Ana Cristina von Gusseck Kleindienst

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está, com frequência, nas páginas dos jornais. Cada vez mais, cresce o conhecimento do empresariado sobre práticas anticompetitivas. Entretanto, é, ainda, muito comum, como professora e advogada atuante na área concorrencial, deparar-me com caras e bocas – e até certo inconformismo – quando o assunto é troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes.
“Não posso falar com meu concorrente sobre informações comerciais da minha empresa? Mesmo sem sequer ter o intuito de combinar ou acordar qualquer comportamento? Não é possível... isso não é cartel!”.
Desde já, fica o esclarecimento: troca de informações sensíveis entre concorrentes, ainda que seja uma conduta diferente de cartel, consiste em infração à ordem econômica. Assim, interações sobre preços e descontos de produtos e serviços, custos, estratégias competitivas, estratégias de marketing, nível de capacidade, planos de expansão, informações não públicas sobre marcas e patentes, entre outras, são passíveis de investigação e punição pelo Cade.
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Aos inconformados, cabe esclarecer que, em termos práticos, a diferença entre o compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis e a prática de cartel, por exemplo, está no fato de que a troca de informações, por si só, não é crime, de modo que pessoas físicas envolvidas na conduta não estão sujeitas a penas privativas de liberdade, como se sujeitam os indivíduos que participam de um cartel (cartel é crime tipificado na Lei nº 8.137/90). Assim, a troca de informações concorrencialmente sensíveis entre concorrentes constitui infração administrativa, cuja repressão cabe ao Cade, por meio da imposição de multas e outras sanções administrativas aos envolvidos (empresas e indivíduos).
Desta distinção de tratamento, surge uma diferença prática-processual importante.
Via de regra, a legislação determina que prescrevem em 5 anos as ações punitivas do CADE; isto é, a autarquia federal tem prazo quinquenal para iniciar a apuração da infração a contar da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito (é o chamado prazo prescricional). Porém, há uma ressalva quanto aos casos em que o fato objeto da ação punitiva também constitua crime (como no caso do cartel), de modo que em relação a estes a prescrição rege-se pelo prazo previsto na lei penal (art. 1º, § 2º da Lei 9.873/99 e art. 46, § 4º da Lei 12.529/11).
Dessa forma, a grosso modo (e, aqui, peço licença para não entrar na discussão sobre a necessidade de instauração ou não de processo na instância criminal para que seja aplicável a regra acima), enquanto para cartéis aplica-se o prazo prescricional constante na legislação penal, ou seja, 12 anos, para as demais infrações à ordem econômica a serem apuradas pelo CADE, como o compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis, aplica-se a prescrição quinquenal.
Para quem atua no direito antitruste, nada disso é novidade. Assim como também não é novidade que esta diferenciação tem pouco efeito prático no dia a dia dos processos administrativos do CADE. Explico: por ser conduta cuja prova é muito difícil, a consumação de um cartel costuma dar-se justamente em razão da existência de trocas de informações concorrencialmente sensíveis entre os players. Dessa forma, acabamos nos vendo diante de uma dinâmica em que o Cade considera evidências de compartilhamento de informações concorrencialmente sensíveis como indícios da prática de cartel. Aí, as condutas se pressupõem e o prazo prescricional aplicado é o de 12 anos.
Não obstante o verídico cenário dado, a novidade que se tem sobre o assunto está no brilhantismo do recente voto proferido pelo conselheiro João Paulo de Resende, no que tange à aplicação da prescrição quinquenal diante do reconhecimento de que as provas juntadas em relação a uma determinada representada indicavam, no máximo, troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as empresas, não havendo outras evidências para contextualizar essas provas dentro de uma prática mais ampla, como a de cartel. Trata-se de processo de sua própria relatoria que investigou o cartel internacional com efeitos no Brasil no mercado de unidades de discos ópticos (Processo nº 08012.001395/2011-00).
A serviço da comunidade jurídica e jurisdicionados, o Conselheiro João Paulo tratou da relevância de se analisar a racionalidade por trás da troca de informações concorrencialmente sensíveis para, então, falar em configuração da prática de cartel. Nas palavras do conselheiro: “Ainda que os players de um mercado não fixem um preço ou dividam um mercado expressamente, há certos tipos de informações que, uma vez compartilhadas, têm o mesmo efeito de um cartel, sendo essa, inclusive, a racionalidade por trás da troca. Por exemplo, numa cotação eletrônica de preços, conhecer o valor piso de um concorrente bem como qual a sua posição almejada (para efeitos da quantidade a ser fornecida) impacta diretamente na decisão da outra empresa dos lances/propostas que irá apresentar, prejudicando, sem sombras de dúvidas, a concorrência. Não deixa, pois, de ser um ajuste, uma manipulação do mercado, entre concorrentes, na medida em que as informações deste tipo são compartilhadas justamente para que possam adequar seus lances/propostas aos interesses ilícitos comuns”.
<a name="_GoBack"></a> Muito cuidadosamente, o conselheiro analisou as evidências constantes nos autos em relação à referida representada e fez questão de esclarecer que o prazo prescricional de 5 anos estava sendo aplicado, porque a informação compartilhada entre as empresas refere-se, exclusivamente, à pontuação de qualidade atribuída por uma cliente aos players do mercado (esta cliente seria supostamente uma das empresas que teriam sido prejudicadas pelo cartel internacional em questão) e que não havia outras evidências para contextualizar esses e-mails dentro de uma prática mais ampla, como a de cartel.
Após quase um ano do início do julgamento deste processo administrativo pelo Tribunal do Cade, na sessão de julgamento ocorrida em 30.01.2019, o voto do conselheiro relator foi unanimemente seguido pelos demais conselheiros e pelo presidente da autarquia no que diz respeito à aplicação da prescrição de 5 anos em relação à representada em questão, diante do reconhecimento de que as provas juntadas em relação a ela, indicavam, no máximo, troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as empresas. É o mais recente entendimento do CADE sobre o assunto.

Cade

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Troca de informações concorrencialmente sensíveis

O mais recente entendimento do Cade