Giovani Ravagnani

Daniel Battaglia

<a href="https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-regulacao-do-uber-das-motos-no-brasil-20082019">Em 28 de agosto de 2019</a>, o portal JOTA publicou um texto em que comentamos a regularidade do transporte privado remunerado de passageiros realizado por motocicletas. Àquela data, a colombiana Picap havia acabado de chegar ao Brasil. Agora, no entanto, o assunto volta às manchetes porque a empresa <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/01/05/uber-moto-chega-ao-rio-de-janeiro-e-a-sao-paulo.ghtml">Uber decidiu lançar</a> um novo produto na cidade de São Paulo e na cidade do Rio de Janeiro.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
Pois bem. Uber Moto é um serviço de transporte que permite que as pessoas solicitem um passeio de moto através da aplicação móvel da Uber (a 99 também possui seu produto análogo). De acordo com a explicação trazida pelo ChatGPT, o Uber Moto é oferecido em algumas cidades do mundo onde a utilização de motos é comum como meio de transporte, principalmente onde em cidades com trânsito congestionado, uma vez que as motos são capazes de se deslocar mais facilmente pelas ruas. Além disso, o Uber Moto é considerado uma opção mais acessível do que outros serviços, já que os preços são geralmente mais baixos.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
Não demorou nem 48 horas para voltarmos ao ano de <a href="https://veja.abril.com.br/tecnologia/camara-aprova-projeto-que-proibe-o-uber-em-sao-paulo/">2015</a>: as municipalidades de São Paulo e do Rio de Janeiro <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/01/05/uber-moto-chega-ao-rio-de-janeiro-e-a-sao-paulo.ghtml">decidiram proibir as funcionalidades do novo produto</a>. Em São Paulo, após reunião do Comitê Municipal de Uso do Viário, a prefeitura decidiu decretar a suspensão da “utilização de motocicletas para a prestação do serviço de transporte individual remunerado de passageiros por meio de aplicativos”.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
O fundamento para a suspensão temporária (até sabe-se-lá quando) seria a 1) “necessidade de zelar” pela segurança dos habitantes da capital paulista; 2) as metas de redução de mortes no trânsito; e 3) a falta de estudos de impacto regulatório para a introdução de tal modal.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
A municipalidade do Rio de Janeiro apenas se manifestou na imprensa acerca da intenção de proibição.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
Sobre o assunto polêmico, é importante dizer que já há entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que, aos municípios, é proibido proibir o transporte privado remunerado individual de passageiros. E que é igualmente proibido contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (Constituição Federal, artigo 22, inciso XI. A tese de repercussão geral foi fixada quando do julgamento do Recurso Extraordinário 1.054.110/SP e da APDF 449[1].<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei que regulou o transporte privado individual remunerado de passageiros, em seu artigo 3º, ao descrever e classificar o transporte urbano, não fez distinção entre os tipos e modalidades de veículos que podem ser considerados motorizados. Vejamos:<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:0,&quot;335559731&quot;:720,&quot;335559737&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
“Artigo 3º O Sistema Nacional de Mobilidade Urbana é o conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garante os deslocamentos de pessoas e cargas no território do município. 
<ul>
<li> 1º São modos de transporte urbano:</li>
</ul>
I - motorizados; e 
II - não motorizados. 
<ul>
<li> 2º Os serviços de transporte urbano são classificados:</li>
</ul>
I - quanto ao objeto: 
<ol>
<li>a) de passageiros;</li>
<li>b) de cargas;</li>
</ol>
II - quanto à característica do serviço: 
<ol>
<li>a) coletivo;</li>
<li>b) individual;</li>
</ol>
III - quanto à natureza do serviço: 
<ol>
<li>a) público;</li>
<li>b) privado”.</li>
</ol>
Os itens acima geram diversas formas de combinação já existentes no mundo da mobilidade urbana brasileira, nunca tendo sido feita a distinção entre moto ou automóvel quanto ao tipo do veículo motorizado. É nesse contexto que se encontra inserida a discussão aqui enfrentada.  
Especificamente sobre as normas que proíbem o transporte privado individual remunerado de passageiros por motocicletas, já existem diversos precedentes judiciais ao redor do Brasil, favoráveis ao entendimento de que é proibido proibir o modal. Mencionamos os seguintes para conferência e destaque: 1) 99 Tecnologia Ltda. x Consórcio Unitrans e Consórcio Nossa Senhora dos Navegantes; Agravo de Instrumento 0800366-46.2022.8.15.0000, TJPB, Desembargador Relator Romero Marcelo da Fonseca Oliveira; 2) Uber do Brasil Tecnologia Ltda. x Federação das Empresas de Transporte de Passageiros dos Estados de Alagoas e Sergipe, Agravo de Instrumento 202100702005, Relatora Desembargadora Iolando Santos Magalhães; 3) Uber do Brasil Tecnologia Ltda. x Federação das Associações e Sindicatos de Mototaxistas e Motoboys do Maranhão, Agravo de Instrumento 0812973-66.2021.8.10.0000, Desembargador Relator Raimundo Barros; e 4) Uber do Brasil Tecnologia Ltda. x Município de Vitória da Conquista, Agravo de Instrumento 8005676-06.2022.8.05.0000, Desembargadora Relatora Pilar Célia Tobio de Claro. 
No mais, ainda no âmbito do transporte público individual remunerado de passageiros por motocicletas, destaque-se que Brasil afora existem várias legislações municipais e estaduais que tentaram (sem sucesso) proibir a rodagem e o serviço dos mototaxistas[2], as quais já foram julgadas inconstitucionais pelo STF, por violação à Competência Privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte: 
