Ana Carpinetti

Renato Henrique Caumo

Na semana passada, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) divulgou sua proposta para a tributação dos lucros auferidos por empresas multinacionais que atuam na economia digital, chamada de “Abordagem Unificada”. 
Em brevíssima síntese, a Abordagem Unificada é uma proposta elaborada pela OCDE para endereçar as dificuldades na tributação dos lucros auferidos por empresas multinacionais que atuam na economia digital e que, por vezes, acessam alguns mercados consumidores de maneira remota (i.e. sem presença física ou atuação direta), auferindo lucros que, pelas regras tributárias vigentes, não são tributados nos Países em que se localizam tais mercados.
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Entretanto, muitos dos principais debates públicos sobre a questão estão (atualmente) circunscritos às questões de política fiscal suscitadas pela proposta, de maneira que menos atenção tem sido dada às sugestões efetivamente divulgadas pela OCDE, e ao texto que está em consulta pública até 12.11.2019. 
Nesse contexto, cabe questionar: no que consiste a Abordagem Unificada sugerida pela OCDE?
Desde logo, o documento divulgado pela OCDE assume que a maior dificuldade encontrada para a tributação dos lucros mencionados acima reside na inadequação das regras tributárias vigentes, porquanto baseadas em “critérios territoriais”. Ou seja, são regras que permitem a tributação dos lucros auferidos em determinado País quando a empresa multinacional possuir presença física (ou seja, possuir uma subsidiária ou estabelecimento), ou efetivamente atuar no referido País, ainda que indiretamente (e.g. por meio dos chamados estabelecimentos permanentes, que são atualmente endereçados na maioria dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação pelo imposto de renda).
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, a principal inovação sugerida pela Abordagem Unificada é justamente romper com esse “critério territorial” que orienta as regras fiscais vigentes. </blockquote>
Em outras palavras, a ideia é permitir que os Países possam tributar parte da renda auferida por empresas que acessam seus mercados consumidores mesmo sem uma presença física ou atuação efetiva nos respectivos territórios, o que geralmente se verifica na economia digital quando residentes de um determinado País consomem, pela Internet ou pela nuvem, bens digitais e serviços disponibilizados por uma empresa localizada em outro País, normalmente remunerada por meio de pagamentos realizados por meio de cartões de crédito internacionais.
Tal iniciativa seria operacionalizada por meio da criação de uma nova regra de “alocação de competência tributária” (ou seja, de uma regra que autoriza a cobrança de tributos) que passaria a integrar o texto dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação pelo imposto sobre a renda. 
Nos termos da proposta de Abordagem Unificada, um determinado País poderia tributar uma parcela dos lucros de uma multinacional quando verificar que as receitas auferidas em operações envolvendo pessoas físicas ou jurídicas residentes em seu território superou determinado valor fixo (a título exemplificativo, 750 milhões de Euros ou outro valor).
Sendo verificada tal situação, o País em questão poderia então exigir o recolhimento de até três parcelas de tributação sobre os lucros auferidos pela empresa multinacional que acessou o seu mercado consumidor, mesmo sem presença física ou atuação efetiva:
(i) “Parcela A”: consiste na tributação do chamado “lucro residual” da multinacional, que nada mais é do que o valor dos lucros informados nas demonstrações financeiras consolidadas divulgadas pela “empresa matriz” menos os montantes dos lucros (a) auferidos no País em que tal empresa matriz tenha residência fiscal, e (b) atribuídos a operações específicas que ensejam remuneração individualizada, tais como a venda de um intangível etc. Uma vez identificado tal lucro residual, o valor em questão seria fracionado entre todos os Países autorizados a exigirem o recolhimento da Parcela daquela multinacional, de acordo com fórmulas fixas e/ou critérios geográficos previamente estabelecidos e, enfim, tributado de acordo com as regras locais desses Países;
(ii) “Parcela B”: consiste na exigência de um “valor fixo” para a tributação de atividades relacionadas a marketing e distribuição realizadas por meio de subsidiárias locais instaladas no território de um País autorizado a tributar lucros auferidos no exterior segundo as novas regras. Nos termos da Abordagem Unificada, essa tributação poderia ser calculada a partir de um valor realmente fixo, ou de um percentual fixo sobre as operações realizadas pelas referidas subsidiárias locais. Frise-se que a proposta da OCDE considera que a cobrança da chamada Parcela B seria algo complementar à tributação dessas atividades por meio das regras de preços de transferência vigentes –as quais, supostamente, não conseguem mais capturar a totalidade dos resultados tributáveis auferidos pelas empresas da economia digital nos mercados em que possuam presença física; e
(iii) “Parcela C”: consiste em tributação adicional / complementar à Parcela B quando for verificado que as atividades relacionadas a marketing e distribuição realizadas por meio de subsidiárias instaladas no território do País em questão não seriam suficientemente tributadas pela combinação entre tal Parcela B e as regras vigentes de preços de transferência, ou quando se verificar que tais subsidiárias locais desempenham atividades que não seriam adequadamente tributadas mesmo depois de considerados os efeitos das Parcelas A e B, o que a OCDE cogita como possível, ainda que em caráter excepcional.
Outros pontos de atenção indicados na proposta de Abordagem Unificada estão relacionados à necessidade / possibilidade de diferenciação entre modelos de negócios adotados pelas empresas multinacionais para fins de aplicação dessas novas regras, aos mecanismos para detecção dos volumes de venda que servirão de partida para a sua aplicação, à quantificação dos valores a serem rateados entre os Países elegíveis, e ao efetivo recolhimento dos tributos incidentes sobre as referidas Parcelas A, B e C, especialmente naqueles casos em que as empresas multinacionais de fato não possuam presença física ou atuação efetiva nos Países que serão autorizados a tributar os seus lucros.
Por fim, cabe notar que o texto divulgado pela OCDE também é um convite aberto às empresas multinacionais e demais interessados em contribuir para os debates e aprimoramento da Abordagem Unificada, especialmente nos pontos mais sensíveis, dentre os quais se destaca, em larga medida, a dificuldade de operacionalizar um sistema de tributação verdadeiramente cooperativo e internacional, baseado em um paradigma de alocação de competências tributárias que, até então, era pouco discutido fora dos círculos acadêmicos. 
Nesse contexto, os próximos anos mostrarão se a proposta de Abordagem Unificada será realmente operacionalizável, sob a perspectiva prática, e viável, sob a perspectiva política, dado que deverá demandar ajustes sensíveis nas legislações internas de diversos Países interessados em sua aplicação, além de ajustes / celebração de tratados internacionais para adoção das novas regras, e, em alguns casos, representará “perda de arrecadação” para determinados outros Países que atualmente tributam (ou esperam tributar) a parcela do lucro que passaria a ser alcançado por meio das Parcelas A, B e C descritas acima.

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JOTA

No que consiste a 'Abordagem Unificada' proposta pela OCDE?

Tributação de negócios digitais

No que consiste a 'Abordagem Unificada' proposta pela OCDE?