
Turnaround, ou reestruturação que resulta em uma situação econômico-financeira mais favorável a uma empresa, é processo que exige diversas habilidades dos gestores empresariais, entre elas a de realizar distressed deals.
Tais transações costumam estar no limiar entre criação e destruição de valor para a companhia e, para terem sucesso, devem ser analisadas sob perspectiva abrangente que considere elementos como liquidez, custo de oportunidade e encaixe adequado no plano de turnaround.
Embora a maioria das empresas busque na Recuperação Judicial o ambiente propício para a concretização de distressed deals, a Recuperação Extrajudicial – RE também é bastante adequada a esse tipo de negócio.
O processo de turnaround, qualquer que seja o caminho jurídico que o acompanhe – RJ, RE ou sem uso da Lei n° 11.101/2005 – sempre demandará intenso trabalho de negociação com os credores.
A tarefa começa com o mapeamento deles e entendimento de suas fortalezas e fraquezas em várias dimensões como a relevância para a operação da empresa, a estrutura de garantias e a essencialidade destas para o devedor, o contexto específico de caixa, a governança e o nível de relação com os credores, o que pode influenciar seu tom de cobrança da dívida.
Após esse mapeamento, é necessário estudar as diversas estratégias de negociação e os cenários de condução das atividades da empresa dependendo dos resultados das interações com suas contrapartes.
Segue-se, então, para a tática negocial de definição de uma abordagem específica para cada credor. Por fim, a negociação passa pelo esforço de comunicação dos fundamentos de valor da empresa e da necessidade de cooperação dos stakeholders para o atingimento de uma situação econômico-financeira mais favorável, cujo resultado beneficiará particularmente quem concedeu crédito para a companhia.
Tal situação mais favorável, que conduz ao efetivo turnaround da empresa, costuma envolver a identificação de ativos que possam ser transacionados. O distressed deal pode ter distintas referências de criação de valor, incluindo: (i) alienação de bem não essencial ao core business e/ou que consuma caixa sem perspectiva de contribuição rápida para o turnaround, (ii) negociação do ativo considerado a “vaca leiteira”, ou seja, o mais valioso, para trazer um grande aporte de recursos que viabilize a reestruturação, (iii) entrada de um parceiro estratégico como sócio da empresa, o que requer arranjos societários especiais e eventuais autorizações por parte de alguns credores; (iv) venda da empresa ou de alguma unidade de negócio para um grupo de executivos com a promessa de revolucionarem a gestão, aliviarem os custos operacionais e honrarem a dívida que lhes for atribuída na transação; e (v) negociação da empresa ou de uma parte desta com credores mediante conversão de dívida em participação em capital.
Como se vê, o desenho do melhor distressed deal pede múltiplas expertises, devendo ser conduzido por profissional experiente e capacitado para este tipo de situação – o reestruturador ou turnarounder. É ele, inclusive, que vai identificar se faz sentido uma RJ, uma RE ou uma negociação fora dos contornos da Lei nº 11.101/2005. Sobre a RE, vale comentar detalhes de seus potenciais benefícios para os negócios estressados.
A vantagem da RE para distressed deals no processo de turnaround é que, por se tratar de um negócio jurídico com o qual os credores da recuperanda concordam antes mesmo do início do processo judicial, o caminho de implementação da transação já nasce pavimentado.
De um lado, os executivos da companhia têm clareza de seu mandato, o que contribui bastante para facilitar o processo de tomada de decisão. De outro lado, os credores movem-se para fomentar ou, no mínimo, não atrapalhar o negócio, uma vez que os contornos gerais foram negociados com eles previamente.
Por fim, o tradicional contencioso da recuperação judicial fica mitigado, o que induz a atração de mais interessados em avaliar o deal com a recuperanda. Esses três elementos – facilitação da governança, engajamento dos credores e redução do contencioso – fazem da RE um procedimento viável quando se pensa no efetivo turnaround de uma empresa.
Inovações legislativas ou interpretações jurídicas mais recentes ajudam o turnarounder a explorar as diversas possibilidades de distressed deals e a preparar melhor o terreno para que eles tragam ganhos à recuperação empresarial. Como já explicado em artigos anteriores desta série, é possível conduzir acordos com os empregados, utilizando o sindicato como âncora, até mesmo para estender os efeitos do plano a eventuais dissidentes.
O Fisco pode ser chamado a negociar seus créditos via transação tributária ou negócio jurídico processual, liberando bens que dão fôlego à recuperanda. O negócio jurídico processual cabe também para agregar mais segurança jurídica à captação de novos recursos com estruturas como DIP financing.
O comportamento das grandes instituições financeiras privadas tem se adaptado à moda do London Approach, com abordagem mais construtiva perante os devedores. Por fim, o magistrado responsável pela RE pode viabilizar a alienação de ativos sem sucessão de passivos, deixando isso claro em suas decisões.
Ninguém dirá que a tarefa de acomodar tantos interesses é fácil. Mas esse é o trabalho do turnarounder, que será tão mais exitoso quanto mais conseguir resolver os problemas na esfera negocial, reduzindo os litígios. A RE é um mar aberto para quem está capacitado a utilizá-la e, dado o apetite cada vez maior de investidores locais e internacionais especializados em distressed deals, tende a se tornar um dos pilares do turnaround no Brasil.