Leonardo A. B. Battilana

Guilherme Eleutério Martínez

Filipe Rezende do Amaral

Na esteira dos trabalhos efetuados pelo Grupo de Trabalho “Tributação &amp; Energia Elétrica”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, da Comissão de Direito Tributário da OAB/SP, passamos a analisar um novo tema: os impactos da tributação da inadimplência dos consumidores, no pagamento das faturas de energia elétrica.
Passados mais de um ano da crise instaurada pela Covid-19, vivemos em um dos momentos mais sensíveis da pandemia, com o agravamento do número de casos. No Brasil, devemos lembrar que, após a decretação de estado de calamidade pública (em 2020), a Administração Pública adotou uma série de medidas para conter o avanço da enfermidade, bem como resguardar serviços e atividades essenciais ao interesse público nesse momento. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>Inegavelmente, as atividades das empresas de energia elétrica foram reconhecidas como essenciais. Tanto que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio da Resolução Normativa nº 878, de 24 de março de 2020, vedou a suspensão de fornecimento de energia elétrica, por inadimplemento de unidades consumidoras. Essa medida durou, para alguns consumidores, até o final do ano de 2020.
A vedação da suspensão da energia elétrica, imposta pela ANEEL, trouxe grandes impactos aos fornecedores de energia elétrica no âmbito econômico e tributário. Estudos realizados pela Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) apontou que o índice de inadimplência dos clientes de distribuidoras de energia, no início da pandemia, apresentava o patamar de 15% a 20%. Para determinadas concessionárias, a porcentagem chegou a alcançar 30%, em meados de março. Antes de crise, a taxa média antes da crise provocada pelo coronavírus era de 4%<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Diante desse aumento significativo da inadimplência e da obrigatoriedade de permanecer com o fornecimento da energia elétrica, em 2020, algumas distribuidoras buscaram o Poder Judiciário, para que os pagamentos, ao menos do ICMS, fossem postergados para o momento do recebimento dos valores das faturas. Apesar de algumas liminares terem sido deferidas pelo Poder Judiciário, posteriormente elas foram reformadas.
Embora essa disputa judicial tenha se dado no contexto dos efeitos da pandemia, a tributação sobre a inadimplência já foi objeto de discussão nos tribunais, em outras ocasiões. Quanto ao ICMS, embora não tenha tratado de discussão específica ao setor elétrico, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que a parcela da inadimplência deve ser tributada pelo ICMS pelo argumento de que a exigência tributária não está vinculada ao êxito dos negócios, pois consiste em um risco da atividade<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
A tributação da inadimplência também já foi analisada com relação ao PIS e à COFINS. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.482, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que os valores da inadimplência deveriam ser tributados pelas contribuições, pois o fato gerador ocorreria com o aperfeiçoamento do contrato de compra e venda e não com o recebimento do preço do produto.
Em 7/3/2014, o Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, reconheceu a repercussão geral da discussão envolvendo o direito do contribuinte de aproveitar valores pagos de ICMS, para abatimento do tributo nas operações subsequentes, se ocorrida inadimplência absoluta do usuário de serviço público de comunicação (Recurso Extraordinário nº 1.003.758- Tema nº 705).
Nesse caso, apesar do STF ter reconhecido já ter analisado a tributação da inadimplência, sob o ponto de vista do PIS e da COFINS, o Relator (Ministro Marco Aurélio) afirmou que o tema ainda não havia sido analisado sob o ponto de vista do princípio da não cumulatividade. A despeito de dispor sobre a prestação de serviço de comunicação, o tema é extremamente relevante ao setor elétrico, pois a pertinência da discussão se eleva em tempos de calamidade pública. Importante destacar, também, que a configuração do STF, de hoje, é diferente daquela que julgou o RE 586.482.
<blockquote class="jota-article__eye">Especificamente no setor elétrico, exigir a cobrança do ICMS sobre operação inadimplida evidencia uma dupla penalidade.</blockquote>
Primeiro, demanda o tributo sobre uma situação que não revelou qualquer signo de riqueza; e, segundo, exige a cobrança do imposto sobre sujeito o qual a norma não pretendeu onerar, tendo em vista a sistemática específica do tributo no setor elétrico.
Ademais, não há como afirmar que caberia a exigência da tributação em razão do risco do negócio, como já entendido pelo STJ. No caso do setor elétrico, diferente do comércio tradicional, o usuário não detém, usualmente, de outra rede para o fornecimento da energia. Tal entendimento já fora inclusive reconhecido pelo mesmo STJ<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Em tempos de calamidade pública, a ausência do risco da atividade fica evidente, uma vez que a concessionária de energia elétrica está obrigada ao fornecimento de energia, independentemente do pagamento (por um período). Portanto, caberá ao STF a palavra final sobre a cobrança de tributos em decorrência da inadimplência e, posteriormente, às autoridades administrativas as medidas que possibilitem a sustentabilidade e redução do impacto das empresas do setor elétrico.
Muito embora o tema ainda aguarde uma definição do Poder Judiciário, atualmente, espera-se o retorno das discussões dos projetos de Reforma Tributária. Especialmente sobre as proposições, que apresentam maior representatividade nas discussões<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, não há menção sobre a tributação da inadimplência, como já foi levantado por esse Grupo de Trabalho da OAB/SP, na Nota Técnica preparada sobre a Reforma Tributária<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Além disso, no final de 2020, o Centro de Cidadania Fiscal, responsável pela redação que deu origem à PEC 45, divulgou a minuta da lei complementar que disciplinaria o IBS, imposto sobre bens e serviços proposto em substituição aos atuais ICMS, IPI, ISS, PIS e Cofins. Como a tributação da inadimplência não é abordada pela PEC, a minuta da lei complementar também não apresenta o modelo de tributação desses valores.
