Lucas Garcia Martins

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) reformou, há poucos dias, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que havia reconhecido como vínculo de emprego, nos moldes da CLT, a relação jurídica estabelecida entre o motorista de aplicativo e a empresa Uber. A decisão foi proferida pela 5ª Turma do TST, sob o entendimento de que o acórdão do Tribunal Regional incidiu em violação ao artigo 3º da CLT.
Considerou-se que as declarações do próprio reclamante em Juízo evidenciam a autonomia da atividade desenvolvida pelo motorista, pois ele tinha liberdade para definir seus horários, local de atuação e quantidade dos clientes que desejava atender. Nos termos do entendimento adotado no julgado da Corte Superior, essas características são incompatíveis com as relações empregatícias, que tem como pressuposto básico a subordinação.
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Indaga-se se a decisão da Corte Superior indica uma evolução em termos de liberdade econômica no Brasil. Uma compreensão realista da legislação trabalhista acerca dos requisitos para caracterização de vínculo de emprego é algo extremamente relevante e atual, tanto do ponto de vista econômico quanto do viés social.
São diversas as atividades que surgiram nos últimos anos, muitas relacionadas ao meio virtual e à tecnologia, que dependem menos do Estado e dão mais autonomia às relações particulares e privadas. Há diversos profissionais migrando das atividades e relações de emprego tradicionais, com horários definidos e subordinação, para as novas possibilidades de trabalho, acompanhadas de uma maior autonomia, poder de escolha e flexibilidade.
O voto condutor no caso, da relatoria do Ministro Breno Medeiros, ressaltou especialmente o poder de escolha do motorista. Este último, ao prestar depoimento, confessou que podia ficar off-line da plataforma e recusar corrida. A liberdade do autor restou afirmada pela sua autodeterminação e pela possibilidade de definir seus horários, rotina e locais de trabalho.
Em sentido contrário ao que entendeu o Tribunal Regional, foi ressaltado que o fato de o motorista poder ser avaliado pelos usuários e, vice-versa, não significa a existência de subordinação, sendo, “em verdade, ferramenta de feedback para os usuários finais quanto à qualidade da prestação de serviços do condutor, de interesse de todos os envolvidos”.
Ou seja, o fato de as avaliações poderem ser utilizadas para eventual descredenciamento do motorista serve especialmente para a manutenção da confiabilidade e da segurança do serviço. É providência benéfica à sociedade, aos usuários e aos motoristas, algo distinto do poder de ingerência do empregador sob o empregado.
Além disso, a remuneração pelos serviços prestados não se confunde com a hipótese legal de pagamento convencional de salário. No ponto, a decisão do TST ressaltou o elevado percentual do valor das corridas que é destinado aos motoristas, na faixa de 75% a 80% do valor pago pelo usuário, o que demonstra vantagem remuneratória muito diferente das modalidades praticadas nas relações de emprego.
<blockquote class="jota-article__eye" dir="auto">Essas particularidades diferenciam a atividade do motorista de Uber do empregado tradicional reconhecido pela CLT, uma vez que a relação através do aplicativo não possui as características previstas no seu art. 3º - este a condicionar o vínculo empregatício à presença, concomitante, de subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade.</blockquote>
Além da função de motorista, exercida através de aplicativos como o Uber e 99, a caracterização de vínculo de emprego também vem sendo questionada em outras atividades, como a dos entregadores que prestam serviços através de plataformas como Rappi e iFood.
No final de janeiro, o tema foi analisado pela juíza Shirley Aparecida Escobar, da 37ª vara do Trabalho de SP, que julgou improcedente ação movida pelo Ministério Público do Trabalho, que tinha como objeto o reconhecimento do vínculo empregatício dos entregadores do iFood.
No mesmo sentido do que decidiu agora o TST, a magistrada mencionou que os entregadores se colocam à disposição para trabalhar nos dias e horários que preferem, tendo autonomia para escolher a entrega que farão e qual aplicativo utilizarão para tanto.
Ainda, ao analisar o panorama social envolvido na demanda, a magistrada mencionou que “a tecnologia vem transformando a vida das pessoas, ignorando as fronteiras e desafiando os modelos postos”, acrescentando que “até bem pouco tempo não seria imaginável uma parcela de trabalhadores laborando com autonomia de dias e de horários de trabalho e sem contato com chefes”.
Por fim, ponderou que, apesar dos direitos garantidos pelo contrato de emprego tradicional, muitas pessoas optam pela liberdade de não precisar cumprir os deveres dele oriundos, como controle de jornada, horários e dias definidos, além de outras regras engessadas, concluindo que “não é crível e nem razoável imaginar que toda a população possa e queira se amoldar entre empregados e empregadores”.
Em sentido oposto, ao julgar uma outra ACP proposta pelo MPT, a juíza Lávia Lacerda Menendez, da 8ª vara do trabalho de SP, declarou a existência de vínculo empregatício dos entregadores da Loggi. Dentre os fundamentos, considerou que a “subordinação estrutural”, oriunda da organização e das regras para utilização da plataforma, mesmo sem controle direto, são indicativos de relação de emprego. A sentença, contudo, foi suspensa liminarmente pelo desembargador do TRT-2, Sergio Pinto Martins.
Com base nesse panorama de transformações sociais e econômicas, por mais que a questão tenha sido apreciada somente por uma das Turmas do TST, não sendo suficiente para que se afirme ainda como sendo o entendimento majoritário Corte Superior, o fato é que a decisão demonstra que as constantes transformações nas relações de trabalho vêm sendo acompanhadas pelo judiciário.
O teor da decisão da 5ª Turma em relação ao Uber, da sentença referente ao iFood e da liminar que suspendeu a condenação da Loggi, demonstram a valorização da liberdade econômica e da livre iniciativa no Brasil, tanto pelo judiciário, como pelos milhares de trabalhadores que perderam ou abandonaram os empregos formais celetistas, mas passaram a trabalhar com mais liberdade, com iniciativa própria e de maneira mais flexível e independente.
Assim, como bem pontuou o Ministro Medeiros: “o intento de proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes, pautadas em critérios menos rígidos e que permitem maior autonomia na sua consecução, mediante livre disposição das partes”.

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JOTA

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