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DE SANTA CATARINA. LICENCIAMENTO DE MOTOCICLETAS DESTINADAS AO TRANSPORTE REMUNERADO DE PASSAGEIROS. COMPETÊNCIA DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. É da competência exclusiva da União legislar sobre trânsito e transporte, sendo necessária expressa autorização em lei complementar para que a unidade federada possa exercer tal atribuição (CF, artigo 22, inciso XI, e parágrafo único)”[3].<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:708,&quot;335559731&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Pará. 3. Serviço de transporte individual de passageiros prestado por meio de ciclomotores, motonetas e motocicletas. 4. Competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte(artigo 22, XI, CF). 5. Precedentes (ADI 2.606/SC). 6. Procedência da ação”[4].
No mesmo sentido é o entendimento das cortes estaduais, incluindo a do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o qual se embasou no entendimento consolidado pelo STF: 
“Norma impugnada que não se restringiu a regulamentar questões de mobilidade urbana e segurança viária, mas, em plano bem mais abrangente, estabeleceu regramento próprio (inexistente no âmbito federal) para proibir o transporte privado de passageiros por meio de motocicleta, em evidente usurpação da competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de transporte (CF, artigo 22, IX) e sobre trânsito e transporte (CF, artigo 22, XI). União que no exercício de sua competência legislativa privativa já editou a Lei nº 12.009/2009 (regulamentando o exercício das atividades de motofrete e mototaxista) e a Lei nº 12.587/2012 (dispondo sobre política nacional de mobilidade urbana) (...) Embora esse julgado esteja relacionado a transporte por motorista cadastrado em aplicativo, o fundamento da decisão (prestigiando a livre iniciativa e a livre concorrência e os parâmetros estabelecidos pela legislação federal) se ajusta perfeitamente ao caso em julgamento (que também envolve transporte privado individual de passageiros). Ação julgada procedente” (TJSP, Órgão Especial, ADI n. 2110503-93.2019.8.26.0000; j. 11.09.2019, Rel. Des. Ferreira Rodrigues).<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559685&quot;:708,&quot;335559731&quot;:0,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:120,&quot;335559740&quot;:340}"> 
Ou seja, fica claro que o transporte remunerado privado individual de passageiros — serviço tradicionalmente desenvolvido por plataformas como Uber e 99 — não pode ser proibido, nem sofrer suspensão ou restrições regulatórias. No mesmo sentido está o caso do Uber Moto e 99Moto, que não podem ser proibidos, posto que o precedente fixado pelo STF também é aplicável à sua hipótese, o que reforça sua legalidade. 
Além disso, a eventual regulamentação do serviço não pode: 1) criar restrições ao serviço e ao modelo de negócios; 2) ultrapassar os pontos estabelecidos nos artigos 11-A e 11-B da Lei 13.640/2018; 3) desobedecer o artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal, que fixa que somente a União Federal pode legislar sobre trânsito e transporte. 
Do ponto de vista normativo, tem-se como claro que os serviços Uber Moto e 99Moto são legais e já estão regulados, sendo impossível a sua proibição ou a imposição de restrições que violem a livre iniciativa, nos termos do precedente fixado pelo Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário 1.054.110/SP) e pela atual redação da Política Nacional de Mobilidade Urbana.  
Por fim, a respeito dos motivos de segurança aos usuários que foram mencionados pela municipalidade para tentar suspender as atividades, importante lembrar que a prestação de serviços dos motoristas de moto do Uber Moto e do 99Moto também já está obviamente sujeita às regras de segurança introduzidas por meio do Código de Trânsito Brasileiro aos motociclistas, quais sejam, 1) utilização de capacete; 2) utilização do guidom com as duas mãos; 3) indicação de qual faixa de rolagem as motos devem utilizar; 4) velocidade máxima para as motocicletas em determinadas vias etc.
Ademais, até onde se tem notícia, o Uber Moto e o 99Moto determinam que os motociclistas não apenas sigam essa legislação mas também impõem regras sanitárias, como a de higienizar o capacete fornecido ao passageiro após cada viagem (caso o passageiro não possua o próprio capacete).
<hr />
[1] “1 – A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. 2 – No exercício de sua competência para a regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (Constituição Federal, artigo 22, inciso XI).”. 
[2] A esse respeito, confira-se o exemplo de São Paulo, onde o Prefeito Bruno Covas sancionou lei que proíbe o serviço na cidade: “Revoga a <a class="Hyperlink SCXW187399777 BCX0" href="http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-12609-de-6-de-maio-de-1998" target="_blank" rel="noreferrer noopener">Lei Municipal nº 12.609, de 6 de maio de 1998</a> e altera a <a class="Hyperlink SCXW187399777 BCX0" href="http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14766-de-18-de-junho-de-2008" target="_blank" rel="noreferrer noopener">Lei Municipal nº 14.766, de 18 de junho de 2008</a>, a fim de proibir a utilização de motocicletas para o transporte de passageiros (moto-táxi)”. 
[3] ADI n. 2606, Ministro Relator Maurício Corrêa. 
[4] ADI n. 3135, Ministro Relator Gilmar Mendes.

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JOTA

Do ponto de vista normativo, tem-se como claro que o serviço é legal e já está regulado

Uber Moto e sua regulação, três anos depois

Do ponto de vista normativo, tem-se como claro que o serviço do Uber Moto é legal e já está regulado