Adriano Milanesi Sutto

Guilherme Eleutério Martínez

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sessão virtual, julgou o Tema 1052 (leading case: RE 1141756), de modo a decidir pela constitucionalidade do creditamento de ICMS em relação a bens cedidos em comodato. O acórdão foi publicado em 10/11/2020 e já houve apresentação de embargos de declaração (em 23/11), que ainda está pendente de julgamento.
Por maioria, a Corte Constitucional fixou a seguinte tese: “Observadas as balizas da Lei Complementar nº 87/1996, é constitucional o creditamento de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias – ICMS cobrado na entrada, por prestadora de serviço de telefonia móvel, considerado aparelho celular posteriormente cedido, mediante comodato”.
A discussão buscava avaliar caso das empresas Telefônica do Brasil S.A e Telefônica Data S.A, que apropriavam créditos de ICMS em relação a aparelhos celulares que eram cedidos, a título de comodato, aos clientes das empresas. Em outras palavras, abarcava a análise acerca da possibilidade de apropriação de crédito de ICMS sobre ativo em posse de terceiro.
<div id="tributario-48c53a75140211079e36" role="main"></div>
<script type="text/javascript" src="https://d335luupugsy2.cloudfront.net/js/rdstation-forms/stable/rdstation-forms.min.js"></script> 
<script type="text/javascript"> new RDStationForms('tributario-48c53a75140211079e36', 'UA-53687336-1').createForm();</script>
O referido julgamento pelo STF ganha ainda mais relevância em razão de haver uma clara disparidade entre o entendimento das autoridades fiscais estaduais e o racional consolidado judicialmente. Por exemplo, a Consultoria Tributária do Estado de São Paulo, por meio de Soluções de Consulta, tem historicamente demonstrado entendimento restrito quanto à apropriação do crédito em questão, sob o argumento de que a operação de comodato resulta em saída não tributada, o que seria hipótese de vedação ao crédito do ICMS.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar a matéria sob a ótica infraconstitucional, adotou uma perspectiva distinta e flexível para a análise quanto à possibilidade do creditamento. Com efeito, quando da análise do RMS 24.911, entendeu pela possibilidade de apropriação e manutenção de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de bem do ativo permanente utilizados nas atividades comerciais de empresas do setor de bebidas (a exemplo de vitrines, chopeiras, etc.), os quais foram cedidos em comodato para os revendedores dessas bebidas.
Nesse ponto, vale dizer que, para a fundamentação da decisão, o STJ se utilizou do racional trazido pelo parecer do representante do Ministério Público Federal, que sustentou que o §1º do art. 20 da Lei Kandir (LC n. 87/1996) obsta a compensação de ICMS em caso de entrada de mercadorias isentas ou não-tributáveis; entretanto, a não incidência do imposto na locação de bens móveis (atividade posterior à aquisição da mercadoria) não interfere no direito de creditar o ICMS, tendo em vista que o direito ao crédito surge da tributação na etapa anterior. Isto é, realizada operação que tenha resultado na entrada de mercadoria ao ativo permanente, é possível a compensação com o imposto cobrado anteriormente.
Ademais, o referido parecer do MPF menciona outros julgados em que foi permitida a manutenção do crédito de ICMS quando há locação, como atividade-fim, de bens adquiridos para integrar o ativo permanente da empresa (i.e., possibilidade de manutenção de créditos de ICMS mesmo no caso em que a posterior operação não se sujeite à incidência do ICMS, como ocorre no comodato).
Assim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, discutido no Tema 1052, sedimentou a possibilidade da referida apropriação de créditos – o qual ainda não transitou em julgado, diga-se.
Dentro os vários setores diretamente afetados pela decisão, está o de meios de pagamento. Isso porque, no setor, é praxe a cessão em comodato das “maquininhas de cartão de crédito” (“Point-of-Sale” ou “POS”) para seus clientes. Naturalmente, ganha importância a discussão sobre a possibilidade de apropriação de crédito de ICMS relativo às POS cedidas, ainda que o ICMS geralmente não represente a parcela mais relevante da carga fiscal suportada por empresas de meio de pagamento (que, além dos impostos e contribuições sobre renda e receitas, está usualmente sujeito ao Imposto sobre Serviços devido aos Municípios em relação à parcela de serviços prestados).
