC 17-04-2009 EMENT VOL-02356-01  PP-00011)

Moeda Nacional, Real, Dinheiro, notas de real

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JOTA

Cultura de precedentes, tratamento adequado aos advogados e prescrição intercorrente administrativa

Últimas notas quanto à Lei Geral do Processo Administrativo Fiscal – Parte 3

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