Nathan Christian Coelho Silvestre

Objeto profícuo de recentes debates tem sido o direito à tutela jurisdicional diferenciada (ou adequada) que se pode extrair dos mandamentos constitucionais, em especial o art. 5º, XXXV, da CF, cláusula na qual consta que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Tal fenômeno é plurissignificativo e a ele são tradicionalmente atribuídos dois sentidos: o primeiro compreendido como “aquela concedida nos processos dotados de especialidade procedimental, mas que propiciam o desenvolvimento de atividade cognitiva ampla e exauriente”, de que é exemplo a ação monitória; de outra banda, o conceito está ligado “ao grau ou verticalidade da atividade cognitiva, bem como a não definitividade da cognição”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, manifestando-se na forma das tutelas provisórias.
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É clássica a lição de Kazuo Watanabe acerca da cognição no processo civil, afirmando que a “cognição sumária é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido horizontal”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Para esta última hipótese de tutela jurisdicional diferenciada, secundada por Cândido Rangel Dinamarco, a justificativa legal repousa sobre a marcante necessidade, reconhecida pelo legislador, de se conferir solução mais célere à liça, primando pela “cognição sumária, sem exigir as delongas da cognição plena”, a fim de se alcançar a “tempestividade da tutela jurisdicional”<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
No que diz respeito ao recurso especial – mote do presente artigo –, à luz do art. 1.029, § 5º, do CPC, a agregação de efeito suspensivo ao apelo nobre deve ser requerida ao Tribunal da Cidadania, “no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição” (inciso I), ou ao presidente ou vice-presidente do Tribunal a quo, “no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso” (inciso III), para nos atermos ao objeto deste ensaio.
Veja-se que a dinâmica plasmada no aludido comando legal refoge à regra geral estabelecida no art. 299, parágrafo único, do CPC, o qual dispõe que a outorga da tutela jurisdicional satisfativa ou cautelar, se o caso, em sede cautelar competirá ao Tribunal competente para exame do mérito – portanto, o STJ, para o recurso especial.
Nesse diapasão, preservado respeitabilíssimo entendimento em sentido contrário<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, perfilhamos o entendimento de que, quando menos, ainda que pendente o juízo de admissibilidade a ser realizado pelo Tribunal de origem, incumbirá ao Tribunal Superior respectivo – aqui, o STJ – a apreciação de eventual pleito de tutela antecipada, em caráter antecedente ao especial<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, conferindo interpretação restritiva ao art. 1.029, § 5º, do Código Fux.
Vale anotar que o Regimento Interno do Tribunal da Cidadania, ao tratar da questão (v. art. 288 do RISTJ), é silente a respeito da quaestio vexata.
A matéria exsurge peculiarmente relevante neste ano de 2020, prestes a findar-se, pelo advento da pandemia do novo coronavírus, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início do mês de março, máxime em vista das medidas adotadas pelos Tribunais pátrios para mitigação da propagação da enfermidade, revelando que, seja paralisação ou demora da tramitação de processos, seja pelas próprias circunstâncias advindas desse delicado momento ora vivenciado, há necessidades que não podem ser adequadamente supridas pela cognição ordinária, plena, exauriente, incompatível com a demanda de recursos e tempo que lhe é inerente.
<blockquote class="jota-article__eye">Outra circunstância afeta ao tema, digna de nota e já reconhecida pelo STJ, é que o juízo de admissibilidade do especial, o qual compete às Cortes a quo, nos moldes dos arts. 1.029 e 1.030 do CPC, nem sempre é exercido de forma adequada e consentânea aos preceitos legais e constitucionais:</blockquote>
“É possível notar empiricamente que o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo utiliza-se de modelo-padrão para o exercício da competência referente ao juízo de admissibilidade do recurso especial, aplicando indistintamente aos casos um mesmo texto decisório que, com o devido respeito, não examina as particularidades de cada caso concreto nem tampouco aplica o que de direito cada um deles precisa.
Esse texto em grande medida resume-se a assertar a ‘falta de desrespeito à legislação enfocada’ e a aplicar a Súmula 07/STJ, o que inquestionavelmente nada resolve e impede, no comum dos casos, o regular exercício do direito de defesa pela parte que almeja recorrer, na medida em que dificulta a tessitura de razões para impugnar a generalidade dessa fundamentação” (STJ, AgInt no AREsp 1.654.403/SP, rel. min. Mauro Campbell Marques, DJe 22/10/2020).