Nesse mesmo sentido, o Projeto de Lei da CBS, a despeito de corretamente determinar a ausência de estorno quanto às perdas não-técnicas (outro tema que tem alto impacto no setor), não ressalta especificamente o tema da inadimplência.
Uma sugestão para diminuir os impactos da inadimplência seria a adoção de um regime de caixa pelas empresas, para que os tributos sejam pagos na medida em que as empresas efetivamente percebam o ingresso de valores. Nesse sentido, cabe destacar que, em 6/11/2020, o senador Izalci Lucas PSDB/DF, apresentou Projeto de Lei Complementar (PLP) 261/2020, para alterar as leis complementares do ICMS<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> e do ISS<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>, de modo a para facultar ao contribuinte adotar o critério de reconhecimento de suas receitas à medida do recebimento.
Assim, referido projeto busca incluir a faculdade de o contribuinte adotar o regime de caixa ou competência para apuração do ICMS e ISS, de modo a auxiliar no capital de giro das empresas. A ideia não é impossível, a despeito de demandar maiores esclarecimentos quanto à sistemática de operacionalização.
Na mesa linha, em 17/1/2020, o Estado do Rio Grande do Sul publicou a Lei nº 15.436, estabelecendo que o valor do imposto, correspondente à fatura de energia elétrica, será creditado diretamente a favor do Estado, se o pagamento for feito por meio de pagamento eletrônico ou código de barras em estabelecimento bancário autorizado. Muito embora a mesma lei não exima a responsabilidade da distribuidora ao recolhimento do imposto, na falta de pagamento da fatura pelo contribuinte, trata-se de um avanço da legislação estadual nessa temática.
Portanto, a despeito de incipiente a discussão do Projeto de Lei Complementar 261/2020, vemos que já há uma sinalização de mudança por ao menos um estado, demonstrando que é de extrema importância referido debate, diante da essencialidade do setor sobre toda a economia, bem como sua representatividade na arrecadação de tributos. As propostas legislativas, que busquem abordar a tributação específica do setor elétrico, quanto à inadimplência, se mostram adequadas e necessárias.
<hr />
O episódio 55 do podcast Sem Precedentes discute o silêncio do STF diante da crise militar do governo Bolsonaro. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=WAU2xWiR5DQ&list=PLfhZjWODW9JVuLFe6U_ulxCduBHTeECHC&index=1
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-e-os-impactos-no-setor-de-energia-eletrica-13022020">https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-e-os-impactos-no-setor-de-energia-eletrica-13022020</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/04/24/inadimplencia-chega-a-20-na-distribuicao-de-energia.ghtml">https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/04/24/inadimplencia-chega-a-20-na-distribuicao-de-energia.ghtml</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Resp nº 1189924/MG, Segunda Turma, julgado em 25 de maio de 2010.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> REsp 1299303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 14/08/2012). Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil.
“Situação diversa é a da fabricação e do comércio de bebidas, objeto do REsp 903.394⁄AL (repetitivo), não aplicável ao caso em debate. (...) Em virtude da concorrência no setor privado – o que dificilmente ocorre no fornecimento de energia elétrica –, o distribuidor (adquirente da bebida) poderá buscar outro fabricante, com produtos inferiores ou importados, com preços menores. (...) Quanto ao usuário de energia elétrica, ou paga a tarifa com o ICMS eventualmente ilegal ou ficará sem o serviço, o que implica em desligar lâmpadas, geladeiras, televisores, equipamentos indispensáveis à saúde de enfermos, equipamentos industriais, etc., ou lançar mão de outras fontes de energia, excessivamente caras e não produtivas. Reforço, aqui, a idéia de que, no campo do fornecimento de energia elétrica, inexiste ou praticamente inexiste concorrência capaz de impor à concessionária atitudes no sentido de defender o interesse do consumidor. (...) Concluindo, estando o poder concedente e a concessionária, principalmente quando se cuida de majoração de tributos (com exceção do imposto de renda), no mesmo polo, não há como reconhecer a ilegitimidade ativa do consumidor do serviço de energia elétrica, lembrando que, em Direito Tributário, o que vale é a verdadeira natureza das coisas e das suas relações.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> PEC 45/2019, PEC 110/2019 e Projeto de Lei nº 3887/2020 (“PL da CBS”)
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a>     <a href="https://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-tributario/noticias/Nota%20Tecnica%20OAB%20-%20Reforma%20Tributaria%20-%20Setor%20Eletrico%20-002-%20-002-%20-1.pdf">https://www.oabsp.org.br/comissoes2010/direito-tributario/noticias/Nota%20Tecnica%20OAB%20-%20Reforma%20Tributaria%20-%20Setor%20Eletrico%20-002-%20-002-%20-1.pdf</a>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Lei Complementar nº 87/96
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Lei Complementar nº 116/03

luz, energia elétrica

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Vedação da suspensão da energia elétrica, imposta pela ANEEL, impactou fornecedores no âmbito econômico e tributário

A tributação da inadimplência no âmbito do setor elétrico

Vedação da suspensão da energia elétrica, imposta pela ANEEL, impactou os fornecedores de energia elétrica no âmbito econômico e tributário