Considerando o entendimento historicamente restrito das autoridades fiscais e a inexistência até então de um precedente firme do STF sobre a matéria, havia insegurança jurídica e risco de questionamento para as empresas de pagamento que optavam por tomar os créditos de ICMS sobre os POS objeto de comodato.
A decisão do STF, em linha com o entendimento mais recente do STJ, traz inegavelmente maior segurança para o setor, que tem crescido muito recentemente, e que pode ver nessa tese uma oportunidade de economia fiscal, tendo em vista que o comodato dos POS é realizado na consecução da atividade-fim da empresa de pagamento.
<blockquote class="jota-article__eye">O impacto financeiro positivo será especialmente relevante para as sociedades de pagamento que tenham inscrição estadual por conta de outras atividades operacionais sujeitas ao ICMS.</blockquote>
Como antecipado, porém, o julgamento do Tema 1052 pelo STF não se encerrou, ainda pendente o exame dos embargos de declaração apresentados pelo Estado e de eventuais outros recursos. Dessa forma, o deslinde da questão, apesar de relativamente próximo, ainda depende desse novo julgamento e do trânsito em julgado da discussão. Cabe frisar que apesar de a tese fixada pelo STF envolver empresas de telefonia móvel que cedem aparelhos em comodato (atividade essa que tem grande parcela tributável pelo ICMS), o racional seria aplicável para diversos tipos de negócio, incluindo as empresas de pagamento (mesmo que, como comentado, o ICMS possa não ter a mesma relevância que para as empresas de telecomunicação ou de bebidas, por exemplo).
Por fim, cabe pontuar os impactos da reforma tributária no setor de meio de pagamento, com um possível aumento da carga tributária.
Atualmente, as operações de comodato não são tributadas pelo ICMS, conforme teor da Súmula 573 do STF, a qual determina que não constitui fato gerador do imposto de circulação de mercadorias a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato. Além disso, vale repisar, o ICMS não é imposto usualmente aplicável às receitas das empresas de pagamento, que usualmente se sujeitam ao ISS sobre os serviços prestados, que tem alíquota máxima de 5% limitada por lei (conforme LC 116/03).
Contudo, tal cenário pode mudar drasticamente com as propostas de reforma tributária. Recentemente, o Centro de Cidadania Fiscal, responsável pela redação que deu origem à PEC 45, divulgou a minuta da lei complementar que disciplinaria o IBS, imposto sobre bens e serviços proposto em substituição aos atuais ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS.
Conforme referido no projeto, a alíquota do IBS tem o potencial de chegar a um patamar de quase 30%. Alem do potencial aumento de carga em razão da elevada alíquota, especificamente quanto ao crédito das operações tratadas no presente artigo, o projeto de Lei Complementar que disciplinaria o IBS não abarca tal ponto. Em outras palavras, o direito ao crédito decorrente da cessão das POS, atualmente garantido após extensa disputa judicial, poderia inexistir, o que também poderia contribuir para um aumento da carga tributária da operação.
Assim, cabem às propostas de reforma tributária considerar esse novo ambiente de negócios, de modo a não gerar um aumento significativo de carga tributária e inviabilizar uma atividade e setor com elevadíssimo potencial de crescimento, pensando em um futuro em que as transações com moeda serão apenas digitais, e as instituições de pagamento tendem a ter papel de grande relevância nesse contexto futuro de open banking e criptoativos.
<hr />
O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
<hr />

Tributação

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

A disparidade entre o entendimento das autoridades fiscais estaduais e o racional consolidado judicialmente

Tributação do setor de meios de pagamento e julgamento do Tema 1052 do STF

Tema ganha relevância em razão de haver uma clara disparidade entre o entendimento das autoridades fiscais estaduais e o racional consolidado judicialmente