Via de regra, o Superior Tribunal de Justiça relega o exame de medida liminar à origem, no iter compreendido até a distribuição do recurso àquela Corte Superior. À guisa de exemplificação, cita-se, por todos, o recente acórdão exarado no AgInt no TP nº 1.694/RJ:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. CONCURSO PÚBLICO. PRETENSÃO LIMINAR ATRELADA A RECURSO ESPECIAL AINDA NÃO ADMITIDO PELA CORTE DE ORIGEM. COMPETÊNCIA DESTE STJ NÃO INAUGURADA. ART. 1.029, 5o., I E III DO CÓDIGO FUX. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Consoante o art. 1.029, § 5º., I e III do Código Fux, o pedido liminar relativo ao Recurso Especial somente poderá ser dirigido a esta Corte Superior se já tiver sido publicada a decisão de admissibilidade do Apelo Nobre na origem; caso contrário, o pleito deverá ser formulado perante o presidente ou vice-presidente do Tribunal local” (STJ, AgInt no TP nº 1.694/RJ, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 30/11/2020, DJe 3/12/2020).
Contudo, por louvável entendimento – que precede, inclusive, o sensível contexto pandêmico ora vivenciado, vale consignar –, o Tribunal da Cidadania, mesmo que implicitamente fazendo alusão aos fundamentos aqui invocados, aduz à possibilidade de concessão da medida, ainda que na origem não tenha havido pronunciamento acerca da admissibilidade recursal ou se tenha assentado a negativa de seguimento ao recurso – que, como já se expôs, nem sempre é apropriadamente manifestada pelos órgãos competentes –, mas não sem alcunhá-la de excepcionalíssima, requerendo a demonstração de manifesta teratologia do acórdão recorrido:
PROCESSUAL CIVIL. TUTELA PROVISÓRIA. CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PERICULUM IN MORA E DO FUMUS BONI IURIS. TUTELA INDEFERIDA. (...) III - A medida se mostra mais excepcional ainda caso ainda não tenha sido proferido o respectivo juízo de admissibilidade na origem, no que a plausibilidade de mérito recursal deve ser de todo evidente. A propósito, os seguintes precedentes: AgInt na TutPrv no AREsp nº 1.033.971/RJ, rel. ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 6/5/2020, DJe 14/5/2020 e AgInt no TP n. 2.249/SP, rel. ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/2/2020, DJe 11/2/2020” (STJ, AgInt no TP nº 2.923/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma, j. 19/10/2020, DJe 22/10/2020 – grifei).
“AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM TUTELA DE URGÊNCIA - PRETENSÃO VOLTADA À ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL INADMITIDO NA ORIGEM, A SER REMETIDO A ESTA CORTE NA FORMA DE ARESP - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERIU A TUTELA PROVISÓRIA - AUSENTES OS REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E DECISÃO TERATOLÓGICA OU CONTRÁRIA À JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE - FORTE PROBABILIDADE DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL - INSURGÊNCIA RECURSAL DOS REQUERENTES. 1. A concessão da medida cautelar para conferir efeito suspensivo a recurso inadmitido na origem é excepcional e pressupõe a aferição da existência de decisão teratológica ou manifestamente contrária à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, somada à demonstração dos requisitos da viabilidade do apelo nobre e plausibilidade do direito invocado, e do perigo da demora” (STJ, AgInt nos EDcl na Pet nº 11.773/SP, rel. min. Marco Buzzi, 4ª Turma, j. 3/8/2017, DJe 17/8/2017 – grifei).
Do compulsar desse entendimento jurisprudencial, desponta a ilação de que, ante as ocorrências concretas, o STJ ajustou o filtro procedimental imposto pela legislação processual civil para a realidade do ordenamento jurídico pátrio, flexibilizando-o para enrobustecer as garantias constitucionais processuais outorgadas pela Lei Maior e que devem nortear a atuação da jurisdição. Tal compreensão revela-se indubitavelmente profícua para o contexto da pandemia, que, como é cediço, ainda não chegou a termo.
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O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça:
https://youtu.be/-hMj5lwWXEE
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Flexibilização Procedimental no Quadro da Tutela Jurisdicional Diferenciada. In: DIDIER JR., Fredie (coord.). Tutela Provisória. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 88.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 11.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Novo Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 126.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cf. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova Função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 415: “É relevante frisar que o efeito suspensivo a que se refere a lei abrange também o efeito antecipa tório positiva da tutela recursal, quando a decisão de que se recorre é negativa (= não concessiva da providência pleiteada)”.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 812. E-book; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao art. 299. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. (coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 732. E-book.

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JOTA

A interpretação do STJ à luz dos arts. 299, parágrafo único, e 1.029, § 5º, do CPC

Tutela provisória em REsp ainda em trâmite na origem

A interpretação do STJ à luz dos arts. 299, parágrafo único, e 1.029, § 5º, do CPC